O equilíbrio entre presente e futuro no contexto atual de negócios

O papel de RH se transforma durante crises ?

Enquanto o mundo observa atento e tenta se preparar para uma possível segunda onda de contaminação em massa do COVID-19, é necessário refletir o que foi vivido durante seu primeiro ciclo e como empresas e organizacões reagiram a eminente crise global. Essa reflexão vem de diversos ângulos e, entre muitos “novos normais”, “propositos” e “re-invenções”, me parece pertinente agregar à discussão o ponto de vista de líderes que navegaram suas organizações (e pessoas) durante os últimos meses.

Como parte da liderança de RH de linhas de negócios globais em uma organização centenária e reconhecida por sua resiliência e capacidade de inovar, acredito que, diante da crise atual, muito pouco que estamos vendo pode ser considerado “novo” em gestão de pessoas. Para evitar que a indignação tome conta da leitura daqui para frente, gostaria de delinear o que considero “novo” e o que já era sabido, por tempos foi discutido sem ganhar o devido protagonismo e, em alguns casos, até chegaram a ser a “bola da vez” mas outras prioridades fizeram com que o tema adormecesse em algum canto nos prédios corporativos.

Vamos aos exemplos? Temas como jornada e local de trabalho, formas de contratação, o papel do líder engajador e participativo, times virtuais e de alta performance, saúde e segurança entre muitos outros ocupam há tempos pautas de gestão. Quando aplicados, na maioria das vezes apenas em grandes empresas (mas não em todas) e pouco, ou nada, usados em médias e pequenas empresas.

Entretanto, me parece que de alguns meses para cá esses temas ganharam universalidade, independente de porte ou setor da organização. Por que?

Antes de pensar em respostas para a pergunta acima, vale (re)lembrar: o mercado é soberano e não perdoa quem não age rápido a mudanças (drásticas ou sistêmicas). A freada econômica expôs fragilidades e potencializou riscos nas empresas e seus modelos de negócios, trouxe novos desafios que, aliados a norma do ser humano de resistir a mudanças, podem ter consequências irreversíveis as organizações que não priorizarem a velocidade na tomada de decisão, a flexibilidade em processos, políticas e procedimentos e que não consigam transitar com destreza por situações ambíguas. O momento atual não tem espaço para conformismo e a famosa frase “isso não funciona aqui” deve ser erradicada dos corredores (mesmo que virtuais) corporativos. Velocidade, flexibilidade e aderência ao risco  deverão ser parte do “ADN” de qualquer organização daqui para frente.

Quando trago os pontos acima para o dia-dia vejo que, de fato, fizeram a diferença durante os meses mais severos da crise atual para as linhas de negócios que representa o RH. A queda abrupta do consumo, as restrições políticas e logísticas e as ameaças de saúde e segurança fizeram com que  resultados atingissem baixas históricas, acompanhadas de incertezas na capacidade da cadeia de suprimentos, questões de investidores a robustez da estratégia de negócio e insegurança de empregados em relação a seus empregos. Nesse contexto, a velocidade em tomar decisões difíceis e a estratégia de comunicação (externa e interna) foram essenciais. O foco da gestão precisava mudar rapidamente, deixar de lado temporariamente o planejamento anual e metas para focar no que chamamos “modo de sobrevivência”, sem exceção a qualquer departamento ou função.

Nesse ponto volto ao meu comentário inicial: “… acredito que, diante da crise atual, muito pouco que estamos vendo pode ser considerado ”novo” em gestão de pessoas …“. Para gerir o “modo de sobrevivência” a área de RH liderou (ou co-liderou) diversas frentes, mas, refletindo um pouco, não é de hoje que ouvimos sobre a transformação da área de recursos humanos, seu papel estratégico e o “RH como protagonista na gestão” certo?  Provocações à parte, durante os meses mais severos da crise não havia espaço para temas que pudessem causar distrações da liderança. Com processos inerentes ao ciclo anual da gestão de pessoas (contratações, treinamentos e programas de desenvolvimento e remuneração e benefícios) “congelados”, toda a atenção estava na gestão de caixa, saúde e segurança, ambiente de trabalho e moral dos empregados – comunicar, comunicar, comunicar – essa virou a regra nos diversos níveis de gestão, em todas as geografias.

Repensar os canais de comunicação interna e formas de engajamento era preciso, e foi feito.

No início esse “excesso” de transparência não foi bem compreendido (afinal “isso não funciona aqui”) mas logo a velocidade de tomada de decisão e capacidade de execução começaram a trazer o efeito desejado – consciência dos times sobre as dificuldades do momento atual e suas possíveis consequências e, ao mesmo tempo, confiança na liderança em navegar o imenso transatlântico por águas agitadas (convido a ver o desempenho das ações da companhia durante os meses mais severos da crise).

Entre as diversas ações lideradas por RH, a aceleração de projetos de transformações organizacionais, aprimoramento nas relações laborais e sindicais (em muitos países a ajuda governamental foi crítica para manutenção de negócios e empregos), estreitar a conexão com líderes e liderados, ser (ainda mais) parte do dia-a-dia (mesmo que virtualmente) e o direcionamento estratégico das comunicações da liderança se destacam. Pensando sobre ações mencionadas, essas já eram inerentes (ou que deveriam ser) parte do RH, certo ?

No contexto onde a “ordem do dia” foi preservar a saúde dos negócios, da organização e de pessoas, ao mesmo tempo, conseguimos engajar pequenos grupos para (re)pensar o futuro em diferentes aspectos, desde mudanças sociais e padrões de consumo até novas formas de relações de trabalho, sempre sob a ótica do papel do líder e gestão. Sem muitas surpresas, a maioria das ideais que ganharam “corpo” são aquelas que já transitavam na agenda de muitos RHs, como a flexibilidade nas formas de empregar, local e jornadas de trabalho mais próximas do âmbito familiar e pessoal e estreitar a distância entre valores pessoais e propósitos corporativos – todos pontos extremamente relevantes e, que de maneira clara, trarão oportunidades de negócios, redução de custos, desenvolvimento de líderes e liderados, sustentabilidade sistêmica, etc… então, por que não agimos antes ?

As crises globais ao longo da história nos ensinaram muito e tenho duas certezas que tomei como regras para gestão: 1) toda crise acaba, mas a forma como se passa por ela determina o sucesso ou fracasso das organizações e; 2) toda crise nos mostra que já poderíamos ter agido de forma diferente. É importante entender o que nos leva a não agir de forma diferente e evitar o conformismo.

Estar sempre “inquieto” e “incomodado” é, até certa medida, saudável para os negócios e, consequentemente para gestão de pessoas.

Dessa maneira, nesse momento histórico sem precendetes, antes de mergulhar em “novos normais”, vamos entender os motivos que levaram o “novo normal” já não ser o “normal” há tempos. Refletir sobre o papel de líderes e organizações em um ambiente que a única certeza é a mudanca e o que falta na agenda da liderança para conduzir ações e acelerar mudanças que permeiam entre nós há tempos mas parece que só ganham atenção quando estão sob os holofotes de crises mundiais.