9 horas de distância – Teletrabalho

“De Bragança a Lisboa são 9 horas de distância”, já cantavam os Xutos & Pontapés, numa das suas célebres músicas “Para ti Maria”. Embora, actualmente, a distância em km já não se traduza em 9 horas, o certo é que a “distância” económica, social e cultural entre regiões, entre o litoral e interior de Portugal ainda é bem grande e notória.

No recrutamento de recursos humanos o cenário não é diferente. Este desfasamento entre litoral e interior é sentido tanto pela quantidade de oferta, como de procura. Tanto pelo maior número de empresas e oportunidades no litoral, como pelo maior número de pessoas à procura. Consequentemente, no litoral existe uma maior facilidade nestas operações, pois as densidades (de pessoas, de instituições, empresas) são, igualmente, maiores. Em contrapartida, temos um interior cada vez mais desertificado e envelhecido, onde predominam os fenómenos de esvaziamento.

Quer isto, então, dizer que quem trabalha na área de RH no interior do País tem a tarefa dificultada? Tendo por base a minha experiência na área de Tecnologias de Informação, neste mesmo interior, considero o sim como a resposta. No entanto, como em tudo, não haverá regra sem excepção.

Neste setor de TI, e não só, é visível a discrepância entre a quantidade daqueles que migram do interior para o litoral versus aqueles que por aqui ficam ou que fazem trajectória inversa.

Os primeiros, na sua maioria jovens recém-licenciados, procuram oportunidades profissionais que se possam traduzir num acréscimo dos benefícios pessoais e profissionais e que, aparentemente, “só” o litoral oferece. Os segundos, protagonistas do êxodo urbano, acabam por ser estes mesmos primeiros, que, após alguns anos de trabalho, resolvem regressar às origens ou aqueles que decidem vir à procura de uma maior qualidade de vida e/ ou mais tempo para a família, critérios nem sempre fáceis de mensurar.

O número daqueles que abandonam os grandes centros urbanos do litoral é, em comparação, bem menor face aos que “pendem para o mesmo lado”, o que torna a procura de recursos complexa. A dificuldade é ainda maior quando a necessidade se prende no recrutamento de recursos com experiência profissional para o interior ou territórios de baixa densidade demográfica e empresarial. Não é uma tarefa fácil. Os interessados numa oferta deste tipo são escassos, comprometendo o sucesso no preenchimento da vaga.

Teletrabalho: a solução e/ou o problema?

No entanto, algo que esta pandemia veio acentuar foi o teletrabalho, a possibilidade de trabalhar remotamente a partir de casa para qualquer lugar. Uma modalidade de trabalho que a muitos foi imposta e que veio modificar a realidade de muitas empresas portuguesas.

Por outro lado, esta nova realidade laboral veio também colmatar a dificuldade no recrutamento de recursos para empresas do interior, perante a prescindibilidade de deslocação física do recurso. A localização deixa, deste modo, de ser limitativa ou o factor de escolha. O teletrabalho torna-se, nesta perspetiva, numa circunstância facilitadora, tanto para quem procura, como para quem oferece. Torna-se, assim, numa solução.

Contudo, vale a pena relembrar que esta solução de teletrabalho não é ainda perspetivada, de forma generalizada, como uma solução permanente ou a 100% para a maioria das empresas. Embora actualmente mitigue esta dificuldade no recrutamento, num futuro, num regresso à “normalidade”, nem todas adoptarão este método. E esta migração dos recursos para o interior tenderá a ser dificultada. Voltaremos, assim, “à estaca zero”? Voltaremos a ter dificuldade nesta procura de recursos? E o problema da desertificação do interior continuará a fazer-se sentir?

Conseguirá, então, o teletrabalho mitigar estas diferenças territoriais e a consequente dificuldade de recrutamento?

Embora o mesmo não constitua uma fórmula mágica, que transfira, geograficamente, os recursos do litoral para o interior, irá, pelo menos, contribuir para que muitos o possam fazer virtualmente e para que outros tantos permaneçam nestes territórios de menor densidade, sem necessidade de migrarem. Por outro lado, dará à empresa a possibilidade de recrutar qualquer recurso, a partir de qualquer ponto do País.

Será então fundamental e necessário que as empresas repensem e apostem a curto prazo no teletrabalho, como algo definitivo e que, se possível, possa ser opcional para o colaborador, dando-lhe essa liberdade de escolha. Ganhará a empresa, com colaboradores felizes, satisfeitos e realizados, nos seus contextos de vida, e ganhará o colaborador, que tem a possibilidade de se adaptar conforme as suas necessidades. Como extra, caberá ainda às empresas criar estratégias adequadas para reter os colaboradores, através de incentivos diferenciadores, como por exemplo: flexibilidade no horário de trabalho, benefícios flexíveis adequados às necessidades da população alvo da empresa, acções de formação, entre outros.

Temos ouvido dizer que vivemos tempos em que temos de nos reinventar. Aqui está a oportunidade.