A arte de praticar o desapego… Para profissionais de Recursos Humanos

Entendidos das áreas de psicologia, psicanálise, desenvolvimento pessoal e similares há muito que defendem a prática do desapego. Enquanto leiga nesta matéria, o meu propósito aqui será entender e explicar o que isto significa e, de que forma nós – Pessoas de Pessoas – podemos atuar de forma mais madura e concertada.

Muitas pessoas possuem uma característica que pode ser prejudicial à saúde mental e emocional, o apego – seja por bens materiais, ideias, pessoas ou situações. Isto acontece porque o afeto, quando excessivo, nos mantém reféns, fazendo com que o dia a dia se torne numa pressão constante. Transferindo para a nossa prática profissional: um dos nossos propósitos é encontrar o melhor fit no que respeita a competências pessoas e profissionais para a oportunidade que temos em aberto num comum processo de recrutamento; idealmente será também que essa oportunidade se traduza num desafio constante e interessante para que a jornada do novo colaborador seja tão duradoura quanto possível.

Todos nós sabemos o quanto um processo de recrutamento pode ser uma montanha russa de emoções, um período agridoce ou, uma curta metragem com um final feliz! É exigente. Debatemo-nos muitas das vezes logo à partida com uma Pessoa incrível e super alinhada culturalmente mas… não cumpre o requisito da senioridade. Ultrapassamos esta barreira,  seguimos para sourcing com algoritmos mágicos (que os nossos colegas Developers desenvolveram); fazemos triagem curricular e damos feedback, conversamos com os candidatos para entender expetativas e motivações; damos feedback; avançamos para entrevista, passamos transparentemente a realidade que é a nossa cultura organizacional; damos feedback; passamos para desafio técnico; entrevista com cliente; damos feedback; ficamos com uma short list de pessoas interessantes para a oportunidade ; apresentamos proposta e, concluímos o processo com sucesso! Parece fácil? [Passaram três semanas…]

Repeti a palavra feedback umas quantas vezes propositadamente. Se não acompanharmos os candidatos ao longo do processo de recrutamento, não tornarmos esta jornada num mini estágio de cultura organizacional e relação interpessoal com potenciais colegas e, estando nós num mercado de trabalho tão acelerado como o que temos, iremos manter estes candidatos interessados? Bem-vindos para quem chegou agora mas esta é a vida de um profissional de RH que faz recrutamento e que tem não só esta oportunidade para fechar bem como mais umas vinte; stakeholders para manter satisfeitos e uma equipa de oitenta colaboradores para conservar engaged…! Confesso que às vezes chegamos ao final do dia mais cansados do que após fazer um triatlo (acredito eu ser muito cansativo, mas nunca fiz nenhum!) mas o dever de missão cumprida e de termos criado um cenário win-win para todas as partes envolvidas no processo, é maravilhoso. É! Na verdade acho que é por isso que acordamos todos os dias com vontade de ir para o LinkedIn procurar Talento!

Até aqui tudo certo. [Continuem a ler porque a sensação é de que já fizeram 50 abdominais]

Vamos agora preparar o onboarding do novo colaborador: a escolha do buddy, o material pronto para ser estriado, email’s de apresentação, garantir que no primeiro dia têm acesso a todas as contas (uau!!), reunião com a equipa e manager marcadas… 1º dia, check! A primeira semana passou? Vai ficar connosco para sempre! Aqui é quando nós, seres criados para alimentar uma jornada brilhante para cada colaborador, também temos o direito a um surto psicótico que dura aproximadamente, 5 minutos.

Engagement & Motivação – outro tema que dava para escrever um livro. Não é uma função, uma equipa ou representado por uma pessoa. É uma forma de estar na organização! É o sentimento de vestir a camisola (muito usado nos eventos de teambulding de 2010 a 2015). O maior desafio dos profissionais de Recursos Humanos não é reter. É motivar a fazer desta, a empresa onde as Pessoas se sentem bem e onde têm prazer em trabalhar!

Em termos práticos, isto traduz-se em reinventar a roda. Em follow-up’s constantes, em alinhamento com os managers, em escuta ativa, em menos micro-management e mais autonomia e responsabilização e em voltinhas ao escritório (ideologia anti-covid-19) para um “Olá Maria, tudo bem?”. E ver/sentir o pulso ao asset mais importante de qualquer organização – as nossas Pessoas.

É aí que passados meses, na maior parte das vezes anos, recebemos uma mensagem no slack com um: “preciso de falar contigo!” O ritmo cardíaco aumenta e a medo marcamos um momento para conversar com o colaborador. [Correste uma maratona!]
Quero começar por agradecer todos os desafios e oportunidades que a empresa me proporcionou mas chegou a altura de abraçar uma nova oportunidade”. Momento de respirar fundo e jogar aquele trunfo que só serviria mesmo para cortar a jogada final: “A tua decisão está fechada? Há algo que possamos fazer?

O ideal seria sempre estarmos preparados para aceitar possíveis e súbitas transformações no nosso quotidiano, como uma mudança de emprego ou de casa, a troca de um carro ou até o término de um relacionamento. Sabemos que essas perdas podem gerar sofrimento, mas precisamos encontrar formas de encarar as deceções e continuar a nossa vida da melhor forma possível. É em situações como esta que o desapego, palavra estranha e arrojada de se usar no mundo corporativo, entra muito assertivamente.

(des- + apegar)
verbo transitivo
1. Despegar.
2. Fazer perder a afeição a.
verbo pronominal
3. Perder a afeição a.
4. Perder o interesse, o empenho por.
5. Largar; soltar-se; desagarrar-se.

Perguntamos tudo: onde é que eu falhei? O que é que podia ter feito para antecipar ou até evitar esta situação? Foi culpa das práticas de recursos humanos ou do projeto? Foi…?
Interessa mesmo encontrar um culpado? Interessa sim valorizar o processo de desvinculação como uma ferramenta preciosa para a transformação da organização.
Saber, no momento de entrevista de saída, quais foram os motivos que levaram o colaborador a estar disponível para ouvir uma nova proposta é o mais importante.
O trigger não é a proposta mas sim as razões pelas quais o colaborador ficou disponível a ler as dezenas de mensagens que tinha por abrir no LinkedIn.

Estaremos a ser frios se aceitarmos que a jornada daquele colaborador terminou na nossa organização? Estaremos a ser menos Pessoas de Pessoas se os deixarmos simplesmente ir sem criar processos de saída desagradáveis e conflituosos?
Ou, estaremos apenas a ser agentes do desapego e do aceitar que fomos intervenientes num período de grande valor para colaborador, organização e projetos envolvidos?

Todas as pessoas, por mais ou menos sentimentais que sejam, apegam-se. Conforme referido, a coisas, situações ou Pessoas. É o sentimento de posse por aquela rotina e sensação de conforto que criamos.

Praticar o desapego significa também ter coragem de nos assumirmos pelo que somos e não pelo que temos. Desapegar é, no entanto, muito difícil. Porque, pegando no exemplo da saída de um colaborador, temos consciência de que vamos começar do zero; de que aquela saída pode ter impactos no bem-estar da organização e de que podemos estar a deixar algo cair no vazio.

Finalmente, praticar o desapego significa percebermos e interiorizarmos que a única coisa que podemos efetivamente controlar é a escolha do que sentimos face ao que nos acontece. Esta é a base da sabedoria emocional. Tudo o resto é apego ao velho e não nos serve para nada.

Gestores de Pessoas: deixo-vos este tema para reflexão! E, acima de tudo um desafio: sejam autênticos e transparentes em tudo o que fazem. A paixão que colocamos nas coisas que fazemos, a essa apeguem-se pois não só nutre cada desafio a que se propõe mas também vos torna Pessoas e Profissionais mais felizes!

Termino com uma das frases mais bonitas e sábias que ouvi de uma figura do C-level de uma empresa onde trabalhei, aquando da minha despedida: “Vai! Vai voar… E quem sabe um dia voltas a casa!”

[Obrigada por teres chegado ao final deste campeonato comigo. No final do dia, somos todos Campeões!]