Expectativas quanto à Redução do Horário Semanal: Trabalhadores e Empresas

  • Sílvia Luís, Vítor Hugo Silva, Carla Santos e Susana Dias
  • HEI-Lab, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Dados do Our World in Data (2017) oferecem-nos alguma perspetiva sobre a redução do horário semanal de trabalho. Contra o que poderá ser a nossa intuição, nos países com PIB per capita mais elevado as pessoas tendem a trabalhar menos horas anuais. Observando a evolução ao longo dos anos compreendemos que o número de horas de trabalho tende a decrescer ao mesmo tempo que os países prosperam. De forma mais incisiva, podemos ainda comparar os dados da realidade em Portugal em 2017 com outros dois países, a China e a Alemanha. Em Portugal, o número médio de horas anuais de trabalho foram 1875 horas. Na China o número não foi muito superior, 1975 horas, enquanto na Alemanha trabalharam-se 1359 horas. Em contrapartida, a produtividade laboral (PIB por hora de trabalho) foi 25.93€ em Portugal, 9.96€ na China e 62.22€ na Alemanha (Giattino et al., 2020).

O número de horas de trabalho tem vindo sistematicamente a reduzir desde a 1ª revolução industrial. Henry Ford foi um dos mais famosos defensores da semana de 5 dias, tendo sido vanguardista ao implementá-lo nas suas fábricas. Tal como antecipou, a redução do número de horas de trabalho, sem alteração salarial, não diminuiu a produtividade laboral. Pelo contrário, aumentou o lucro da sua empresa. Trabalhadores com mais tempo de lazer tinham também oportunidade de comprar e disfrutar do que produziam (Kallis et al., 2013).

O que se verifica nas economias mais produtivas é que as pessoas conseguem trabalhar menos horas com maior produtividade devido à aposta no desenvolvimento tecnológico dos processos de trabalho (Kallis et al., 2013). Trabalhando menos horas, as pessoas têm também oportunidade de investir mais na sua educação e formação, têm mais tempo de lazer e com a família, e poderão ter mais qualidade de vida e mais saúde, o que se reflete na qualidade do trabalho (Barck-Holst et al., 2017). Existirá assim uma causalidade circular entre a redução de horas de trabalho e a produtividade laboral.

Passados quase 100 anos desde que Henry Ford aboliu um dos dias de trabalho estamos perante um contexto muito diferente. Os principais desafios de hoje não são promover o consumismo, mas garantir o consumerismo, bem como promover o desenvolvimento sustentável de uma forma geral.

Metodologia. Neste artigo apresentamos os principais resultados de um estudo de opinião da população e de representantes de empresas sobre a redução do horário semanal de trabalho recolhida entre fevereiro e abril de 2022. A amostra da população é uma amostra não probabilística estratificada proporcional recolhida através de uma plataforma online utilizando amostragem tipo bola de neve. O critério de estratificação foi a condição perante o trabalho: empregado e outras condições (desempregado, trabalhador, trabalhador-estudante, reformado). É constituída por 411 indivíduos, 59% mulheres, com idades compreendidas entre 18 e 85 anos (idade média de 41 anos), a maioria empregados, 48.5% (7.3% desempregados, 15.4% estudantes, 9.3% trabalhadores-estudantes e 20% reformados), tendo a maioria (46.6%), completado o ensino secundário. A amostra de representantes de empresas é uma amostra não probabilística estratificada que foi dirigida a responsáveis de Recursos Humanos ou à Administração da Organização. As organizações foram selecionadas através de pesquisa online. Aproximadamente 760 organizações foram contactadas por email, tendo 86 acedido à plataforma e 48 respondido ao questionário. Nesta amostra, a maioria também são mulheres, 68.1%, com idades compreendidas entre os 28 e os 64 anos (idade média de 45 anos), tendo a maioria o ensino superior, 72.3%.

Resultados. Quando inquiridos acerca da preferência quanto ao número de horas de trabalho semanal, nota-se que as semanas com menos horas de trabalho são as preferidas. Os representantes das empresas tendem a demonstrar maior preferência por uma redução para 35 horas semanais quando comparados com os restantes inquiridos, que tendem a preferir uma maior redução. Quanto à forma como essas horas seriam reduzidas, a eleição é a semana de 4 dias. Contudo, os resultados sugerem que são sobretudo os representantes das empresas que têm esta preferência. Os indivíduos da população em geral demonstram maior preferência por uma redução do horário diário bem como, por uma organização mais flexível desse mesmo horário (ver Figura 1). Estes resultados vão ao encontro de uma experiência de redução do horário semanal na Nova Zelândia que evidenciou a necessidade de envolver os trabalhadores no processo de mudança de horário semanal para identificar e criar a possibilidade de não ter um regime único (Delaney & Casey, 2022). Uma parte considerável dos trabalhadores preferiam trabalhar menos horas diárias e ter horários flexíveis.

Figura 1. Preferências quanto ao número de horas de trabalho semanas e forma de redução para empresas e população. Escala de resposta de 1, preferência mínima, a 7, preferência máxima.

A redução do horário semanal de trabalho oferece-nos tempo. Um aspeto fundamental para gerir os impactes económicos, sociais e ambientais desta política laboral é compreender como as pessoas esperam utilizar esse tempo. Verificamos que a maioria das pessoas, tal como as empresas, antecipam dedicar tempo sobretudo à família e amigos, a atividades de interesse pessoal, a formação e a desporto. As pessoas não consideram muito provável aumentar o seu consumo (ver Figura 2). Estes resultados vão de encontro ao nosso passado recente, em 1996, quando se estabeleceu a redução gradual dos períodos normais de trabalho superiores a 40h, tendo-se verificado um claro aumento na satisfação associada às atividades de lazer (Lepinteur, 2018).

No que diz respeito à necessidade de promover políticas públicas para garantir uma melhor gestão deste tempo, a maioria apostou na socialização e a população indicou uma fraca necessidade de incentivar o consumismo (Figura 3). Note-se que, ao contrário da população, e do que seria de esperar tendo em conta potenciais preocupações económicas, as empresas indicam alguma necessidade de apostar em políticas públicas que desincentivem o consumismo, o que se poderá relacionar com o forte desenvolvimento de políticas de responsabilidade social na última década.

Figura 2. Utilização do tempo extra com a redução do horário laboral. Escala de resposta de 1, pouco provável, a 7, muito provável.

Em termos ambientais este conjunto de expectativas é bastante encorajador. Um estudo em contexto britânico sobre a utilização do nosso tempo e as emissões de gases com efeitos de estufa associadas (Druckman et al., 2012) estima que cerca de metade das emissões estão associadas a atividades de trabalho. As atividades de lazer, sobretudo as que não envolvem viagens, como ler, são as atividades que têm menor intensidade média de emissões de gases com efeitos de estufa.

Figura 3. Incentivos a Políticas de Socialização e Consumismo. Escala de resposta de -3, desincentivar, a + 3, incentivar.

Com a redução do horário de trabalho são esperados impactes positivos e vantagens para todos os âmbitos que foram analisados: ambiente, sociedade, economia, trabalhadores e organizações. Contudo, os impactes menos positivos e menos vantajosos são esperados para a organização e para a economia, enquanto os mais positivos são esperados para os trabalhadores e para a sociedade, tanto para empresas como para a população (ver Figura 4). Esta perceção poderá constituir um entrave à mudança. Interessa desmistificar a perceção que mais horas de trabalho se associam a mais produtividade. Um relatório do International Labour Office assinala como pode ser tentador para as organizações focarem-se apenas na redução dos custos laborais a curto-prazo, sobretudo em períodos de recessão económica, e desvalorizarem estratégias de valorização de capital humano e tecnológico (Golden, 2012). O aumento da produtividade após a redução de horas foi já claramente evidenciado a partir de um século de investigação, dependendo, naturalmente, das medidas que acompanham a redução de horas (White, 1987). Mais horas de trabalho não correspondem a uma produtividade proporcional, sobretudo devido ao cansaço físico e mental envolvido nas tarefas laborais, que tendem a associar-se a piores níveis de bem-estar e saúde (Golden & Wiens-Tuers, 2008; Sparks et al., 1997) e à necessidade de ter um período de recuperação com duração suficiente.

Figura 4. Impactes e vantagens em resultado da redução do número de horas de trabalho. Escala de resposta de -3, negativo/desvantagem, a + 3, positivo/vantagem.

A Figura 5 ilustra expectativas quanto aos resultados da redução de horas de trabalho semanal. Os inquiridos que participaram neste estudo estão otimistas e têm expectativas positivas quanto aos resultados, tanto os indivíduos quanto os representantes de empresas. No mesmo sentido, verificou-se um aumento na satisfação do trabalho no decorrer da redução do horário semanal de 1996 (Lepinteur, 2018). Contudo, apesar deste potencial, os resultados dependerão sempre da forma como as iniciativas são implementadas, tanto em termos políticos como práticos (Delaney & Casey, 2022). Quando o processo de redução de carga horária é estrategicamente planeado, é acompanhado por cargas de trabalho e recursos proporcionais, e envolvendo os colaboradores nos processos de mudança, há evidências de que estas expectativas positivas, de uma forma geral, se tendem a concretizar. Contudo, a ausência destas condições pode ter um efeito contrário às expectativas. Em contextos em que não foram garantidas estas condições pode ocorrer um aumento de stress (Barck-Holst et al., 2019) e não existir o aumento de controlo sobre a vida privada necessário para balancear a relação trabalho-família (Barck-Holst et al., 2020).

De notar que as expectativas mais elevadas são as que se associam a uma maior retenção dos talentos nas empresas: imagem e reputação da empresa (employeer branding), equilíbrio trabalho-família e satisfação (Robertson & Abbey, 2003).

Figura 5. Expectativas em resultado da redução do horário de trabalho.  Escala de resposta de -3, diminuição, a + 3, aumento.

Considerações finais. A evolução tecnológica aliada ao desenvolvimento dos processos de organização do trabalho permite hoje que em países com maior prosperidade se trabalhe menos horas por ano. A produtividade laboral parece depender mais de fatores relacionados com a qualidade do tempo de trabalho do que com a quantidade de tempo que passamos no trabalho. Os resultados deste estudo mostram que existe uma preferência por semanas com menos horas de trabalho. Enquanto as empresas preferem a semana de 4 dias, correspondente à proposta que tem vindo a ser publicamente discutida, a população prefere uma maior flexibilidade na gestão do tempo de trabalho. Importará assim estudar diferentes opções de redução do horário semanal e oferecer flexibilidade às organizações. Enfatiza-se ainda a necessidade de planear a adaptação da carga de trabalho e dos recursos necessários às novas tipologias de trabalho e de envolver os colaboradores no processo de mudança para antecipar potenciais barreiras e desafios.

Ter mais tempo disponível, extratrabalho, para a família e atividades de lazer, passou a ser um valor social fundamental na sociedade atual. A diminuição do número de horas de trabalho semanais poderá contribuir para o reforço de relações sociais positivas significativas e, consequentemente, resultar numa melhoria significativa da qualidade de vida e bem-estar dos trabalhadores. Contudo, tal mudança exigirá o envolvimento e a sensibilização dos líderes e gestores das organizações, de forma a serem capazes de reconhecer as vantagens da redução do horário de trabalho e terem confiança na sustentabilidade destes modelos de trabalho. Para tal, é necessário investir em mais estudos e na partilha das melhores práticas de gestão de pessoas.

REFERÊNCIAS

Barck-Holst, P., Nilsonne, Å., Åkerstedt, T., & Hellgren, C. (2017). Reduced working hours and stress in the Swedish social services: A longitudinal study. International Social Work, 60(4), 897–913. https://doi.org/10.1177/0020872815580045

Barck-Holst, P., Nilsonne, Å., Åkerstedt, T., & Hellgren, C. (2019). Coping with stressful situations in social work before and after reduced working hours, a mixed-methods study. European Journal of Social Work, 24(1), 94–108. https://doi.org/10.1080/13691457.2019.1656171

Barck-Holst, P., Nilsonne, Å., Åkerstedt, T., & Hellgren, C. (2020). Reduced working hours and work-life balance. Organization, 1–14. https://doi.org/10.1080/2156857X.2020.1839784

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Druckman, A., Buck, I., Hayward, B., & Jackson, T. (2012). Time, gender and carbon: A study of the carbon implications of British adults’ use of time. Ecological Economics, 84, 153–163. https://doi.org/10.1016/J.ECOLECON.2012.09.008

Giattino, C., Ortiz-Ospina, E., & Roser, M. (2020). Working Hours. Published online at OurWorldInData.org. Retrieved from: https://ourworldindata.org/working-hours

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Golden, L., & Wiens-Tuers, B. (2008). Overtime work and well-being at home. Review of Social Economy, 66(1), 25-49.  https://doi.org/10.1080/00346760701668495

Kallis, G., Kalush, M., O’Flynn, H., Rossiter, J., & Ashford, N. (2013). “Friday off”: Reducing working hours in Europe. Sustainability, 5(4), 1545–1567. https://doi.org/10.3390/SU5041545

Lepinteur, A. (2019). The shorter workweek and worker wellbeing: Evidence from Portugal and France. Labour Economics, 58, 204-220. https://doi.org/10.1016/j.labeco.2018.05.010

Robertson, A. & Abbey, G. (2003). Managing talented people: Getting on with – and getting the best from – your top talent. Harlow: Pearson Education.

Sparks, K., Cooper, C., Fried, Y., & Shirom, A. (1997). The effects of hours of work on health: A meta-analytic review. Journal of Occupational and Organizational Psychology, 70(4), 391–408. 

White, M. (1987). Working Hours: Assessing the Potential for Reduction. International Labour Office.