Burnout nas Mulheres: De sobrecarregadas para a romantização da “mulher guerreira”
De acordo com os dados estatísticos de inúmeros estudos acerca da Síndrome de Burnout, todos indicam maior incidência sob as Mulheres, e por isso precisamos falar sobre a romantização da carga intensa que muitas delas estão carregando, principalmente durante esta pandemia!
“Por opção própria” diriam alguns, ou “porque não pedem ajuda?” diriam outros, (mestres em julgamento), mas acredito que nós as mulheres, nem sempre temos muito a provar, mas todas as pesquisas feitas demonstram que somos mais afetadas que os homens pelo stress e esgotamento profissional por estarmos a maior parte do tempo sendo cobradas e até mesmo coagidas para respondermos a tudo e todos: casa, trabalho, filhos, saúde, cônjuge, autocuidado (quando temos tempo para respirar). Para essas super-mulheres guerreiras o tempo de folga acaba tornando mais uma obrigação: “preciso descansar para poder dar conta da próxima semana”, perdendo o objetivo de lazer, de um momento saudável e de bem-estar.
A Síndrome de Burnout (do inglês to burn out, que pode ser traduzido como “queimar completamente”), também chamada de Síndrome do Esgotamento Profissional, desenvolve geralmente como resultado de um período de esforço excessivo de trabalho com intervalos muito pequenos para recuperação (repouso ou lazer).
Sabemos que o stress é uma defesa natural do organismo frente a um agente stressor de qualquer natureza que nos ajuda a sobreviver, mas acarreta consequências danosas quando este estímulo é intenso e contínuo. Assim, é considerado um distúrbio emocional que culmina em exaustão extrema, stress e esgotamento físico resultante de jornadas de trabalho sob pressão, exigente e desgastante e que demandam muita ou responsabilidade de caráter recorrente.
Para além de profissionais de várias áreas e setores cujas responsabilidades reflete em lidar com pessoas com frequência, expondo-se ao sofrimento ou aos problemas humanos, as Mulheres especificamente também fazem parte desta estatística, já que a normalização da sobrecarga da ‘mulher guerreira’ faz com que muitas mulheres de hoje desenvolvam o burnout e a ansiedade e na maior parte das vezes não há essa consciencialização.
É como se o nosso corpo e a nossa mente, esgotados, colocam um ponto final na própria capacidade de responder às demandas e tudo o que flui é um arrastar para cumprir ou desobrigar. Um cansaço devastador, absoluta falta de energia, desmotivação e desinteresse, irritação e mudança de humor repentino, redução da concentração, esquecimentos frequentes, desânimo, sentimento de fracasso por não conseguir dar resposta, baixa autoestima (do próprio julgamento e crítica) é o que caracteriza essas mulheres sobrecarregadas, que quando não suportam mais e cedem à angústia e são chamadas de surtadas!
Se questionarmos essa incidência, diria eu que se deve ao fato de nós não recordarmos de seguir as instruções das comissárias de bordo (“locar a máscara de oxigénio primeiramente em nós mesmas, antes de ajudar os outros”).
Nós mulheres abraçamos todas as obrigações, todas as causas, as responsabilidades e as demandas como se para além de termos que provar a nós próprias as nossa capacidade, mas também ao resto do mundo (as empresas, a sociedade, a família, o conjugue, os amigos, os filhos e a própria sombra).
Temos necessidade de provar o que valemos.
Porque infelizmente enquanto crianças, meninas frágeis e inocentes não sabíamos e ninguém nos disse que o mundo também é nosso por direito! Ninguém disse que a luta seria de igual para igual, ninguém dos falou de equidade e que por meritocracia conquistamos o que quer que seja, e por isso, corremos atrás do tempo, das oportunidades, das referências, do protagonismo, dos títulos e dos cargos, das migalhas e muitas vezes corremos contra outras mulheres para provar não sei oque para não sei quem.
Disseram-nos que o valor do nosso esforço faz parte do nosso DNA, então para além de sermos profissionais, temos que ser bem-sucedidas, temos que cuidar dos filhos e da nossa casa, temos que cuidar da nossa saúde, ler livros, praticar desporto, ter uma alimentação saudável, assegurar que temos as unhas feitas e estarmos sempre bem apresentadas, cabelo hidratado e um sorriso no rosto!
Ninguém nos disse que viver no piloto automático é o que nos afasta da rota e que um check list não deve existir só para controlar tarefas que temos que fazer mas sim para lembrar das atividades que gostamos de fazer e que nos dá prazer recordar o quão bom é viver!
É fato que a Síndrome de Burnout é um misto de fatores pessoais, profissionais e sociais e entre as principais causas o perfecionismo, que nos impulsiona a atingir uma excelência (muitas vezes) impossível, e o idealismo em relação à profissão, ao cargo (no contexto profissional), ou à família, amigos ou aos filhos (no contexto familiar ou social) cobrando a nós próprias um envolvimento e compromisso pessoal além do nosso limite, na base de que “temos que fazer, e fazer bem feito”.
A competitividade, a impaciência, a necessidade de controlar as situações e as pessoas, a dificuldade de tolerar frustrações, incapacidade de delegar tarefas e supervisionar os resultados, trabalhar em equipa são fatores que agravam o quadro e ainda temos os gatilhos como demandas excessivas que ultrapassam a capacidade de realização, baixa autonomia de decisão, falta de apoio das chefias, sentimentos de injustiça, falta de perspetiva de promoção na carreira e conflitos devido a uma liderança ou um ambiente tóxico de trabalho.
O quadro é reconhecido a nível internacional pela OMS – Organização Mundial da Saúde, como uma Doença Ocupacional e por isso requer nos casos mais graves um afastamento para recuperação do equilíbrio e saúde mental. No geral os antidepressivos promovem algum alívio, mas o tratamento deve ser mais completo: é preciso fatores externos sim (medicação, terapia, acompanhamento, envolvimento das empresas) mas acima de tudo, fatores internos que determinam o sucesso ou o fracasso da recuperação como a decisão e o compromisso de abrandar e focar em nós mesmas.
Questiono o que nós super mulheres, exaustas podemos fazer para além de incluir na nossa rotina diária algumas técnicas de relaxamento e respiração, meditação, desporto, alimentação saudável e pelo menos oito horas de sono para resgatarmos o nosso equilíbrio interno e a paz com nós próprias?
Se quando não estamos trabalhando no escritório, viajando ou em reuniões, estamos com os filhos levando-os de um lado para o outro (escola, parque, praia) para ser a mãe exemplar (que acreditamos que precisamos ser) de forma a não deixar a culpa de ser uma profissional que quer crescer consumi-la?
Como superar a tendência de estarmos sempre superativas, de não desligarmos o piloto nem a dormir, de pensar e planear o dia seguinte, entre a agenda de compromissos, as refeições dos filhos, e as compras do super mercado, sempre adiando o café com a amiga, a folga para ti mesma, ou um dia de descanso sem fazer absolutamente nada?
Neste ritmo a fatura sempre chega: quando já não lembramos mais o que gostamos realmente de fazer por prazer e sim por obrigação.
Um esgotamento profissional pode ser a ponta do iceberg, quando no fundo a mulher carrega um nível excessivo de carga mental diariamente.
Esta carga mental reflete ao fato de estarmos constantemente a pensar no trabalho que tem que ser feito tanto em contexto empresarial, como familiar e é sempre um trabalho mental permanente, exaustivo e invisível, e portanto não reconhecido.
Quando assumimos esta carga mental só para nós não quer dizer que nascemos predispostas a arrumar a casa ou assumir sobrecarga no trabalho, ou que os homens ou os outros colegas de trabalho nasceram predispostos a recusarem a responsabilidade desta carga, porque estes comportamentos não têm nada de biológico.
Mas, nascemos em uma sociedade que enquanto crianças os nossos brinquedos são bonecas e aspiradores e os rapazes são bolas de futebol. Nascemos numa sociedade onde crescemos vendo as nossas mães na maior parte das vezes a assumindo a gestão da casa enquanto os nossos pais, apesar de proverem muitas vezes as despesas, só assumem a parte da execução das tarefas, mas não no planeamento das mesmas. Ou em certas realidades monoparentais onde as mulheres não tem outra alternativa que não assumir o planeamento, a execução e a provisão e assim tornam-se super mulheres guerreiras.
Na minha opinião a base do problema está em como definimos o sucesso socialmente e como somos condicionados desde a infância! O problema está em como a ideologia coletiva afeta o individuo e determina a forma como cada um deve ou pode viver sem assumir o controlo da própria vida e das suas próprias escolhas. Pois é fato que, embora as mulheres tenham cada vez mais acesso ao mercado de trabalho, elas continuam sendo as únicas responsáveis pelo lar, e para o coletivo descansar e desligar não é sinonimo de sucesso e sim de preguiça, ineficiência e procrastinação.
Claro que temos sempre a opção de não assumir tudo e não fazer tudo, mas obviamente acaba por paralisar algum lado (decisões), e não queremos correr esse risco. Assim, as mulheres preferem assumir a carga mental nas poucas horas vagas entre trabalho e os lares com o objetivo de conseguir fazer tudo, e daí começamos a colocar em segundo plano o bem-estar e o equilíbrio, esquecendo do fato de que o corpo e a a mente precisam reencontrar o seu próprio centro para recuperar a energia vital, porque sabemos que nada funciona sem combustível!
Assim convido os leitores para uma reflexão: de que forma estamos usado nossos momentos de descanso? Será que temos descansado ou apenas recarregado?
Então, nós super mulheres que recusamos dizer não, também não pedimos nem aceitamos ajuda dos outros porque acreditamos que podemos dar conta de tudo sozinhas até que iniciam as somatizações do nosso corpo contrariando as nossas crenças. Acabamos por ser romantizadas como fortes, lutadoras e guerreiras, quando no final estamos mesmo é sobrecarregadas, exaustas e esgotadas em todos os níveis
Para solucionar um problema, podemos emergir nas suas causas e tentar identificar os gatilhos que os provocam para que possamos atuar no sentido de promover uma mudança no comportamento. Eu acredito e tenho aprendido que a nossa forma de posicionar na vida está relacionada com muitos fatores, e uma delas é a nossa energia predominante.
Normalmente, dizem que uma mulher é “forte” quando ela apresenta uma energia predominante masculina (Yang).
Ou seja, se é racional, áspera, ativa, firme, autoritária, agressiva, controladora, não consegue descansar, tem a sensação que precisa estar sempre produzindo. São mulheres que atingem muitas vezes altos cargos. Assume muitas tarefas para si. No entanto, quando temos um excesso de Yang, nossa energia feminina (Yin) fica em baixa, e pode, inclusive, causar problemas físicos, como cólica ou menstruação irregular, apresentam uma maior dificuldade de ter prazeres pois relaxar não é o seu forte, são mulheres que tenta a todo custo esconder a sua fragilidade feminina.
Mas temos que entender que fragilidade também é uma forma de força, é poder sentir, chorar, cair, pedir ajuda e admitir suas dores, sem anular a nossa capacidade de amar por disso, já que uma mulher com a energia predominante masculina sabe doar o amor, mas raro as que sabem e permite ser amada e cuidada.
Uma mulher pode sim ser mais guerreira, ambiciosa, gostar de trabalhar, ser menos romântica e ainda assim ter o feminino bastante evidente nela. Porque ela reconhece o seu sentir e a sua fragilidade.
Quando nos distanciamos do nosso feminino, anulamos o prazer de ser mulher, consequentemente, começamos a sentir sobrecarregadas, cansadas, vazias, insatisfeitas, autocríticas em excesso, nervosas, impulsivas e reativas.
O 1º passo para aproximar do nosso feminino é olhar para os nossos sentimentos e se permitir senti-los. Olhar para dentro de nós mesmas sem julgamento. A partir do momento que reconhecemos a nossa fragilidade abrimos para a oportunidade de sermos apoiadas e amparadas e daí não receamos pedir ajuda.
Pedir ajuda é um trampolim para aceitar também que merece repousar. Encarar que estar em estado de repouso faz parte da sua jornada, as pausas são necessárias para ajustar as velas, redefinir a nossa direção, selecionar novas batalhas e escolher novas armas!
Somos todos humanos, feitos de carne, osso e coração. E todo mundo sangra! Faço um forte apelo aos leitores deste artigo que humanizem a relação com as mulheres fortes amam ou interagem diariamente. Aquela mulher forte, guerreira, ou aquela amiga que está sempre ajudando os outros, aquela que toma a frente e que parece ter a resposta para tudo? Que tal perguntar se ela está bem ou se precisa de alguma coisa? Quando encontrar uma mulher forte, ofereça a ela um chá, uma cadeira, um repouso e um afeto. Ela provavelmente viveu grandes batalhas para estar hoje onde está: irradiando luz, com faíscas nos olhos e fogo nas veias inspirando outras mulheres.
As mulheres protagonistas das suas vidas sabem que a vida tem amor e tem dor. A vida também é dura e gera caos. Não é de tudo as faltas, mas as vezes os excessos.
O desafio é o equilíbrio desse balançar em cada Mulher que vive a sua história, a sua verdade e a sua realidade!
Seja protagonista e não vítima da sua agenda!