Positividade tóxica e o impacto no meio laboral

Já passou por alguma experiência no trabalho em que sentiu as suas emoções ou ideias desvalorizadas? Já teve de ignorar emoções por serem consideradas inapropriadas ao ambiente de trabalho? Por vezes temos de criar uma personalidade exclusiva no trabalho para conseguir lidar e adaptarmo-nos de forma a não sofrer represálias. A isto chama-se positividade tóxica.

Os tempos evoluíram e atualmente somos uma utopia para os trabalhadores mais antigos. Podermos trabalhar a partir de casa, pedir dias para tomar conta dos filhos doentes, para quem trabalhava há 30 ou 40 anos atrás já com 12 anos, numa fábrica, a vender jornais ou num restaurante para poder ajudar a família, nunca pensou em tal coisa. E ainda assim, ouve-se jovens a falar em “burnouts”.

Burnouts
Também denominado por “Síndrome de Burnout” (SB) é a designação para um esgotamento profissional, e foi em 2000 declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como fator de risco ocupacional, pois afeta a nossa qualidade de vida ao ponto de a pôr em risco.

Muitas vezes, no local de trabalho, este desgaste é desvalorizado e receitam-nos um otimismo absurdo. Certamente já passou por um dia não tão bom, em que algum colega ou chefia lhe disse que se animasse por estar um dia bom, por exemplo.

E o problema está aí, o otimismo ajudam sim a levar a vida com mais leveza, mas nem sempre é a resolução para todos os problemas.

A importância da saúde mental
Principalmente devido ao impacto da pandemia a partir de 2020, tem-se falado cada vez mais da saúde mental e do impacto no trabalho e vice-versa. Por vezes, em momentos mais frágeis, não é fácil separar a vida pessoal da profissional e é importante que se respeite isso.

Alguém que não esteja a ter um melhor dia, pode sim estar “em baixo” num dia de escritório, pode não ser tão sorridente ao servir uma mesa, pode esquecer-se de dizer “bom dia” ao próximo cliente da fila… Há que respeitar, e sobretudo, entender que todos nós somos pessoas diferentes, cada um tem a sua individualidade e lidamos de diversas formas com os problemas.

Positividade tóxica
Pode parecer contraditório mas é a ideia de que a positividade e o otimismo devem estar acima de qualquer outra emoção mais negativa e que acaba por desvalorizar os nossos sentimentos e nós mesmos como seres humanos por não ser adequado ao ambiente em que nos encontramos.

Mas a positividade tóxica é também a ideia universal da pessoa que devemos ser, isto é, muitas vezes há uma falta de aberturas para determinadas ideias, ou por sermos muito novos na empresa, ou porque acabamos por ser os únicos a expressar-nos mesmo sabendo que não somos só nós que nos sentimos/pensamos de determinada maneira.

Embora seja ainda um conceito pouco conhecido, cada vez ouve-se mais falar no mesmo e cada vez mais trabalhadores se identificam com o termo.

Como identificar sinais de positividade tóxica no trabalho
Analogias, de forma a amenizar os nossos sentimentos, frequentemente usam comparações como “se todos os meus problemas fossem esses” quase que numa escala de dor e por haver situações piores que a nossa, devemos ficar mais contentes e desvalorizar o que sentimos.

Obrigação em ser otimista e insistir na felicidade contínua, sorrir e ser alegre o tempo todo, não pensar nos problemas, mas sim nas coisas boas, como se nos conseguíssemos abstrair com facilidade da situação em que vivemos.

Falta de reciprocidade e empatia, frases do género “não fique assim”, “tudo vai melhorar”, “nestas idades é normal”, não havendo uma conversa e consequentemente deixando-nos com a sensação de que afinal o que estamos a sentir/passar não é assim tão importante.

Episódios em que abordamos um tema mais delicado ou pesado e as pessoas ao nosso redor mudarem de tema pois, embora pareça inteligente discutir política, já não é adequado discutir uma guerra, por exemplo.

Micromanagement, ou em português microcontrolo, é também uma maneira quase opressiva de nos controlar e sentirmo-nos observados e julgados constantemente sob a ideia de que é para ajudar ou para que tudo corra bem, deixando-nos muitas vezes autoconfiantes e inseguros.

É importante referir que muitas vezes adotamos esta postura com nós mesmos ao pensar “nem vale a pena”, “se a pessoa está assim, eu também tenho de estar” ou “porque é que isto me afeta tanto?”, principalmente nos colaboradores mais novos – e por alguma influencia das redes sociais – existe uma ideia de que para sermos felizes todos os aspetos da nossa vida têm de estar 100% bem, o que é irrealista e também considerado tóxico.

Reforçando novamente que os pensamentos positivos ajudam e devem existir, mas não em incoexistência com os negativos.

Psicologia positiva e as suas diferenças
O termo foi abordado e popularizado pelo Dr. Martin Seligman, psicólogo e ex presidente da Associação Psicológica Americana (APA) que se dedicou ao estudo dos transtornos de depressão e das diversas maneiras que podemos lidar com situações da vida. O Dr. Seligman defendia que o segredo era não levar nenhuma emoção ao extremo, incluindo a positividade.

Podemos sentir-nos tristes sem que nos concentremos todo o tempo em ser felizes, que é o princípio da positividade tóxica. Há que trabalhar nos pensamentos negativos, não ignora-los mas reconhecê-los e aceitá-los. Os pensamentos negativos são tão essenciais, terapêuticos e construtivos como os positivos.

Como combater a positividade tóxica no trabalho?
Ainda que alguém já tenha tido esta atitude consigo, não significa que a intenção de ajudar não seja genuína, mas pode não se aperceber do impacto que tem em si.

Dê feedbacks, retribua e expresse com clareza e educação como se sente quando alguém adote esta postura consigo.

Peça à sua empresa que faça questionários de satisfação anónimos para que os colaboradores se possam exprimir livremente sem medos de represálias.

Se não se sente bem em expressar-se com grandes grupos, explique-o à sua chefia e peça reuniões um a um.

Procure ter um ponto de abrigo dentro da sua empresa, seja um colega, uma chefia, em algumas empresas existe apoio psicológico, procure saber informações se a sua empresa oferece este serviço.
Se algo ou alguém puder melhorar a situação, como por exemplo se sente ansiedade social e não gosta de frequentar eventos corporativos de maior dimensão, comunique-o e tente sempre encontrar um equilíbrio: “eu realmente não me sinto bem em eventos com muita afluência, mas se realmente a minha presença for essencial posso ir 15 minutos”.

Tal como quando temos sintomas físicos de que algo não está bem, devemos ir ao médico, é sempre recomendado um acompanhamento psicológico para incentivar o autoconhecimento e potencializar a qualidade de vida, de forma que a nossa saúde mental esteja bem e não se exteriorize. O ideal é nos sentirmos bem com nós mesmos e nos meios que frequentamos.

Se o seu trabalho exigir de si uma carga emocional maior que a que pode suportar, pergunte-se a si mesmo se “vale a pena?”, faça uma lista de pros e contras, do que mais valoriza, seja dinheiro ou tempo, não se deixe acomodar por um bom emprego se afinal não é assim tão bom.

Ana Guimaraes

HR Advisor na Siemens PT