Hoje mais do que em qualquer outro momento

Escrever num portal, de pessoas para pessoas, representa sempre um desafio imenso, sobretudo nesta altura das nossas vidas.

Muitas empresas estão a reerguer-se desta pandemia. Muitas fecharam…muitos postos de trabalho terminaram, outros continuam a meio gás. Mais de 100.000 pedidos de subsídio de desemprego (dados da semana passada)…

De facto, não parece a altura ideal para falar de amor pelas marcas, de employee experience e de felicidade e de bem-estar no trabalho. Ou será que é de facto agora que faz mais sentido?

Neste momento, as pessoas com quem tenho falado durante estes últimos dois meses estão, por um lado desejosas de regressar, por outro, muito receosas e não muito entusiasmadas, para um regresso ao mesmo ponto de partida.

De facto, a realidade que temos ao dia de hoje, em nada tem a ver com a realidade que deixámos para trás no dia 13 de março.

Acredito que a atitude demonstrada nestes dois meses por parte das empresas, é a que ficará na cabeça das pessoas. Pessoas essas que são colaboradores, clientes e consumidores. Muitas empresas agiram bem, segundo os princípios eticamente mais corretos. Outras, nem por isso. E estas atitudes irão ter as suas consequências. Boas e menos boas.

Neste momento das nossas vidas a nossa vulnerabilidade está ao rubro, se calhar como nunca em toda a nossa vida esteve. Daí que estas atitudes, sejam elas boas ou menos boas, irão ter um eco muitíssimo superior em nós do que numa “situação regular” teriam.

Se as empresas, dada esta conjuntura, não aprenderem nada, estão mortas. Das dificuldades e dos desafios aprendemos sempre mais. Se a empresa perdeu vendas, vai aprender, se a empresa continuou sem problemas com 100% das pessoas em teletrabalho, tem que aprender, se, por outro lado, a empresa ao mínimo problema começou a despedir pessoas e a exigir 200% dos seus colaboradores…infelizmente também vai aprender.

Neste momento, mais do que em qualquer outro

Precisamos que as empresas se comportem de um modo o mais humano possível, precisamos de sentir que as empresas apoiam os seus colaboradores, como se de família se tratasse… A empresa necessita, agora mais do que nunca, de ser um local seguro, onde não sentimos medo, onde nos sentimos ainda como parte integrante. Para onde sentimos saudades de regressar.

Nesta altura em que tanto se fala de inteligência artificial e de robôs, vejo a Gestão de Pessoas curiosamente, muito mais humanizada. No seio da sociedade de hoje, preocupa-me seriamente o número crescente de casos de “burnout” nas empresas, a falta de engagement, a desmotivação e a degradação da saúde mental dos colaboradores.

A neurociência prova-nos que os efeitos da dor “física” no nosso cérebro, se assemelham aos da dor “social” e acho que de facto, temos de começar a não minimizar esta premissa.

Alguma coisa temos feito de forma errada…quando alguém se sente rejeitado, desrespeitado ou ignorado pela sua liderança, este conflito, em termos cerebrais, é comparado a uma dor física, uma vez que gera instabilidade, baixa auto-estima e por vezes, poderá culminar na humilhação. Chegou a hora de humanizarmos genuinamente as empresas. De sabermos lidar com as pessoas. De investirmos em formar as nossas lideranças, no que concerne a inteligência emocional. Para sintetizar, colocar a felicidade e a confiança no centro da cultura da empresa.

Hoje mais do que em qualquer outro momento.

Só deste modo conseguiremos reverter esta tendência, e fazer com que as pessoas se liguem emocionalmente às marcas e se envolvam no propósito das empresas. Ter uma parede com “valores e missão” bonitos e emoldurados não chega. É preciso vivenciá-los com verdade, e dar o exemplo da integração desses valores no dia a dia da empresa. Cada vez mais será necessário que as empresas trabalhem para um propósito maior do que o lucro. Genuinamente. Temos que deixar para trás os Headcounts e dar as boas vindas aos Heartcounts. São esses que nos interessam verdadeiramente, e, na minha opinião, são esses que facultarão mais resultados às empresas.

Estes dois meses foram muito difíceis e saturantes para todos nós. Lidámos, muitos pela primeira vez, com a consciência da nossa própria mortalidade, com o isolamento dos nossos pais e com o afastamento físico dos nossos amigos. Foi, e ainda é, duro. E o mais assustador de tudo isto, mas também o que nos fortalece enquanto seres humanos, é que todos nos sentimos assim. Todos nos sentimos de repente mortais e inseguros, cheios de incertezas: pôr ou não máscara, ir ou não ao escritório, visitar ou não a mãe/pai, deixar ou não os filhos brincar lá fora, perder ou não o emprego, ficar ou não em lay-off…

E é aqui que aparecem os bons exemplos de empresas que “souberam estar”

Líderes que “souberam ser”. Empresas que alteraram o seu processo produtivo , e que começaram a produzir em prol de um propósito maior, o líder que fez um teams só para saber como estávamos, o colega que fez um zoom só para partilhar um copo de vinho, a empresa que enviou a nossa cadeira de escritório para casa, os colaboradores que em vez de trabalharem na linha x,  passaram a embalar,  ou vice versa, na medida em que a empresa teve que se restrutura. Em todas estas atitudes vêem-se human skills essenciais: flexibilidade e agilidade. Isto os robots não conseguem elaborar: a capacidade de nos alterarmos conforme o desafio que se nos coloca, a forma de nos adaptarmos e de darmos tudo de maneira diferente da que daríamos se tudo estivesse “normal”.

Na minha opinião, este “dar tudo” só acontece se estivermos apaixonados pela marca. Se gostarmos do que fazemos, com quem fazemos e onde fazemos.

Em 1937 já Dale Carnegie dizia: “Só existe uma forma, neste mundo, de fazer com que alguém faça alguma coisa… Sim, apenas uma forma. E isso é fazer com que a pessoa queira fazê-lo…não se esqueça, não há outra hipótese.”

Na relação laboral, tal como em qualquer outra, só se o quisermos é que o faremos. Pelo menos, bem feito.

A questão que se coloca aos líderes e responsáveis de pessoas é, como fazer isto…

“Diz-me e eu esqueço-me, mostra-me e talvez me lembre. Faz-me sentir e jamais me esquecerei”, a filosofia de Confúcio, sempre tão atual…

Nesta fase de reabertura, no meu entender, há duas prioridades: segurança e informação. A informação correta, sem filtros, de como está a empresa, como estão as vendas e qual o “novo” ponto de partida, com verdade, com garra, para sermos desafiados e não ameaçados com o que aí vem e com espírito de grupo, coeso, uno e forte. É a única forma de fazermos “sentir” que estamos todos vulneráveis, contudo unidos e fortes, para enfrentar este enorme desafio. Deste modo, acredito que todas as pessoas estarão motivadas para continuar.

Há uns meses falávamos do mundo VUCA, mas na realidade nunca o tínhamos realmente experimentado, a não ser agora. As palavras “volatilidade”, “incerteza”, “complexidade”, “ambiguidade” e, mais do que tudo, a imprevisibilidade do futuro, faz com que tudo esteja mais presente e real em nós próprios, neste momento.

É a realidade que temos agora, e que, ao que sugerem as notícias do mundo, ainda por mais algum tempo…

Às empresas cabe a motivação das suas pessoas. Aos líderes é necessária a aceitação de uma adaptabilidade a esta nova realidade, mas certo será que nenhum de nós vai regressar ao que era antes de 13 de março. Não somos os mesmos, nem tão pouco temos interesse em ser o que éramos antes de 13 de março. O mundo mudou e mudou-nos. Hoje somos mais resilientes (fomos obrigados a sê-lo), mas também mais seletivos e com as nossas prioridades muito bem definidas. O líder tem que ser mais do que nunca um facilitador, e a empresa parte integrante da rede social e de apoio dos seus colaboradores.

Para terminar, deixo uma nota positiva. Não otimista, mas positiva: durante o mês de abril, decorreu um estudo da Stanton Shase que contou com a participação de 400 gestores portugueses. Pela análise dos resultados, é bem visível o positivismo que os responsáveis pela gestão de pessoas das organizações em Portugal apresentam face aos prazos de recuperação desta fase. Mais de 60% dos inquiridos reconhece um impacto económico-financeiro elevado nas organizações onde atuam, mas, a maioria encontra-se positiva no que diz respeito à retoma da atividade normal da empresa nos próximos 6 meses (76%).

Sejamos positivos, hoje mais do que em qualquer outro momento.