RH e IA: (r)existir, um desejo miríade
“Os vulcões arrojam pedras, as revoluções, homens.”
O trecho transcrito, extraído da rica literatura francesa de Vitor Hugo, aponta profeticamente para muito do vivido ao longo da relação humana com a amplitude do universo do trabalho, suas mudanças e transformações.
Pouco provável que tenha-se vivido um ambiente de mutação laboral com tamanha ansiedade como o momento presente em que tudo que ocorre, bem como suas ameaças e potencialidades, sejam especuladas em tempo real, tal qual o tema do trabalho e Inteligência Artificial (IA).
Desde que o implacável Garry Kasparov aceitou a revanche proposta pela IBM e seu Deep Blue, realizada em 1997, o mundo entendeu que o “tabuleiro de xadrez organizacional” se reconfiguraria de modo muito rápido a partir do salto do primeiro encontro em fevereiro de 1996 na Filadélfia onde incríveis 100 milhões de jogadas por segundo, evoluiu para inacreditáveis 250 milhões de jogadas no segundo encontro entre homem e máquina. A fronteira ultrapassada neste evento, apontava para um caminho sistêmico de busca em superação do elemento orgânico mais complexo do qual ainda hoje se tem notícias em nosso planeta, o cérebro humano.
Iria além, ao afirmar que a capacidade de lidar com informações complexas e desestruturadas que este profundo vale ainda não decodificado completamente pela ciência que aloca-se dentro da calota craniana é capaz de processar criando novos padrões e significados, capazes de emocionar e dar sentido a um mundo cada vez mais acelerado, é alvo da expansão tecnológica ligada a IA em nossos tempos.
A popularização e acesso escalonar provocado pela chegada da IA generativa, entregando para pessoas com baixo letramento tecnológico a capacidade de interação com a máquina de modo simples e acessível, demonstrou uma nova onda de previsões quanto ao desaparecimento de profissões seculares, tidas como alvos sensíveis à perda de relevância frente ao suporte oferecido por aplicativos gratuitos ou de baixo custo.
O que há de verdade e o que há de idealição futurista nestas previsões, só o tempo nos apresentará.
A realidade é que em tempos atuais mais uma vez a área de Recursos Humanos encontra-se diante de uma nova janela de oportunidade quanto a uma atuação de alto impacto e agregação de valor para empresas, profissionais, o mercado e a função trabalho em um futuro que se avizinha.
A preparação de ambientes laborais acessíveis a todos os profissionais que permitam a interação cérebro-máquina de modo fluído, ou, a preparação e letramento dos times da organização a qual estão vinculados, ou ainda, a colaboração com o qualificação e requalificação de trabalhadores que podem ser, direta ou indiretamente, afetados pela revolução em curso, são exemplos claros de oportunidades de atuação para os membros integrantes desta fundamental área dentro das organizações. Entretanto, somente conseguirá manter-se essencial, e, portanto, relevante se compreender em perspectiva o que ocorre no ambiente de negócios em torno dos novos capítulos tecnológicos que revestem velhas formas de se trabalhar até então experenciadas na prática.
Ao buscarmos fazer um zoom out apenas no conteúdo de estudos sobre futuro do trabalho, há campo amplo para o entendimento aprofundado do profissional em busca de espaço para a sua atuação. Temas como a subordinação algorítmica em relação direta de trabalho, as temáticas de automação e produtividade, bem como a aceleração de etapas de processos seletivos, com a manutenção adequada dos vieses algorítmicos são alguns exemplos de elementos aguardando por profissionais de RH dispostos a dedicarem tempo para aprendizado.
Como já mencionado, as oportunidades de requalificação de equipes nas mais diversas áreas das empresas trazem uma imensidão de alternativas e em minha opinião aqui há o maior espaço para que profissionais tenham seu espaço de protagonismo.
A atividade de curadoria de conteúdos, treinamentos, formações e sensibilizações quanto a necessidade de desenvolvimento para que relevância dos trabalhadores no cenário atual siga sendo o centro da relação de trabalho é algo que demanda atenção e poderá promover alto impacto nas próximas páginas da história laboral.
O enfrentamento desta nova realidade me parece premente, por esta razão cabe às lideranças da área a demonstração da necessidade de investimento em educação no sentido de elevar a expansão de interação do capital humano com estas novas formas de agregar valor com a atividade profissional.
No entanto, até aqui houve a reflexão de muitas ações que estão mirando o espelho retrovisor desta conversa. Há um universo incrível para a interação de tecnologias generativas e o aprendizado de máquina que apontam para um profissional de RH capaz de fazer programações de soluções customizáveis à necessidade da companhia.
Estamos entrando na era em que os times da área de RH poderão promover aplicações sofisticadas, sob o formato de soluções em Python para a mensuração de dados complexos desestruturados colaborando com o oferecimento de soluções baseadas em data lakes, extraídos de grande concentrações de dados sobre os times.
Bem, em minha visão o ambiente que estamos vivendo apresenta um aproveitamento amplo dos skills provocados pela pandemia dentro do ecossistema de RH (curadoria, assíncronissidade, reambientação do trabalho, revisão cultural e amplitude da conexão com as pessoas), com o adendo de que não haverá uma crise sanitária a ser gerenciada no paralelo.
Talvez dentro do ambiente de trabalho, seja a última chamada aos profissionais para que repensem o seu papel e sua atividade dentro das estruturas possíveis existentes dentro do mercado de trabalho.
Lembrando que estamos vivendo uma revolução, daquelas que arrojam pessoas, ou seja, movimentar-se não será uma escolha.
Nota: 1.Vitor Hugo, Os trabalhadores do mar. Perseverança: Rio de Janeiro, 1866