A escassez de talento, com Dra. Luísa Ribeiro da RTP

A ComunicaRH teve o prazer de falar com a Dra. Luísa Ribeiro, Vogal do Conselho de Administração da RTP, sobre um tema que faz parte da agenda de todas as organizações: A escassez de talento!

Há verdadeiramente escassez de talento ou temos de alterar a forma como recrutamos e onde recrutamos?

Pela minha experiência nas indústrias de software, tecnologias de informação voltadas para a ciência e saúde, capital de risco e mais recentemente nas áreas de televisão, rádio e multimídia, é evidente que a escassez de recursos qualificados é uma realidade palpável.

Há um número crescente de jovens licenciados, mas em áreas que não correspondem à procura do mercado, como matemática e engenharia. Este problema não se restringe a Portugal, sendo uma crise global onde as necessidades empresariais não se alinham com as qualificações dos recém-formados. Muitos destes licenciados, apesar de brilhantes, carecem de maturidade e experiência. A verdadeira carência reside, portanto, em profissionais experientes.

Portugal enfrenta também uma exportação alarmante de talentos. Muitos jovens promissores escolhem fazer as suas licenciaturas e mestrados no estrangeiro e, lamentavelmente, não regressam. Esses jovens, com uma mentalidade aberta às mudanças e novas tecnologias, seriam extremamente valiosos para o nosso mercado e deviam ser incentivados a voltar.

A competição por talentos em Portugal é feroz, não só por parte das empresas nacionais, mas também por empresas estrangeiras que valorizam os nossos jovens pela sua capacitação académica e custo-benefício. Muitas dessas empresas contratam talentos nacionais para trabalhar remotamente, mantendo-os em Portugal, uma alternativa menos onerosa do que recrutá-los em mercados como França, Inglaterra e Estados Unidos. Com condições remuneratórias aliciantes, os empregadores estrangeiros conseguem recrutar em detrimento das empresas portuguesas.

Para mitigar essa situação, é crucial implementar medidas que promovam a requalificação profissional, facilitando a transição de talentos de áreas saturadas para aquelas com maior procura. Iniciativas como a Escola 42 têm sido pioneiras ao requalificar profissionais que desejam mudar de carreira, direcionando-os para setores em crescimento.

Contudo, esse processo de requalificação pode ser demorado, e a disparidade entre a oferta e a procura de talentos prontos para o mercado persiste. Para os candidatos a emprego, esse cenário é vantajoso, mas para os empregadores representa desafios significativos em termos de retenção e atração de novos talentos, especialmente diante da concorrência de empresas maiores e mais estruturadas, que oferecem benefícios amplos além de salários atrativos.

Requalificar profissionais é uma solução viável, mas as empresas devem concentrar-se fortemente na retenção desses talentos. Outra solução é o recrutamento internacional, uma prática que Portugal tem abraçado, especialmente na indústria de software. No entanto, é imperativo criar boas políticas de retenção, uma vez que muitos nómadas digitais preferem trabalhar em Portugal, mas para empresas estrangeiras. É necessário que as empresas invistam na adaptação desses profissionais à nossa cultura e condições de trabalho.

Portugal possui um grande potencial de atração para estrangeiros, e as empresas devem aproveitar isso para criar polos de trabalho, facilitando questões habitacionais e oferecendo melhores condições fora das grandes cidades. Cidades como Aveiro e Braga já são exemplos de sucesso nessa estratégia, atraindo mão de obra estrangeira qualificada que encontra não só boas oportunidades de emprego, mas também elevada qualidade de vida. A tendência global é clara: as pessoas preferem cidades menores, com diversidade, riqueza cultural e proximidade à natureza, que proporcionem uma vida melhor do que as grandes capitais.

Em resumo, embora o cenário atual apresente desafios, há inúmeras oportunidades para inovar e criar um mercado de trabalho mais equilibrado e dinâmico em Portugal.

Vi recentemente um estudo que aponta Portugal como o 4.º país do mundo com maior escassez de talento (Talent Shortage Survey 2023). Como vê está realidade e esta realidade é fruto de que fatores?

Não me surpreende a posição de Portugal. Somos um país pequeno, com uma baixa taxa de natalidade, e não conseguimos ter um número suficiente de jovens a entrar no mercado de trabalho. Além disso, perdemos muitos desses jovens para o mercado internacional ou para empresas estrangeiras em Portugal.

Eu diria que grande parte da exportação de talentos para outros países se deve à melhor capacidade de progressão de carreira, melhores salários e ao apelo que representa para os jovens em busca de novos desafios. Atualmente, viver fora é mais fácil do que era há alguns anos, pois não é difícil manter o contacto com a família e amigos, o que facilita a transição. Outro fator é a presença de jovens em Portugal que trabalham para empresas estrangeiras, com melhores condições e muitas vezes com uma estrutura de apoio e acolhimento que a maioria das nossas empresas não oferece. Esta estrutura promove uma melhor integração, participação, partilha de conhecimento e proporciona um ambiente bastante favorável aos jovens.

Na sua opinião, a escassez de talento é um fenómeno que afeta apenas as posições de chefia e técnicos altamente especializados ou é transversal a todas as funções?

Nota-se mais a escassez de talentos nas funções que são mais exigentes, mais elevadas na hierarquia e que requerem maior responsabilidade. Em Portugal, temos a vantagem de haver uma grande adaptabilidade e vontade de aprender, o que permite o desempenho de certas funções mesmo quando inicialmente, os candidatos não possuíam todas as qualificações necessárias, o que minimiza essa carência.

Gostaria também de destacar que tenho identificado escassez de recursos para funções administrativas e mais manuais, pois os jovens não estão muito interessados nessas áreas, muitas vezes devido à natureza das funções e à remuneração pouco atrativa. No sentido de que são muitas vezes o pilar silencioso das organizações, é preciso tornar essas funções mais apelativas.

É previsível que a automatização de muitas funções ajude bastante na questão do recrutamento. No entanto, sabendo que muitas funções irão deixar de existir, levanta-se a questão de onde colocar essas pessoas. Por cada 10 postos de trabalho substituídos pela inteligência artificial, serão criados alguns novos, mas não exatamente na mesma proporção. Certamente serão criadas funções (um bom exemplo é a engenharia de prompt, que irá controlar as ferramentas da inteligência artificial para otimizar os resultados), mas creio que o futuro colocará desafios de colocação dos jovens no mercado de trabalho. É, portanto, essencial a preparação académica, mas também uma boa cultura e espírito empreendedor para conseguir ter sucesso num mercado de trabalho mais complexo.

Podemos falar que há uma grande dificuldade em recrutar ou em rotatividade de algumas funções? Quais as principais dificuldades na retenção dos talentos no nosso mercado?

Essa matéria interessa-me particularmente. Antigamente, os empregos eram para a vida, mas hoje não é assim. As pessoas estão mais abertas a transições no mercado de trabalho.

Diria que existem muitas ferramentas que podem e devem ser usadas, especialmente em empresas mais tradicionais e pequenas, e que hoje são muito bem aplicadas pelas empresas tecnológicas. Por exemplo, valorizar momentos de lazer dos grupos, incentivar a partilha de conhecimento entre colegas em projetos e valorizar as pessoas.

Muitas vezes, nas empresas, grandes ou pequenas, as pessoas não se conhecem, e quando se conhecem, não sabem o que a outra faz. É necessário criar um ambiente em que as pessoas interajam, sejam apreciadas, ouvidas e reconhecidas para além do salário ao final do mês. Sempre que possível, as empresas devem partilhar os êxitos, saber ouvir verdadeiramente os colaboradores, oferecer apoio quando necessário e, principalmente, garantir confiança nas informações transmitidas, tanto sobre a estratégia da organização quanto sobre os seus resultados e decisões.

A comunicação é fundamental para gerar confiança entre os colaboradores. As pessoas podem concordar ou não com as decisões, mas a comunicação ajuda a entender e cria um vínculo com os colaboradores, fazendo com que se sintam parte da organização.

Há possibilidade de desenvolver o talento que necessitamos dentro de casa?

Claramente, podemos desenvolver o talento dentro das organizações, mas na prática precisamos de recursos para o fazer, embora possamos fazê-lo de várias formas.

Quando se partilha conhecimento e experiência dentro da organização, os profissionais que estão a receber essa partilha já estão um passo à frente no seu desenvolvimento. Este tipo de aprendizagem é fundamental para que não se perca conhecimento interno.

Há empresas com áreas de recursos humanos bem organizadas, com capacidade financeira e que trabalham muito bem os seus programas de formação. É muito louvável e benéfico que as empresas possam formar internamente, através de pequenas academias, trabalhando também a reconversão de pessoas dentro da organização. Não sendo tudo, o orçamento importa quando se fala em desenvolvimento de recursos humanos. O tecido empresarial português, maioritariamente constituído por PMEs, não tem escala ou meios para academias internas de formação, mas deveria ter associações setoriais que se organizassem nesse sentido.

Muitas empresas têm planos de formação bem estruturados, mas nem sempre tem um plano de carreira que permita a transição do colaborador para outras áreas, isso muitas vezes proporciona a saída do colaborador. Como vê esta questão.

Isso muitas vezes está relacionado com a limitação de recursos. Se vamos prescindir da saída de um colaborador para outra área é porque há necessidade, e nem sempre temos tempo para formar o colaborador. Acredito que seja uma situação difícil de resolver, uma vez que a empresa não tem muito tempo para manter as pessoas em aprendizagem para colmatar as necessidades da nova função. Normalmente, esta situação só se consegue ultrapassar em grandes empresas, que não representam a maioria do tecido empresarial português.

No entanto, as empresas podem apoiar em outros cenários, como por exemplo o trabalhador-estudante, que vai buscar na aprendizagem as especializações para a área de seu interesse e da empresa, preparando-se para novas funções enquanto trabalha. Podem também realizar sessões de treino com a ajuda de pessoas mais séniores, o que ajuda a desenvolver as competências necessárias e possibilita que os trabalhadores queiram transitar para outras funções.

Eu diria que um colaborador que precise ficar em formação constante por alguns meses para só depois assumir a função não será uma situação fácil de gerir dentro da organização. Acredito muito mais na evolução por etapas do que em revoluções. Temos de ser ambiciosos, mas adaptando-nos aos recursos que temos. Só assim teremos resultados concretos.

Já sabemos que o recrutamento é uma questão crítica e transversal aos diversos setores. As empresas podem sempre melhorar seus processos internos para serem mais atrativas, mas há algo que o governo possa fazer para melhorar a capacidade das empresas em atraírem e reterem os talentos?

O que a minha experiência me diz é que a questão que mais pesa no orçamento da maioria das pessoas é a habitação, seguida pelo apoio a filhos pequenos, esta segunda também relacionada com limitações de tempo disponível para o trabalho.

Seria interessante haver incentivos para que as empresas apoiassem os trabalhadores nas questões habitacionais, dado o elevado custo das casas atualmente.

No que toca ao apoio a filhos pequenos, as empresas de maior dimensão poderiam beneficiar de incentivos fiscais ou outros para investir em infraestruturas de apoio aos filhos dos colaboradores. Esta medida seria uma poderosa ferramenta para atrair jovens talentos, proporcionando-lhes condições para formarem uma família mais cedo. E como todos sabemos, o nosso país precisa urgentemente de se rejuvenescer.

Quer deixar uma mensagem?

Em Portugal, a qualidade dos recursos humanos é elevada e decisiva para o sucesso das empresas, se acompanhada por boas práticas de gestão, planeamento e estratégia.

Na procura de sucesso e sustentabilidade, a relação entre gestores e colaboradores e fundamental. A transparência, comunicação aberta e valorização dos trabalhadores são essenciais para manter um ambiente de trabalho saudável.

Mesmo num contexto de vulgarização de ferramentas de inteligência artificial, as pessoas continuarão a ser o coração das organizações. Acredito que uma gestão eficaz é a que aprende com os colaboradores, ouvindo as suas experiências e sugestões.

Acresce que investir no bem-estar dos seus recursos permite que eles se sintam valorizados e motivados.

Em resumo, a qualidade dos recursos humanos é algo valioso para as empresas, mas a gestão competente e a cultura organizacional também desempenham um papel crucial. Viver melhor dentro das empresas é uma meta que beneficia a todos.