Espiritualidade Corporativa: da Gestão do Capital Humano ao Capital Espiritual

As atualizações estratégicas na gestão empresarial têm apresentado diversos conceitos, teorias e práticas do processo de gestão, envolvendo e explorando com relevância a aplicabilidade da liderança e da multidisciplinaridade da inteligência no processo administrativo. Atualmente, as empresas necessitam de profissionais qualificados em diversos setores, e essa qualificação pode variar desde a já conhecida inteligência racional (QI) à inteligência emocional (QE). 

Nesta linha, convido a refletir sobre um novo e pertinente conceito: o Quociente da Espiritualidade (QS), fundamental para alicerçar a dinâmica relacional nas empresas de forma mais humana.   

Arrisco dizer que a espiritualidade vem crescendo como um tema que desperta interesse no novo contexto de trabalho na procura de harmonização entre as pessoas nas organizações e tem sido um tema também muito abordado entre os empresários e gestores, embora navegue tímido em um mar de pouca clareza.

A espiritualidade abordada neste artigo não se refere à religiosidade, mas essencialmente ao processo de qualidade no relacionamento, envolvendo os diversos níveis de inteligência no trabalho para a conquista e fidelização dos clientes internos primeiramente (os nossos colaboradores).

Este conceito recente na área de gestão organizacional e principalmente na gestão de pessoas dá origem de forma coletiva ao QEC – Quociente Espiritual Coletivo que permeia toda organização, criando um clima proactivo e que procura novos modelos de gestão, decorrentes do relacionamento com responsabilidade individual de cada elemento da organização.

Este quociente remete-nos para valorizar a totalidade do indivíduo nas suas valências profissionais e em elevar os níveis de consciência das pessoas e do grupo numa perspetiva integrada para o equilíbrio entre o qualitativo e o quantitativo. A pertinência de ser trabalhada a consciência, podendo ser inserida no dia-a-dia corporativo como uma dimensão estratégica na medida em que dá mais significado a missão da empresa e ao trabalho das pessoas.

Mas o que é Espiritualidade?

De uma forma rápida podemos observar várias abordagens que derivam de diferentes definições. A Espiritualidade não é mais que a ciência do Espírito. Pode ser entendida como uma “propensão humana para procurar conhecer o seu corpo espiritual, o seu interior”. A procura de um sentido de conexão com a essência da vida dissociada de uma crença religiosa.

Para alguns a espiritualidade traduz-se na relação com uma força exterior, para outros traduz-se na relação com instâncias mais profundas de si mesmo, e outros ainda navegam nessa discussão com distintos olhares. Traduz-se assim numa forma de viver ou de estar.

E as empresas devem levar em conta que trabalham com pessoas que são a materialização do seu espirito, ou o ser que habita e dinamiza esse corpo físico e que está diariamente na vivência organizacional, uma vez que o corpo é indissociável do seu espírito.

Os valores pessoais que cada colaborador acredita e representa são inerentes á natureza humana e à natureza do próprio espírito, abrangendo no seu conjunto a maior parte dos seus atributos, e esses valores mudam sempre para melhor ao longo da experiência humana. Entendemos que são os atributos espirituais sob os conceitos que constituem o caráter da pessoa humana.

O Legado Mecânico das Empresas

A Administração e a Gestão são áreas de conhecimento que nasceram da lógica mecânica, copiando o modelo de funcionamento de uma máquina e transferindo-o para a organização em si. Lógicas de controlo e divisão das tarefas em linhas de produção, onde cada um executaria uma pequena, simples e repetida tarefa, regeram a construção das organizações eficientes por séculos.   

Numa estrutura mecânica, tudo que está fora do previsto atrapalha e gera incertezas. Desta forma a espiritualidade e a subjetividade, e mesmo a criatividade, não tem lugar e são vistos como elementos de risco, que atrapalham a eficiência do sistema.

O mercado moderno aponta modelos que absorvam a criatividade e até mesmo a subjetividade, apelando para uma visão de que regra geral o ser humano deve ser menos normal e mais natural – pois ser normal é seguir as regras sociais, que geralmente são na maior parte das vezes ambíguas e conduz a comportamentos formais, já ser natural é seguir as leis da natureza, que são sempre absolutas, é ter comportamento com palavras sinceras interação de olhar e ênfase na intuição – assim, espiritualidade começa a forçar sua entrada nesta inovação, mas ainda é difícil para as empresas entenderem como criar esse espaço, e o sistema reage a essa hipótese como uma ameaça.

A emergência do Capital Espiritual

Durante as últimas décadas, o conceito – Capital Intelectual – tem vindo a emergir e a ganhar relevância, não só como um impulsionador do desempenho corporativo, mas também da criação de valor e inovação da empresa.

Este capital é de especial importância na diferenciação de uma empresa e consiste em recursos não monetários e não físicos ou seja – um ativo intangível, pode ser subdividido em quatro componentes complementares: Capital Humano, Capital Estrutural, Capital Relacional e Capital Espiritual.

O Capital Espiritual entendemos corresponder todos os fenômenos humanos — visíveis e invisíveis, quantitativos e qualitativos — que impactam os recursos, os processos de produção e gestão, as pessoas individualmente e em grupos, a biografia e os valores de uma organização e as consequências das ações empresariais nos níveis interno e externo.

Este capital foca na totalidade do ser, ou seja, em todos os fatores que influenciam o colaborador enquanto agente responsável pela dinâmica que cria e alimenta diariamente na empresa enquanto profissional com os seus pares e com as chefias.

Considerando que, o caminho espiritual que todos traçamos diariamente para crescermos e desenvolvermos como seres humanos que somos, implica os valores que representamos, as causas que seguimos, as ações que tomamos, os traços que revelamos, as palavras que proferimos, as motivações que carregamos, os medos que enfrentamos, os sonhos que perseguimos… e as empresas para as quais trabalhamos, faz todo sentido equacionar sobre uma gestão estratégica deste capital.

As características e virtudes da espiritualidade, quanto mais desenvolvidas ou praticadas de forma consciente, através de palavras, exemplos, comportamentos e atitudes, promovem nos outros sentimentos mais humanos como empatia, generosidade, solidariedade, amorosidade e também impacta no ambiente organizacional por consequência.

Estes fatores nunca foram pertinentes no contexto corporativo, mas o cenário tende a mudar e o Capital Espiritual torna-se especialmente relevante dado o momento volátil, incerto, e complexo que vivemos atualmente.

As empresas têm visto a sua realidade desafiada em dois sentidos: por um lado, começam a dar-se conta que a performance tem emoções, sentimentos, pensamentos e aspirações e, por outro lado, que os custos financeiros têm um significado, metas e valor transcendente. 

Definir uma forma de gerir neste contexto não requer um sistema fixo e nem um manual pronto para isso, requer sim equipas com uma outra orientação e direcionamento baseado no exemplo dado pelas lideranças, na forma de orientar e apoiar o crescimento das pessoas, nas decisões e orientações na realização e conquista dos seus potenciais individuais e coletivos.

A visão tem que partir do alto da pirâmide organizacional e fortalecer os alicerces nas bases envolvidas, através da orientação por resultados, pautados em benefícios observáveis para que se possa obter uma boa aceitação de todos.

Nesta ótica, os gestores e/ou lideres “espiritualizados” tendem a procurar o bem comum de todos (dos colaboradores e da empresa) o que torna a empresa diferenciada, competitiva e motivada por respeitar seu publico interno e externo.

São inúmeros os benefícios internos e externos consequentes da sua implementação, o que fortalece a empresa por torná-la ética e consciente. Um pilar importante dessas ações é o desenvolvimento da consciência de três níveis de relações:

  • eu comigo (como penso, o que sinto e como são minhas atitudes);
  • eu com o outro (como cuido da qualidade das minhas relações);
  • e eu com o todo (como me percebo como responsável pelos impactos que gero nos diversos contextos em que estou inserido).

Abraçar a espiritualidade na empresa deve ser um caminho de aceitação das várias perspetivas de como cada um se relaciona com o metafísico e o energético.

O que antes era visto como um tema apenas no contexto religioso e nada relacionado às empresas, hoje já se entende que faz parte da estratégia organizacional, pois fortalece a gestão e prepara as empresas para uma postura de “abertura à aprendizagem”, e às constantes e profundas mudanças do mercado, mediante as adversidades e as diferenças entre as pessoas, assim como sempre visa o benefício de todos os envolvidos no processo organizacional.

Vale a Pena?

Podemos nos perguntar se faz sentido para as empresas preocuparem-se com a espiritualidade e ter o trabalho de mergulhar nesta discussão.

Esta discussão aparece no momento em que colaboradores, clientes e o mercado ao redor começam a pedir novos desafios.

É preciso reconhecer o movimento e transformar-se na medida em que as pessoas procuram na sua essência, alcançar um objetivo maior, pois conforto, salário e segurança não são garantia para a felicidade plena.

A espiritualidade está ligada às fontes vitais de inspiração e esperança, que gera sentido integral e é capaz de transcender o ser humano.

Assim sendo, o colaborador acaba ficando exposto pela ausência de sentido nas atividades que desenvolve e ao sofrimento, pois trabalha sem realização.

Diante destas situações, os gestores são desafiados a garantir que a realidade das suas equipas, no ambiente laboral, inclua a humanidade em sua integralidade uma vez que “o trabalho está no centro do processo de humanização do homem”, ou seja, quando o colaborador está motivado e encontra significado e sentido no que produz, demonstrando afetividade, ele faz por estar em condições gratificantes de trabalho.

O ser humano precisa unir e equilibrar o trabalho, a vida pessoal e a espiritualidade para sua formação, para que assim o seu desenvolvimento tenha equilíbrio.

Defendo que, a gestão do capital espiritual torna-se a estratégia mais criativa, a de mais longo alcance e o maior e mais nobre desafio para as lideranças de nosso tempo, já que a dimensão espiritual não pode jamais separar-se do trabalho. Pode ser ignorada, mas nunca removida.

A próxima década será muito desafiante devido à crise global a nível social, económico e ambiental que estamos a testemunhar, mas também porque as nossas sociedades se estão a voltar cada vez mais para a valorização do ser humano, como consequência das novas tecnologias que temos ao nosso dispor, do alerta-vermelho ambiental e do episódio da pandemia.

Agora, temos que aprender sobre a verdadeira natureza das pessoas e das empresas para promover uma vantagem baseada num crescimento coletivo sustentado.

Assim, passamos a perceber, o Capital Espiritual como um recurso transformacional e  «as organizações ricas em Capital Espiritual não são apenas sustentáveis, são evolucionárias».