Gestão do Stress em Incidentes Críticos nos Locais de Trabalho.

O Impacto da Intervenção Psicossocial em Crise e Catástrofe nas Organizações.

A promoção de locais de trabalho saudáveis, incluindo a promoção da saúde, bem-estar e qualidade de vida, através da identificação e prevenção e/ou intervenção nos riscos ocupacionais (em particular, no que se refere aos riscos psicossociais), deve constituir um dos principais focos do trabalho a desenvolver pelas organizações, independentemente da sua dimensão e área de atividade.

No entanto, em qualquer local de trabalho podem, a qualquer momento, ocorrer incidentes críticos, situações que, por definição, envolvem a exposição de uma ou mais pessoas a situações com potencial traumático. Este tipo de situações, que ocorrem de forma súbita e inesperada (apesar de teoricamente provável), geram reações emocionais intensas que interferem na capacidade de desempenho e podem colocar, direta ou indiretamente, a pessoa em risco (físico, emocional ou, mesmo, em termos de futuro profissional). Pelas suas caraterísticas (não dependem do controlo individual) podem originar consequências a prazo (para a pessoa, para um ou mais grupos dentro e fora da organização e, também, para a organização no seu todo), em função da forma como pessoas e organização lidam com esses mesmos eventos críticos.

Exemplos de incidentes críticos no contexto das organizações são os que se referem à estrutura física da organização (um incêndio, uma explosão, um desmoronamento, por exemplo), os que envolvem diretamente os trabalhadores e que podem estar, ou não, relacionados com a organização (uma lesão, uma situação de violência ou assédio, o diagnóstico de um problema de saúde grave a um trabalhador ou familiar, um suicídio, entre outros) e, ainda, os que se situam no interface entre as pessoas e a organização (a título de exemplo, insegurança laboral, dificuldade de conciliação entre o trabalho e a família ou, de forma mais extremada, ainda que real, o fecho da organização e/ou um despedimento coletivo).  

Neste contexto, a infeção pelo SARS-COV-2 e a COVID-19 constituem, ainda a esta data, outro bom exemplo de situações que, mesmo que possam ocorrer de forma súbita (e até fora da organização), influenciam diretamente processos e resultados da organização.

Que alterações devem as organizações fazer face ao seu planeamento e estratégia devido à ocorrência de um incidente crítico? Como gerem as organizações as necessidades dos trabalhadores que resultam dos incidentes críticos? Qual o impacto dessas necessidades no processo e nos resultados do trabalho? Como lidam os trabalhadores com as modificações decorrentes da ocorrência de incidentes críticos? Como é que estas modificações podem impactar na saúde, bem-estar e qualidade de vida no local de trabalho?

Em muitos destes incidentes críticos, os riscos subjacentes são alvo de análise e resolução e/ou prevenção futura. No entanto, nem sempre é dado o devido valor às repercussões que podem ter sobre as pessoas e, em consequência, sobre as organizações.

A ciência psicológica mostra-nos que a exposição (voluntária ou involuntária) a um incidente crítico apresenta impacto significativo no funcionamento psicológico, a nível individual e do/s grupo/s, com consequente impacto na organização. E, se é um facto que a maior parte das pessoas acaba por se adaptar, também é consensual que um número significativo de pessoas demonstra dificuldades de adaptação que, em muitas circunstâncias, se mantêm no tempo e que contribuem para o desenvolvimento de problemas de saúde psicológica com impacto no trabalho (em particular, os relacionados com a ansiedade, humor, stress traumático, uso de substâncias e/ou burnout ou fadiga por compaixão).

A prevenção e gestão, adequada e atempada, de incidentes críticos em contexto organizacional é, assim, emergente e deve visar o apoio psicossocial no imediato e de curto prazo, dirigido à estabilização emocional, ao desenvolvimento de recursos internos e à recuperação do nível de funcionamento de forma a prevenir, a médio e longo prazo, situações de stress agudo, stress traumático e outros problemas de saúde psicológica, com todos os custos que estes problemas representam para as organizações.

Apesar de, ao longo dos anos, a ocorrência de incidentes críticos ter vindo a ser, maioritariamente, alvo de intervenção no âmbito da saúde, mais recentemente temos observado, e bem, o alargamento deste tipo de intervenções a outros contextos, nomeadamente o contexto escolar e, mesmo, o contexto organizacional. Dois excelentes exemplos no nosso país, em âmbitos diferentes, envolvem o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela NAV Portugal, com o Programa de Gestão do Stress em Incidentes Críticos através dos Pares, e o trabalho desenvolvido pela ANEPC, com as Equipas de Apoio Psicossocial.

Uma organização adequadamente preparada para a eventual ocorrência de incidentes críticos é uma organização mais forte.

No contexto atual, ainda em plena pandemia embora com um modo de vida diferente, as consequências sociais e económicas que já são observáveis, a par do enquadramento socioeconómico prévio e das consequências, aos mais diversos níveis que são, também já, expectáveis o planeamento e implementação sistemáticos deste tipo de estratégias no contexto das organizações será uma oportunidade para apoiar um futuro, que está já a acontecer, e que se sabe que será desafiante.

Como podem então as organizações beneficiar dos programas de intervenção psicossocial em crise e em catástrofe?

Com a integração, nos planos anuais, de programas de formação e atualização na área da intervenção psicossocial em crise e/ou catástrofe, de forma que, caso venha a ocorrer um incidente crítico, a organização possa estar internamente mais bem preparada para prestar apoio psicossocial aos trabalhadores/colegas que tiverem sido expostos a esse incidente crítico.

Com a inclusão, nos planos e programas de Saúde Ocupacional, de programas de intervenção psicossocial em crise e em catástrofe baseados em evidências, pré-preparando procedimentos e recursos logísticos e humanos a ativar em caso de necessidade.

Com o planeamento, desenvolvimento e avaliação da eficiência de ações de sensibilização e psicoeducação, com vista à preparação dos trabalhadores e da estrutura organizacional para a identificação e gestão dos incidentes críticos e das suas consequências.

Através da identificação dos trabalhadores em risco de desenvolvimento de problemas de saúde psicológica e facilitação do respetivo encaminhamento ou referenciação (livre e informado) para as estruturas mais adequadas.

Com o apoio, durante a sua ausência do trabalho, no processo de retorno e/ou reintegração, aos trabalhadores que, individualmente ou em grupo, tenham sido expostos a incidentes críticos.

Através da articulação, quando necessária, com as estruturas na comunidade.

Acima de tudo, com uma comunicação adequada (sempre relevante, contudo, ainda mais relevante neste tipo de circunstâncias), consistente, clara, empática, e que contribua de forma decisiva para a gestão do stress, para a promoção do sentimento de pertença, motivação para um objetivo comum e promoção do autocuidado.

A implementação de estratégias e/ou programas de intervenção psicossocial em situação de crise ou catástrofe, desde as mais simples às mais complexas, dirigidas a uma pessoa individualmente ou a grupos específicos, assume, deste modo, a maior importância.

Os estudos científicos realizados neste âmbito têm demonstrado que, a médio e longo prazo, a intervenção psicossocial em crise facilita a adaptação e recuperação psicológicas, promovendo uma maior perceção de controlo, apoio, segurança, fortalecendo as relações interpessoais e aumentando a esperança na capacidade individual para lidar com situações desafiantes.

Seguramente com mais valias para o desempenho na e da organização, contribuindo também para a promoção do sentimento de pertença e coesão.

Nas organizações, a prevenção e gestão do stress em incidentes críticos é um investimento de capital!

Apoio: Lara Pico, Parceira de Conteúdo da comunicaRH.