Marketing e Gestão de Pessoas: os irmãos que mais parecem primos afastados

Durante os últimos anos o Marketing e Comunicação e a Gestão de Pessoas foram duas das áreas que mais provaram às organizações a sua importância. Se por um lado, num mundo totalmente confinado, os “marketeers”, nomeadamente no âmbito digital, apresentaram uma visão imprescindível às organizações na adaptação a novos contextos, a novas formas de comunicar, e a novas maneiras vender, os gestores de pessoas provaram igualmente a sua relevância, trazendo as pessoas para o centro da gestão do negócio. Contudo, apesar de estas duas áreas terem tudo para nutrir uma relação de irmãos, atualmente mais parecem uns primos afastados.

Embora o Marketing e a Comunicação tenham, historicamente, conquistado o seu lugar na gestão de topo há mais tempo, o seu (por agora) primo afastado já conta com esse assento totalmente garantido. A verdade é que não podemos negar nem contrariar o caminho hercúleo que a Gestão de Pessoas trilhou ao longo destes últimos anos nem deixar de validar a sua conquista no topo das organizações, porque estas e as suas operações são inevitavelmente sobre pessoas!

Mas então como é que estes dois “irmãos de sangue” acabaram por se afastar na subida ao topo? Ou será que, na realidade, nunca se conheceram?

É verdade que a situação pandémica veio expor questões até então esquecidas, ou diria “questões de segunda”, a céu aberto. Se por um lado o aceleramento da transformação digital do marketing e da comunicação tornou-se chave na adaptação a contextos nunca vividos, por outro, estes mesmos contextos trouxeram o bem-estar das Pessoas para o centro da problemática, destacando o Gestor de Pessoas como principal responsável. E é aqui que a transformação organizacional começa a notar as suas primeiras fragilidades em ter estes dois primos tão afastados.

Numa atualidade onde a volatilidade é tão presente nas organizações, seja ao nível externo com mercados em constante mudança, novas formas de comunicar e novos conceitos digitais; como a nível interno, surgindo “todos os dias” novos modelos de trabalho, novas abordagens, novas oportunidades de melhoria e/ou de mudança, cabe às organizações mitigar essa corrente e tornar a sua realidade mais estável no meio do que é a tempestade de mudança “lá fora”, sem nunca esquecer a necessária evolução. Neste sentido, de uma forma geral vemos, atualmente, (poucas) organizações a procurar mitigar as suas diversas problemáticas, “intercomunicando” entre departamentos e procurando novas soluções para os seus problemas junto de áreas que, tradicionalmente, não teriam esse papel.

Olhando para o caso dos Recursos Humanos, a sua influência tanto na organização como um todo, como na tomada de decisão, prende-se inevitavelmente na forma como comunica com os restantes departamentos. Tendo conquistado espaço junto da tomada de decisão, é imperativo que consiga, portanto, ter uma linguagem tão próxima quanto esta relação, o que por si só representa um enorme desafio, mas também uma enorme oportunidade!

No outro lado da mesa, o seu “primo afastado” pode e deve apresentar-se como verdadeiro irmão mais velho e emprestar a sua visão, a visão do Marketing. É neste momento que acredito que muitas organizações estejam atualmente a viver, embora já se assista a alguns casos em que esta irmandade esteja mais harmonizada. Questões como percecionar os colaboradores como “clientes internos”, estratificação de canais de comunicação ou ainda como gerir e avaliar impactos resultantes das mais diversas ações, incluindo, claro, as resultantes das ações de Endomarketing, são valências que há muito são estudadas e aplicadas no Marketing e que podem e devem ser integradas na Gestão de Pessoas, junto dos Recursos Humanos.

A globalização do trabalho e a padronização do trabalho remoto vieram também elas “agitar as águas” dentro das organizações, expondo e impondo novos desafios na gestão interna das organizações. Estas tornaram o mercado de trabalho mais competitivo, abrindo ainda mais os horizontes profissionais dos colaboradores, que deixam, assim, de restringir a sua perspetiva profissional a um contexto local e passam a poder “contar com um mundo de oportunidades profissionais”. Esta nova perspetiva obrigou e continua a obrigar as entidades empregadoras a rever e a melhor nutrir a sua cultura e propósito organizacional por forma a apresentarem-se mais “apetecíveis” e “atraentes” no mercado de trabalho!

Se já todos sabemos que a gestão e alinhamento de uma cultura e de um propósito organizacional são pontos centrais para negócios saudáveis e de sucesso, temos de ser capazes de compreender que esta cultura e propósito não são apenas “para inglês ver”. A comunicação e “venda” de uma cultura e propósitos fortes, íntegros e bem intencionados aos públicos externos tem-se revelado muito proveitosa no aumento da reputação organizacional, da faturação e imagem das organizações, então está
obviamente na hora de trazermos essas ações para dentro do negócio e da organização, desenvolvendo e comunicando culturas organizacionais saudáveis, com propósitos valoráveis e onde o colaborador “importa”, e muito!

Mas esta cultura e propósitos organizacionais, estas ações de atração de talento, esta renovação e/ou melhoria da imagem e identidade organizacional que tanto os públicos externos como internos têm das organizações,… Cabem onde? No Marketing ou nos Recursos Humanos? Afinal de contas, o marketing há muito que trabalha a melhor maneira de comunicar marcas, produtos, posicionamento, cultura… Mas
estamos a falar das “nossas” pessoas, tão cuidadas (ou deveriam) pela nossa Gestão de Pessoas…

Em que ficamos?

Na realidade, as organizações deverão implementar as suas estratégias de acordo com a sua cultura e desenho organizacional, mas isto que temos aqui é trabalho de equipa! Então estes, cada vez mais perto de serem “irmãos”, deveriam ter custódia partilhada destas estratégias de marketing/recursos humanos, operacionalizando equipas mistas e bebendo da mesma base!

Embora pareça muito, não é esta a única situação em que a “união faz a força”…

Os Recursos Humanos ganharam e continuam a ganhar muito em trazer a linguagem “marketeira” para junto deles, e para o seu discurso. São inúmeros os exemplos de sucesso onde a linguagem do marketing trouxe a Gestão de Pessoas para perto da tomada de decisão, então porque não deixá-la fluir por todo o departamento? A visão e linguagem do marketing vai efetivamente apoiar os Recursos Humanos na “tradução” das suas ações e resultados, tornando-as mais percetíveis, em linguagem, e, portanto, mais próximos da gestão do negócio e não só! É igualmente produtivo e benéfico, os Gestores de Pessoas verem os colaboradores como clientes internos da organização. Nesta linha, estas “novas equipas” serão mais capazes de desenvolver e implementar o branding interno que esteja alinhado com o branding externo, linguagem adequada tanto ao cliente interno como ao cliente externo, novas formas de comunicar, outros canais e/ou plataformas, numa harmonização capaz de fazer crescer todos os eixos organizacionais, desde o interno ao externo, desde o colaborador ao público-alvo!

Mas enganem-se se achavam que os Recursos Humanos são os únicos a aprender aqui! O mesmo se apresenta no lado do Marketing, que terá muito mais a ganhar em aliar os seus esforços com os conhecimentos, toque e experiência da Gestão de Pessoas! Os Gestores de Pessoas são (ou devem ser) os profissionais com a melhor sensibilidade e formação para gerir o que considero ser o mais importante nas empresas… As relações! Seja de um ponto de vista interpessoal ou até mesmo pessoal, são os gestores de pessoas que estão em contato permanente e diário com os colaboradores, que identificam e tentam compreender as suas dores, obstáculos e formas de como desenvolver lideranças mais saudáveis. É nesta linha que, também o Marketing, deve beber do melhor que a Gestão de Pessoas tem para oferecer. Sendo a Gestão de Pessoas o departamento que mais contato tem com os colaboradores, é natural que seja também este a fornecer informação mais detalhada e precisa para a elaboração de uma estratégia de HR Marketing Interna e Externa consistente e promotora da organização. Este é um papel sem dúvida que envolve uma partilha comum entre os “RH” e os “Marketeiros” de uma organização, mas não só! O Marketing verá os seus esforços externos, na procura de, por exemplo, um aumento do volume de negócio ou melhoria de reputação organizacional, mais rapidamente e qualitativamente recompensado, resultado da implementação de estratégias holísticas, com base nestes dois “irmãos”.

E poderemos assistir a uma futura “fusão” de ambos os departamentos?

Não acredito e defendo que não seja efetivamente esse o caminho. As responsabilidades e ações que encontramos em ambos os departamentos são, na sua maioria, de natureza “pura”. Cada departamento continua a ser responsável por diversas ações, sejam estratégicas ou operacionais, que continuam e deverão continuar a ser de responsabilidade única e que, portanto, compreendem uma existência singular de cada um. Afinal de contas, não queremos assistir a uma canibalização organizacional, mas sim a um trabalho de equipa de dois irmãos que trabalham em prol de uma organização saudável e próspera.