Liderança e burnout: o trabalho mata?
O trabalho tem um papel central nas nossas vidas. Durante a vida trabalhamos em média mais de 80 mil horas. O trabalho pode ser uma fonte de realização pessoal e integrar-se num propósito de vida, mas também pode ser a causa de doenças físicas e consumir os nossos recursos psicológicos. O burnout é hoje um dos mais graves problemas psicossociais ligados ao ambiente de trabalho, pelas consequências que tem para a saúde mental, para o desempenho das organizações e para a sociedade. Inicialmente considerada uma síndrome característica das profissões de ajuda, sabe-se que ocorre em todas as áreas de actividade e a todos os níveis, com consequências que podem levar a crises existenciais e, em casos severos, ao suicídio.
Não é um fenómeno novo. Surgiu em muitos contextos de guerra e de crise económica, mas é um sintoma característico do nosso tempo. O aumento da competição, a intensidade do ritmo de trabalho, expectativas irrealistas, estilos de liderança desumanos e o uso de tecnologias que apagam as fronteiras entre o trabalho e a vida pessoal, podem fazer da experiência de trabalho uma fonte de sofrimento psicológico.
Ouvimos algumas pessoas dizer que “se matam a trabalhar”. Esta expressão pode ser um mantra para os que querem vencer na vida pelo trabalho, mas também pode ser uma expressão literalmente verdadeira para aqueles que vivem o trabalho como uma luta diária que os mergulha na depressão. O trabalho pode matar?
Não é fácil apresentar estatísticas sobre o burnout porque não existe uma definição consensual. O burnout tem sido muitas vezes interpretado como um quadro depressivo e noutros casos como uma manifestação de stresse. Só este ano a Organização Mundial de Saúde oficializou uma definição do conceito, permitindo a partir de agora a interpretação mais rigorosa das estatísticas. Contudo, os dados disponíveis dão um quadro da gravidade do problema. Um estudo da Gallup em mais de 12 mil norte-americanos, (Employee Burnout: Causes and Cure, 2019), mostra que 28% dos inquiridos estavam em burnout no trabalho, “sempre” ou com “muita frequência”, e 48% “algumas vezes”. Só 4% declaravam não ter sofrido sintomas. Outro estudo publicado por Goth, Pfeffer e Zenios, na revista Management Science (The relationship between stressors, and mortality and health costs in the United States), analisou uma extensa amostra de dados publicados e concluiu que o stresse nos locais de trabalho contribuía para 120.000 mortes por ano e para 5% a 8% dos custos anuais de saúde. Este nível de mortalidade é superior aos óbitos por diabetes ou por doença de Alzheimer.
O burnout e os problemas de stresse profissional são o segundo problema de saúde mental mais reportado na Europa. Segundo dados da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Trabalho, afecta mais de 40 milhões de trabalhadores em toda a UE e é responsável por 40% a 60% do absentismo laboral. Contudo, estes valores devem ser interpretados com cuidado uma vez que a incidência do burnout varia com o tipo de diagnóstico utilizado. Segundo os dados recolhidos pelo Eurofundo, em 2018 (Burnout in the workplace: A review of data and policy responses in the EU), as estatísticas baseadas na aplicação de inventários indicam, por exemplo, que na Áustria 8% da população entre os 20 e os 67 anos sofre de burnout com fortes sinais de depressão. Na Chéquia, 20% dos trabalhadores na mesma faixa etária sofrem de sintomas específicos de burnout. Estes valores são de 11% na Alemanha, quase 16% no Luxemburgo e 13% na Suécia.
As estatísticas baseadas em diagnósticos médicos indicam, no entanto, valores de incidência inferiores a 5%. O facto de esta percentagem ser mais baixa tem uma explicação: muitas pessoas afectadas por burnout têm também sintomas de ansiedade e de depressão, o que faz com que muitos casos sejam diagnosticados como patologias depressivas ou de ansiedade. Um estudo realizado na Alemanha mostra, por exemplo, que 59% dos casos de burnout apresentavam também problemas de ansiedade e 58% sintomas depressivos.
Em Portugal, uma equipa liderada por Miguel Cunha (Evaluation Report of Psychosocial Risk Profile 2008-2013:People Management and Healthy Organisations), recolheu dados numa amostra de mais de 38 mil profissionais dos sectores da educação, da saúde, da distribuição e dos serviços, e concluiu que entre 2008 e 2013 a percentagem de profissionais afectados por burnout subiu de 8% para 15%. Dados mais recentes, publicados pelo Barómetro COVID-19, da Escola Nacional de Saúde Pública, mostram que em 2020, em plena pandemia, quase 75% dos profissionais de saúde apresentavam níveis médios ou elevados de burnout.
Um estudo realizado em Portugal, pela Ordem dos Psicólogos (Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho em Portugal, 2020), revela as consequências do burnout na produtividade das empresas. Estima-se que um trabalhador falte em média 6,2 dias por ano, por razões de saúde psicológica, nas quais se inclui as manifestações de stresse, ansiedade e depressão associadas ao burnout, e que a permanência no trabalho em condições físicas ou psicológicas que afectam a sua produtividade (presentismo) é superior a 12 dias por ano. Segundo o mesmo estudo, esta quebra de produtividade representa 0.9% do volume de negócio das empresas. Isto significa, no conjunto do país, 3,2 mil milhões de euros anuais. Mais de três vezes o custo da ponte Vasco da Gama!
O que é o burnout?
Do ponto de vista histórico, parece ter sido o escritor britânico Graham Green o primeiro a divulgar o termo burnout no título da novela “A Burnt-Out Case”, onde descreve a história de um arquitecto que perdeu o interesse pela profissão e o prazer de viver. O conceito foi introduzido na área da psicologia pelo psicanalista norte-americano de origem alemã, Herbert Freudenberger, a propósito de um estudo que realizou sobre o estado de exaustão e frustração de um grupo de trabalhadores voluntários que prestava apoio social numa instituição psiquiátrica. Como resultado da sua actividade, estes colaboradores estavam a sentir um crescente cansaço e desmotivação, com manifestações de agressividade para com os utentes.
Maslach e Jackson, professoras nas universidades da Califórnia e Nova Jersey, difundiram o conceito de burnout na literatura científica, operacionalizaram a definição e criaram a primeira escala de avaliação (Maslach Burnout Inventory – MBI). Definiram o burnout como uma síndrome psicológica, isto é, como um quadro sintomático especifico caracterizado pelo esgotamento emocional, pela despersonalização e pelo sentido de ineficácia profissional, que surge sobretudo nas profissões muito exigentes no apoio aos outros.
A última revisão da Classificação Internacional de Doenças (ICD-11), publicada pela Organização Mundial de Saúde, em Janeiro de 2022, inclui pela primeira vez o burnout como uma síndrome específica, no grupo das doenças relacionadas com o trabalho (QD85). Segundo a OMS, o burnout resulta de uma situação de stresse continuado no trabalho, que não foi bem gerida. A doença caracteriza-se por sentimentos de esgotamento da energia ou exaustão, distanciamento mental do trabalho, sentimentos de negativismo ou cinismo em relação à função, sentido de ineficácia e incapacidade de concretização. A American Psychological Association também define o burnout como uma perturbação “caracterizada pela exaustão emocional e por atitudes e sentimentos negativos em relação ao trabalho e aos colegas de trabalho”. Deve-se, contudo, a Thomas Dwyer uma das definições desta perturbação que melhor capta a essência dos mecanismos psicológicos que lhe estão subjacentes: “uma quebra das defesas psicológicas que o trabalhador utiliza para lidar com o stresse intenso relacionado com o trabalho”.
Embora não haja unanimidade na definição do conceito, o que dificulta a comparação dos dados e a integração dos resultados de diferentes investigações, a maior parte dos especialistas aceita a proposta, de Maslach e Jackson, de que o burnout compreende três dimensões.
Exaustão emocional. Esta dimensão revela-se na sensação de estar esgotado pelas exigências do trabalho. A pessoa sente-se cansada, impaciente, deprimida e impotente perante os desafios a que tem que acorrer, com falta de energia emocional para lidar com as tarefas profissionais. Sente que as exigências do trabalho estão acima dos recursos pessoais e organizacionais que tem para lhes responder.
Cinismo e despersonalização. A segunda dimensão do burnout afecta as relações com a função e com as pessoas. Revela-se no sentimento de indiferença e de descompromisso com o trabalho (cinismo), e no distanciamento afectivo em relação aos outros e a si próprio, com perda da capacidade empática (despersonalização). A despersonalização é uma perturbação que afecta a integração da experiência perceptiva. A pessoa está nas situações com um sentimento de estranheza e de irrealidade, como se vivesse um sonho ou um filme. Esta dimensão caracteriza-se ainda por atitudes e comportamentos negativos como a irritabilidade, a conflituosidade, o negativismo e a evitação dos contactos. Estes comportamentos manifestam-se com clientes, com colegas de trabalho e nas relações pessoais.
Perda do sentido de realização pessoal. O burnout caracteriza-se também por uma avaliação negativa tanto do seu desempenho profissional, como das capacidades pessoais para resolver os problemas e realizar as tarefas. A pessoa sente-se ineficaz, insatisfeita consigo própria e desvaloriza o seu desempenho. Isto resulta numa quebra da produtividade e da confiança em si para lidar com os desafios profissionais e contribuir para os objectivos.
Outros autores preferem ver o burnout como um processo de desenvolvimento, em que as três dimensões têm entre si relações de causalidade. A equipa liderada por Golembiewsky defende que o burnout resulta de factores indutores de stresse no ambiente de trabalho, com os quais a pessoa não usa as estratégias adequadas. O processo começa com a existência de stressores como as ambiguidades de papel, a sobrecarga de trabalho ou a falta de apoio da chefia, aos quais a pessoa reage com o descompromisso e a insensibilidade aos outros. Esta reacção leva-a a baixar a produtividade e a não se sentir realizada no trabalho, o que, finalmente, resulta no sentimento de exaustão.
Bakker e Demerouti propõem a teoria das necessidades-recursos, defendendo que o burnout ocorre quando há um desequilíbrio entre as necessidades e os recursos disponíveis no trabalho. As exigências da função são todos os factores que requerem esforço físico e psicológico como sejam a pressão do tempo, a sobrecarga de trabalho, os conflitos ou a disponibilidade emocional para os outros. Os recursos são os aspectos materiais e organizacionais, incluindo as características pessoais, que permitem alcançar os objectivos. A exaustão emocional ocorre quando os recursos não respondem às necessidades, levando depois ao descompromisso emocional e ao sentimento de incapacidade para desempenhar as funções.
A teoria estrutural proposta por Manzano e Ramos defende outra articulação causal das três dimensões. O burnout resulta de estratégias desajustadas para lidar com as situações de stresse crónico. Quando as estratégias não têm sucesso, levam ao fracasso no desempenho da função, ao sentimento de incompetência e à exaustão emocional. Para lidar com estes sentimentos a pessoa acaba por cessar o investimento emocional no trabalho e desenvolver atitudes de despersonalização.
A distinção entre burnout, ansiedade e depressão continua a ser um desafio para a investigação. Vários estudos mostram que na fase inicial o burnout manifesta-se com níveis muito elevados de ansiedade resultantes da tentativa de lidar com os factores indutores de stresse e manter a capacidade de responder de forma adaptativa aos desafios que se colocam. Quando a pessoa percebe que as tentativas de lidar com a situação (coping behaviors) falham, começa a desistir, cria distanciamento emocional e desenvolve um quadro depressivo.
Uma meta-análise realizada pela equipa liderada por Bianchi (Burnout–depression overlap: A review), com base em 92 estudos, confirmou que a distinção entre a fase avançada do burnout e a depressão clínica é difícil. Os quadros de ansiedade e de depressão são parte integrante da síndrome de burnout e podem confundir-se com ela conforme a fase de desenvolvimento em que o diagnóstico é realizado. Outros autores defendem que os sintomas depressivos podem ser preditores, mas também ser preditos pelo burnout, havendo uma relação de causalidade circular. Embora haja uma sobreposição entre depressão e burnout, trata-se de conceitos diferentes e de distúrbios que devem ser acompanhados de forma diferente.
Que sintomas caracterizam o burnout?
O burnout manifesta-se num conjunto de sintomas que geralmente começam por ser de natureza psicológica, mas que com o tempo afectam o bem-estar físico e os comportamentos na relação com o trabalho e com as pessoas. As primeiras alterações registam-se aos níveis cognitivo e emocional. Dificuldade de concentração e perda de memória, falta de energia para enfrentar os problemas, dificuldade em tomar decisões, insónia e irritabilidade, atitudes pessimistas e insatisfação com a vida. Com a evolução do quadro, aparecem manifestações de ansiedade, depressão, tendência para abusar do tabaco e do álcool e, nas situações mais graves, ideações suicidas.
Há também um conjunto de problemas de saúde física que aparecem associados, tais como fadiga crónica, insónia, dores de cabeça, perturbações gastrointestinais, cardiovasculares e respiratórias, hipercolestrolemia, doenças cardíacas, dores músculo-esqueléticas, riscos de diabetes tipo 2, vulnerabilidade às infecções, elevação dos níveis de cortisol no sangue, a conhecida hormona do stresse, e mortalidade antes dos 45 anos.
Do ponto de vista comportamental, o burnout manifesta-se por desmotivação para o trabalho, absentismo crescente, quebra dos níveis de desempenho, agressividade com os colegas e com os clientes. Em alguns casos a pessoa procura mudar de emprego, noutros mantem-se no trabalho mas sem cumprir as suas responsabilidades por razões de fragilidade física e de desinvestimento emocional.
A forma e a evolução dos sintomas varia muito com os caso individuais, mas podem identificar-se quatro níveis desta síndrome.
Ligeiro. Corresponde em muitos casos à fase inicial do processo de desenvolvimento da doença. A pessoa apresenta sintomas físicos inespecíficos como dores de cabeça e dores nas costas, fadiga emocional, apatia, ansiedade e baixo desempenho no trabalho.
Moderado. É já uma evolução da fase de aviso. A pessoa sente dificuldade de concentração da atenção e insónia, problemas do aparelho digestivo, desinvestimento emocional no trabalho, fadiga física e emocional, irritabilidade e desmotivação. Surge o sentimento de frustração com o seu desempenho e por não estar à altura das exigências da função.
Elevado. Este nível caracteriza-se por absentismo crescente, aversão ao trabalho e distanciamento emocional das tarefas e das pessoas. Observa-se a perda do apetite e do interesse sexual. Acentuam-se os sentimentos depressivos e os pensamentos obsessivos, com tendência para o abuso do álcool e de substâncias psicotrópicas.
Severo. No nível mais grave, a pessoa tende a isolar-se e a desenvolver um quadro de depressão crónica. As relações interpessoais são marcadas pela insensibilidade e pelos episódios agressivos. São frequentes as ideações suicidas.
O burnout afecta a actividade das organizações e as relações sociais
A desmotivação, a redução dos níveis de desempenho e as perturbações psicológicas induzidas pelo burnout afectam negativamente a produtividade e as relações na equipa de trabalho. Prejudicam a qualidade dos serviços, reduzem a eficiência, impedem o cumprimento dos prazos, geram a insatisfação e o conflito com os colegas. O absentismo repetido, as baixas prolongadas por doença e a elevada rotação de pessoal têm consequências económicas pesadas. Segundo dados da Gallup, os trabalhadores com sintomas graves de burnout estão 63% mais inclinados a pedir dias de folga, e 2,6 vezes mais disponíveis a procurar outro emprego. Os níveis severos de burnout resultam em saída prematura do mercado de trabalho, incapacidade permanente ou quadros depressivos que levam ao suicídio.
Além disto, o burnout é um fenómeno socialmente “contagioso”, como explica a teoria do contágio emocional. As pessoas têm tendência para imitar as expressões emocionais das outras, convergindo emocionalmente com elas. O facto de trabalharem em conjunto leva-as a partilhar as mesmas crenças e emoções, criando ambientes dominados por sentimentos comuns como o entusiasmo e a alegria, mas também a frustração, o pessimismo ou a exaustão. Neste sentido, o burnout pode alargar o seu quadro emocional às pessoas com quem interagimos, tanto no meio de trabalho como no ambiente familiar.
O burnout é mais incidente nas mulheres
Vários estudos indicam que, em termos de gênero, o burnout afecta mais as mulheres do que os homens e que, os casos mais severos acompanhados de ideações suicidas também prevalecem nas mulheres. Os dados do Eurofundo para a Europa mostram que, por exemplo, na Bélgica, 62% dos casos de burnout ocorrem nas mulheres. Na Alemanha, as crises de burnout ao longo da vida aparecem em 5,2% das mulheres mas apenas em 3,3% dos homens. Nos Países Baixos, a incidência do burnout é de 15,3% nas mulheres e de 14% nos homens.
Os dados obtidos pela Gallup nos Estados Unidos, durante a pandemia, indicam que, em 2019, 27% dos homens sofreu burnout. Este valor caiu para 22% em 2020 e subiu para 26% em 2021. O nível de burnout nas mulheres foi de 30% em 2019, subiu para 34% no ano seguinte e manteve-se no mesmo valor em 2021. Ao longo dos três anos o burnout nos homens baixou 1% e nas mulheres, além de se manter sempre a um nível mais elevado, aumentou quatro pontos.
Uma descoberta interessante deste estudo foi o facto de as mulheres com trabalho híbrido terem mais probabilidade de sofrer de burnout (38%) do que as que trabalhavam no local de trabalho (34%) ou exclusivamente em casa (31%). No caso dos homens o risco de burnout era o mesmo, independentemente do local onde trabalhavam. Será que no caso das mulheres a oscilação entre trabalhar em casa e na empresa, durante a pandemia, dificultava mais a coordenação das actividades profissionais e familiares, e agravava os conflitos de papel? Ou será que a necessidade de satisfazer as expectativas de papel, no trabalho e na família, era maior nas mulheres, durante a crise pandémica? Há que considerar também que a mulher reage com níveis mais elevados de ansiedade aos riscos relacionados com a saúde e que a tendência para quadros depressivos é também relativamente maior na mulher.
O burnout é determinado por factores organizacionais e pessoais
Um mito perigoso sobre o burnout é a ideia de que tem uma única causa: o excesso de trabalho. O estudo da Gallup mostra que há factores que são mais determinantes do que as horas de trabalho como, por exemplo, o tratamento injusto e a comunicação pouco clara, por parte dos superiores, a falta de apoio e a pressão temporal permanente. Isto significa que temos de afastar a ideia redutora de que o bunout é uma questão de horas de trabalho e que se resolve com a diminuição da carga horária. Na verdade, a questão é mais complexa e multideterminada.
A maior parte dos estudos académicos salienta, por outro lado, que o burnout não é apenas determinado pelo ambiente organizacional, mas também por factores individuais como as caraterísticas de personalidade e as estratégias que a pessoa adopta para lidar com o stresse e com os factores que o provocam.
Os factores contextuais que induzem o stresse são de diferente ordem. A sobrecarga quantitativa ou qualitativa de trabalho é o mais citado. O esforço excessivo e continuado esgota a energia física e psicológica, e pode levar ao distanciamento emocional como mecanismo de defesa. No entanto, o excesso de trabalho pode ser percebido de várias formas. Para uns, pode consistir em longas horas de trabalho. Para outros, é ocuparem-se de muitas tarefas diferentes e, para outros ainda, terem que resolver situações difíceis e desgastantes. Sabe-se, contudo, que o risco de burnout aumenta significativamente quando se excedem as 50 horas de trabalho semanais e é muito elevado a partir das 60 horas.
O trabalho emocional exigido por muitas profissões de ajuda é também uma causa de esgotamento. Estas funções exigem uma autorregulação permanente das emoções no sentido de ocultar emoções negativas como a irritação ou o cansaço, que põem em causa a qualidade do serviço, e mostrar sentimentos como a disponibilidade e a simpatia que podem não ser sinceros. Este esforço emocional é muito desgastante.
A ambiguidade e os conflitos de papel são também uma fonte de stresse. O colaborador não sabe exactamente o que se espera da sua função ou tem que desempenhar tarefas e responsabilidades difíceis de conciliar.
A falta de autonomia e a impossibilidade de influenciar as decisões que afectam o trabalho também estão associados a níveis elevados de burnout. O mesmo acontece com a falta de apoio da chefia ou dos colegas, e com os conflitos internos. Os horários de trabalho estão entre as causas mais estudadas. O trabalho nocturno, os horários rotativos ou irregulares e as condições que dificultam a conciliação do trabalho com a vida familiar, estão relacionados com perturbações do sono, cansaço permanente e baixo rendimento.
Finalmente, um factor que tem sido pouco valorizado é o estilo de liderança. As atitudes autocráticas por parte dos líderes, uma comunicação pouco clara, a falta de apoio e a incapacidade de escuta, o foco nos erros e nos aspectos negativos, a pressão para o cumprimento de prazos irrealistas e a falta de reforços positivos, são comportamentos que aumentam o risco de burnout. O tratamento injusto por parte das chefias, como o favoritismo, a discriminação, o desrespeito e a falta de equidade na aplicação das políticas, são práticas que podem mais que duplicar a probabilidade de aparecimento desta síndrome.
É importante sublinhar que o burnout não é uma consequência directa destas causas objectivas. Pessoas sujeitas aos mesmos factores indutores de stresse podem desenvolver ou não a síndrome de burnout, ou podem manifestá-la em graus diferentes. Se é certo que o burnout é desencadeado por factores objectivos relacionados com o meio de trabalho, a forma e o grau em que a perturbação se manifesta são moderados por factores individuais.
Os factores individuais que actuam como variáveis intermédias incluem as caracteríticas de personalidade e as estratégias que são usadas para lidar com as exigências e com os recursos disponíveis (coping behaviors). Estes factores podem actuar como atenuadores ou protectores, ou como potenciadores do burnout. Sabe-se, por exemplo, que dimensões da personalidade como a extroversão, a agradabilidade, a abertura à mudança e a conscienciosidade, isto é, a tendência para se comportar de forma persistente e disciplinada, são características que protegem do burnout. Já, por exemplo, as pessoas emocionalmente instáveis, impulsivas, competitivas, agressivas, com expectativas de desempenho irrealistas ou com uma sobre dedicação ao trabalho, têm maior risco de desenvolver a síndrome.
Finalmente, o locus de controlo tem uma correlação elevada com o burnout. As pessoas que acreditam que podem controlar com a sua vontade as situações que os afectam (locus de controlo interno) têm menos probabilidade de desenvolver burnout. O contrário acontece com as pessoas que crêem que os acontecimentos da sua vida se devem a factores externos e incontroláveis (locus de controlo externo).
A estratégia para lidar com a situação objectiva é também importante no desenvolvimento da síndrome. As estratégias activas, centradas no problema, que tentam actuar directamente sobre a situação indutora de stresse, têm mais sucesso quando a pessoa tem capacidade para mudar o contexto. As estratégias centradas na emoção, isto é, quando a pessoa tenta mudar as respostas emocionais negativas à situação, sem intervir na situação, tendem a agravar o burnout. Contudo, nos casos em que as estratégias centradas no problema falham por incapacidade de controlo das causas objectivas, a frustração agrava o nível de stresse e uma estratégia de evitação pode ser mais adaptativa.
A experiência de trabalho é determinante
Há pessoas que colocam o trabalho e a felicidade em polos opostos. Pensam que trabalhamos apenas para poder ter as coisas que nos fazem felizes. Quanto menos trabalhássemos, maior seria o nosso bem-estar. A verdade é que os dados da investigação apontam em sentido diferente: a maior parte das pessoas declara que continuaria a trabalhar mesmo que não precisasse de o fazer e o bem-estar psicológico não depende da quantidade de trabalho. Reduzir o número de horas de trabalho ou tirar dias de férias pode ajudar, mas não é a solução. Há pessoas que trabalham muito mais horas que a média e sentem-se realizadas com o que fazem. No mesmo contexto de trabalho há aquelas que trabalham com entusiasmo longas horas e outras que não conseguiriam fazê-lo sem graves sinais de exaustão.
O problema não está na quantidade de trabalho mas na maneira como a pessoa vivencia o trabalho que realiza, isto é, na qualidade da experiência de trabalho. A pessoa que tem um trabalho sem um propósito claro, sem os recursos necessários para o desempenhar, com falta de apoio da chefia, sujeita a forte pressão do tempo, sem uma percepção clara das expectativas sobe o seu desempenho, pouco reconhecida e tratada com autoritarismo, corre risco de burnout, independentemente de trabalhar muitas ou poucas horas. Pelo contrário, uma pessoa que tem um trabalho desafiante, que tem o apoio do líder e dos colegas, que dispõe de autonomia e flexibilidade de actuação, que se sente respeitada e reconhecida, pode trabalhar muitas horas e sentir-se realizada. Como prova o estudo da Gallup, a qualidade da experiência de trabalho tem quase três vezes mais impacto no bem-estar psicológico do que as horas de trabalho.
O papel dos líderes na prevenção do burnout
Esta perspectiva coloca o foco no papel dos líderes. Muitos líderes vivem um dilema: querem atingir resultados surpreendentes mas receiam que as equipas fiquem esgotadas. Este dilema é típico dos contextos de liderança tradicionais, onde os elevados desempenhos se obtêm com base na autoridade-obediência e na pressão continuada, com custos elevados para a saúde física e psicológica que, logo depois, se traduzem em desmotivação e baixo desempenho.
Na verdade, trata-se de um falso dilema. É possível alcançar resultados de excelência sem o esgotamento psicológico das equipas. A resposta está no controlo da experiência de trabalho e isso está nas mãos dos líderes aos vários níveis. São eles que podem determinar as opções estratégicas, as condições objectivas em que os empregados trabalham e as dinâmicas relacionais ao nível das equipas. A redução do risco de burnout depende, pois, de mudanças na cultura empresarial, na organização do trabalho, nas relações interpessoais e, sobretudo, nas práticas de liderança. Um ambiente de trabalho que favorece a saúde psicológica reforça o envolvimento dos colaboradores, melhora a produtividade e abre caminho à excelência. Para isso, é preciso que as lideranças assumam o seu papel de motores da mudança.
Estas são as medidas mais importantes, começando pelas mudanças a nível estratégico.
1. Tenha uma visão holística das pessoas e crie uma cultura de inclusão e bem-estar. Para reduzir o risco de burnout os princípios que definem a organização têm de incluir o bem-estar dos empregados, a inclusão e o tratamento justo, como prioridades estratégicas. Ao lado das finalidades do negócio, a organização deve incorporar o conceito de colaborador como uma pessoa total, enquanto profissional, membro de uma família e elemento da comunidade. A organização terá de assumir como compromisso identitário contribuir para o desenvolvimento profissional e bem-estar dos colaboradores, rejeitando os favoritismos, as discriminações, os conflitos permanentes e o bullying, respeitando as opções de vida de cada um. A customização das condições de trabalho e dos planos de desenvolvimento profissional são formas de respeitar a individualidade da pessoa.
2. Coloque nas funções de liderança pessoas com o perfil adequado. Os motivos que têm levado muitos profissionais a assumir funções de liderança pouco têm a ver com as competências específicas para as exercer. Hoje, como no passado, a liderança das equipas ainda é atribuída como forma de reconhecimento da competência profissional, da lealdade ou da antiguidade. Esquece-se a questão principal: tem competências de liderança ou potencial para as desenvolver? É capaz de motivar e apoiar os colaboradores e os colegas, para darem o seu melhor? Estabelece relações personalizadas e de confiança, e trata as pessoas com respeito? Dá feedback regular e está sinceramente comprometido com o desenvolvimento das pessoas? Ajuda-as a conseguir o equilíbrio entre a profissão e a vida pessoal? Vários estudos indicam que os estilos de liderança autocráticos, formalistas e individualistas potenciam o burnout, enquanto as lideranças apoiante, transformadora, mobilizadora e autêntica, favorecem o bem-estar psicológico. Em muitos casos a mudança só é possível com a formação intensiva das lideranças ou com a sua substituição.
3. Comunique com clareza o propósito do trabalho e a expectativas de desempenho. Há três coisas sobre as quais os líderes devem ser muito claros: o contributo do colaborador para os objectivos da organização, as responsabilidades que lhe estão atribuídas e o que se espera do seu desempenho. Só assim é possível a pessoa empenhar-se num trabalho com significado, melhorar os resultados e evitar a frustração causada pela dúvida permanente sobre “o que tenho que fazer e o que querem de mim”. Relacionar o trabalho com a missão da empresa faz valorizar a função e sentir que se contribui para um objectivo comum. Esta comunicação deve ser feita regularmente em reuniões individuais, para encorajar as pessoas a colocarem as suas dúvidas, e mantê-las alinhadas em termos de tarefas e prioridades, com os objectivos da equipa e da empresa.
4. Ajuste as cargas de trabalho e a pressão do tempo. O trabalho intenso e a pressão para cumprir metas faz parte da vida das organizações e é inevitável em ambientes competitivos, mas cargas de trabalho insuportáveis e prazos irrealistas provocam um “efeito de bola de neve” e são um factor de burnout. O não cumprimento de um prazo vai atrasar o que estava programado a seguir, gerando uma acumulação progressiva do trabalho e o aumento da ansiedade.
É também importante compreender que as pessoas reagem à pressão de formas diferentes. Sob o mesmo grau de pressão há pessoas que se sentem estimuladas e melhoram o seu desempenho, enquanto outras bloqueiam e dão sinais de exaustão. Os líderes devem estar atentos a estes sinais, regular os graus de exigência e apoiar com os meios necessários. A insensibilidade às capacidades individuais para lidar com o stresse impede o líder de conseguir que cada pessoa dê o seu melhor.
5. Aumente a flexibilidade e a autonomia. As pessoas querem poder escolher onde e como trabalham. A flexibilização dos horários, do local de trabalho e do perfil da função, e o ajustamento ao perfil do colaborador, são factores de motivação, reforçam o compromisso com a empresa e facilitam a articulação com a vida pessoal. O desenho da função deve também incluir um grau suficiente de autonomia que permita à pessoa escolher a forma de se organizar e tomar decisões. Contudo, mais flexibilidade e mais autonomia também exigem expectativas de papel mais claras, normas de funcionamento bem definidas e apoio próximo. O excesso de liberdade cria ambiguidade e isolamento. O burnout pode resultar tanto da falta de flexibilidade e autonomia como de formas de trabalho destruturadas.
6. Lidere pelos pontos fortes, reforce os sucessos e o trabalho de equipa. É uma causa de sofrimento psicológico pedir repetidamente a alguém que desempenhe uma tarefa que não lhe interessa, para que não tem aptidões, formação ou meios suficientes, bem como procurar insistentemente “apanhar“ a pessoa nos erros que pratica. O burnout evita-se liderando pela positiva. Utilizando os pontos fortes e os focos de interesse de cada pessoa, dando-lhe meios para ter sucesso e reforçando os bons desempenhos. Contudo, é preciso ir além dos reconhecimentos simbólicos. A discrepância percebida entre o contributo que a pessoa dá e a recompensa que recebe (inequidade), incluindo a remuneração, é uma causa de exaustão emocional. O apoio social dos colegas e a cooperação interna também reduzem o risco de burnout. Compete às lideranças favorecer a equidade nos vários planos, estimular o trabalho em equipa, gerir os conflitos e assegurar o apoio entre pares.
7. Escute as pessoas e dê-lhes apoio. O apoio do líder é uma segurança psicológica importante quando nos sentimos frustrados, há desafios a vencer ou as coisas correm mal. Um estudo feito nos Países Baixos mostra que a falta de apoio do líder aumenta quase duas vezes e meia o risco de burnout. O primeiro passo do apoio é a escuta. Escutar é, antes de mais, um sinal de interesse e de consideração. As reuniões periódicas individuais devem ser uma prioridade para perceber a experiência de trabalho do colaborador, dar e receber feedback da sua actividade, apoiá-lo na gestão do tempo e das prioridades, conhecer as suas expectativas de carreira e necessidades de desenvolvimento, e detectar os primeiros sinais de stresse. O investimento activo no desenvolvimento profissional dos empregados é das formas de apoio com mais impacto na motivação.
O burnout é um transtorno psicológico com um impacto grave nas pessoas e na sociedade, a que não se tem dado a verdadeira importância. É um epifenómeno da sociedade em que vivemos e do mundo do trabalho que construímos: excessivamente competitivo, individualista, centrado no sucesso e, em muitos aspectos, desumano. Está ao nosso alcance mudar esta realidade pelo menos no universo próximo da empresa e da equipa de trabalho.
Muitos trabalham para viver mas o trabalho pode ser também um espaço importante de realização pessoal sem ser necessário viver para trabalhar. É importante encontrarmos um propósito de vida que evite o risco de vivermos para o trabalho, mas também procurar uma experiência de trabalho que não deixe que o trabalho nos destrua. Os líderes têm um papel decisivo na criação das culturas organizacionais que reduzem estes riscos e promovem a felicidade.