O (R)responsável de Recursos Humanos

Do back to basics a Diretor Geral

Antecipo a minha discordância quanto à utilização excessiva de inglesismos em processos normais de comunicação e, em particular, quando as temáticas são negócios ou empresas. Considero mesmo, que o acentuar dessa tendência, ocorre por uma qualquer necessidade de afirmar modernidade ou autoridade intelectual, mensuráveis em número de likes pesquisados por algum algoritmo viral. A amplitude e a elasticidade da língua portuguesa, por um lado e o orgulho pela lusofonia, por outro, deviam ser suficientes para dar resposta a todas as necessidades vocabulares.

Confuso, então, com o subtítulo?

Exatamente. Não havia necessidade!

Alertado o leitor para esta declaração prévia de interesses em jeito de provocação, pretendo, com este texto, partilhar de forma abreviada a minha visão da função Recursos Humanos, socorrendo-me, quer das bases da sua pertinência, quer da consistência do seu papel prospetivo nas organizações.

Em termos concetuais, atrevo-me a afirmar que, das funções tradicionais de direção de empresas (Recursos Humanos, Financeira, Operações, Comercial, Logística, etc.), a função RH é a que tem um mais longo caminho evolutivo a percorrer na complexa estrutura orgânica das empresas.

Ainda hoje, a amplitude da função Recursos Humanos pode ir da simples Secção de Pessoal (processamento de salários e pouco mais), à Direção do Capital Humano (com papel estratégico e antecipativo na organização). O estádio de desenvolvimento da função é tal, que coexistem situações de empresas que ainda não possuem uma verdadeira área/departamento/direção de RH, com outras que já não têm essa função, por assumirem que ela é papel de todos e cada um dos dirigentes.

Creio mesmo que, em demasiados casos, há hesitações na designação da função do profissional responsável pelos Recursos Humanos. Por exemplo, se a palavra “responsável” não significa profissão, categoria ou função, por que razão é tão frequentemente assim designado nas organizações, o interlocutor para a área de RH?

Salvo melhor entendimento, a transformação de um adjetivo em substantivo, não dá resposta à questão, para além de passar a ideia de que, na prática, aquele não é, efetivamente, o profissional responsável pelos RH (será o Diretor Geral ou o Diretor Financeiro(?)).

Como o que parece é, o assunto vai muito para além da semântica.

Na verdade, antes de matérias-primas, produtos ou serviços, as empresas são constituídas por pessoas, que interagem com pessoas. A complexidade desse relacionamento humano intra e interorganizacional, exige a rejeição de soluções de formatação universal, próprias de modelos de organização social do trabalho do início do século XX.

Aqui chegados, convicto que o senhor de La Palice, não diria de forma distinta, é absolutamente óbvia a necessidade de as empresas terem a sua Direção de Recursos Humanos, provida de aptidões adequadas para miscigenar colaboradores e negócio. Esta asserção, não significando a reinvenção da roda, constitui-se como uma balsa no mar turbulento que é o ambiente organizacional nos tempos correntes.

O Diretor de Recursos Humanos

As competências, o conteúdo funcional e o posicionamento relativo do Diretor de Recursos Humanos, serão sempre o reflexo da organização e da visão do seu Diretor Geral. “Diz-me que Diretor e que Direção de Recursos Humanos tens e dir-te-ei quem és!”.

Tal como no automobilismo, piloto e copiloto se complementam, confiam entre si mútua e incondicionalmente e, no limite, assumem os mesmos riscos por qualquer lapso de navegação ou manobra de condução, também DRH e DG formam uma equipa à prova de bala (um veículo, uma equipa, uma rota, uma via de sentido único).

O Diretor Recursos Humanos não é mais aquela figura neutral, de preferência bem-mandada, que contrata a pedido, despede por decisão alheia e incrementa (ou não) salários por dever. Não! Esse é o responsável de RH, cujo “r” ou “R” depende do humor alheio.

O Diretor Recursos Humanos é um profissional eclético, líder por excelência, profundo conhecedor do negócio, do ambiente da sua organização e do contexto externo em que esta se insere. Partilha e dá corpo à visão, missão, estratégia e objetivos. É o principal obreiro na consolidação da marca de empregador, sendo o guardião supremo e principal disseminador da cultura e valores da organização (ética, diversidade, igualdade, segurança, saúde, paridade, antiassédio, anticorrupção).

É “dono” de processos específicos de RH, como sejam: atração, retenção, compensação, desenvolvimento, avaliação, carreiras, comunicação interna. É o filtro principal relativamente às pessoas, pois, não impondo ninguém a alguém, tem a última palavra nas admissões e nas demissões.

O Diretor de Recursos Humanos é, demasiadas vezes, o elefante na sala. É indispensável afastar estigmas e dar-lhe o espaço necessário à sua movimentação, a bem da própria empresa.

De Diretor de Recursos Humanos a Diretor Geral

Recuando no tempo e analisando a proveniência profissional dos Diretores Gerais, constatamos que, grosso modo, as suas origens estavam/estão, sequencialmente, na produção, na comercial e mais recentemente na financeira.

Obviamente, encontraremos razões para assim ter sido, ou para assim ser, que se prendem fundamentalmente com o papel das empresas na sociedade em cada momento e, numa perspetiva interna, com a preponderância de cada uma das áreas nas próprias empresas. Não pretendo focar-me nessa questão. O que, sim, trago à colação, é a pertinência dos Recursos Humanos gerarem os Diretores Gerais (do presente e) do futuro. Acredito que virará tendência.

Este tema, tradicionalmente, gera interessantes controvérsias, sendo que o lóbi financeiro tem saído a ganhar, nem sempre porque os profissionais da área tenham sido os mais adequados para a função, mas porque uma certa financeirização das empresas tem acabado por facilitar os processos.

Os DRHs de hoje, não só, estão aptos para assumir o comando das organizações, como, em muitíssimos casos, serão os mais bem preparados para enfrentar os reptos disruptivos que se colocam às empresas e à sociedade em geral. Esperança média de vida de 100 anos já não é ficção, três gerações na mesma família simultaneamente no trabalho ativo, é uma realidade e o teletrabalho que veio para ficar, são apenas alguns exemplos.

As aprendizagens na gestão de pessoas em tempos de profundas transformações sociológicas, são garantes indeléveis do sucesso destes profissionais na liderança das empresas.

Por outro lado, se a linguagem do negócio se faz com pessoas, então o alfabeto são sentimentos e o dialeto são emoções. Motivação, compensação, satisfação, realização, felicidade, sentido de pertença, são apenas alguns dos sentimentos e emoções vividos por todos nós em relação ao grupo que integramos (seja a empresa, a família ou os escoteiros).

No que às empresas se refere, quem melhor do que o anterior responsável dos Recursos Humanos para ser o timoneiro nesse emaranhado de emoções e sentimentos?

Importa, no entanto, ter presente que a mesma água não passa duas vezes debaixo da ponte. Os profissionais de RH devem estar preparados para esta tendência, para que, quando a oportunidade surgir, a possam agarrar sem hesitações. Será sempre preferível estar preparado e a oportunidade não surgir, do que a oportunidade aparecer e o profissional não estar à altura do momento.