As demandas de recrutamento e seleção ao longo da história

Organizações abrindo e fechando muitas vezes as mesmas posições, picos de contratação por ciclo de produção x demanda, recrutamento mais especializado, recrutamento operacional, recrutamento estratégico. Não há um cenário frequente e padrão para um profissional de Atração de Talentos. O contexto financeiro, cultural, processual, oscila de acordo com a cultura do país requisitante, oscila com a legislação local, oscila com o ciclo de produção, com o ciclo do produto ou com o ciclo de prestação de serviço, oscila de acordo com nível de especialização e senioridade. Esse é o cenário com que os profissionais de recrutamento e seleção se deparam dia após dia. E 2020 nos trouxe outro impulsionador de mudança: o trabalho remoto.

A caminha da área de atração de talentos

Refletindo sobre as demandas de recrutamento, comecei a lembrar-me do volume imenso de recrutamento e seleção operacional de um empregador de varejo, com picos de demandas relacionados ao ciclo de produção e aumento de consumo no ano. Filas enormes para atendimento presencial, precedidas por horas de triagem de currículos impressos, divulgação em jornais, divulgação de rua ao redor da unidade da empresa.

O recrutador precisava ter um olhar para o local, entendendo a demanda da organização, mas buscando alternativas locais para buscar os candidatos operacionais, barateando o custo de transporte, reduzindo o tempo de deslocamento (que no caso do Rio de Janeiro, no pico de trânsito, pode chegar a 3h de ida e 3h de volta). Ainda era um recrutador que estava construindo seu lugar de atuação tentando se distanciar de questões históricas de captação de candidatos, que foram muito permeadas pelos processos de industrialização e pelo êxodo populacional.

O tempo passou. E numa grande empresa de comercialização de tecnologia no final dos anos 90 e início dos anos 2000 surgiu uma nova demanda de programadores em linguagem  C++, Java. E o perfil do recrutador mudou. Ele teve que estudar o que era aquela nova demanda de recrutamento. Naquela época, o Yahoo e o Google surgiam, mas ainda não popularizados, ainda tínhamos a cultura de busca de conhecimento em enciclopédias, livros. Não havia redes sociais para captação de candidatos, timidamente o Linkedin viria a surgir em 2002, mas ainda sem grande expressão, não havia portais unificados globais para buscar esses candidatos.

O primeiro desafio de recrutamento e seleção era local, onde achar o candidato mais capacitado, ainda dependia muito de anúncios impressos. Tínhamos um alto custo de divulgação das vagas, contratação de empresas de consultoria, demanda de perfil organizado de recrutador para manter os dados impressos ao alcance das mãos. E ainda tendo que atender a uma captação que tanto ele quanto o próprio mercado pouco conheciam.

Nesse cenário, o recrutador se reinventou, criando parcerias com as instituições formadoras de profissionais, como universidades e centros tecnológicos, participando de feiras de recrutamento, inserindo programas de estágio e trainee.

Avançamos no tempo, a tecnologia evoluiu, e com ela a Internet. E no meu empregador do meio dos anos 2000 ocorreu a expressão da necessidade de um perfil diferente de recrutamento: unificado. Fazia muito sentido essa mudança de atuação, visto que equipes de recrutamento para cada unidade demandavam um custo muito maior.

A centralização viabilizaria uma padronização de procedimentos e uma substancial redução de despesas. Começaram a entender o recrutador não como alguém pertencente a uma unidade, mas parte integrante de um todo corporativo, não importando a localização geográfica da posição. Lembro com carinho quando precisei abrir unidades da empresa em outros estados do Brasil, em formato de Centro de Serviços Compartilhados, quando buscávamos candidatos para a China e para os EUA.

O recrutador que já havia passado pela mudança do modus operandis operacional ao tecnológico, agora precisava incluir nas variáveis analisadas em processo de recrutamento e seleção a cultura regional, a fim de trazer os melhores profissionais para se adaptarem àquele processo, àquele time, àquela gestão, àquela cultura.

Agora o recrutador precisou novamente sair da zona de conforto e se reinventar: com o aumento do teletrabalho, com a crescente globalização dos negócios e das empresas e o constante surgimento de novas fusões e aquisições, surge o que carinhosamente chamo internamente de “consultor de talentos na estratégia”.

A demanda agora é de um olhar para a realidade de legislação laboral por região e necessidade de repensar operacionalmente e culturalmente as práticas de recrutamento e seleção. O recrutador pode (e deve!) trazer para as organizações diversidade de saberes e olhares.

Mas para isso precisará dominar diferentes idiomas, conhecer diferentes culturas, estudar legislação laboral ao redor do mundo,

para conseguir recrutar e movimentar ao redor do globo os melhores profissionais, os mais adequados ao perfil da posição em aberto, mas sempre com o olhar atento à legislação local e à viabilidade de movimentação. E acrescido a isso, ele precisa ter um olhar financeiro.

Tive o prazer de trabalhar uma vaga para um empregador multinacional, e mesmo a vaga sendo no Brasil, o melhor candidato finalista estava no Vietnã. Para viabilizarmos a apresentação desse candidato como opção, tivemos que acrescentar ao dashboard de recrutamento o custo de relocation, emissão de documentos. Também tivemos que incluir o plano de adaptação dele ao país, procurando escola para filhos, residência, ministrar treinamento sobre perceção cultural de salário x custo de vida.

Isso tudo antes do aceite da proposta, para que o próprio candidato pudesse ter todo o retrato da situação e pudesse dispor de todas as informações necessárias para a tomada de decisão sobre aceitar ou não a carta oferta. O recrutador nesse momento tem que ter conhecimento sobre o que foi orçado x o que já foi realizado, precisa saber o quanto impactará no compensation line da posição, necessitará de domínio sobre processos de expatriação, legislação do país de origem e de destino da posição.

Ele se torna um profissional mais abrangente, pois precisa ter um olhar mais distanciado para compreender o todo do processo e do negócio onde a posição se insere.

Ao longo dessas décadas, as práticas de recrutamento e seleção sempre tiveram algumas ações que permaneceram: necessidade de reforçar a marca da empresa para atrair mais candidatos, emissão de relatórios, apresentação de dashboards aos clientes internos, controle de indicadores para monitoramento de tempo de preenchimento de vaga, custo por vaga, turn over por posição, nível de aderência de candidato selecionado.  São ações comuns que equipes de recrutamento sempre dispuseram a fim de gerenciar seus fluxos de processo de trabalho. Mas 2020 chegou, e isso se tornou insuficiente.

A construção do trabalho remoto

Há alguns anos que nossas equipes de recrutamento já vêm trabalhando em formato remoto, utilizando ferramentas de comunicação que viabilizam avaliar candidatos que estejam a milhas de distância. Mas sempre tiveram uma atuação mista, lançando mão de técnicas presenciais e remotas.

Entretanto, com a pandemia que estamos vivendo, fomos forçados a uma migração urgente para a “remotização” de 100% das práticas de recrutamento e seleção. Grandes empresas globais, principalmente as pertencentes ao segmento de tecnologia, já trabalham há tempos exclusivamente com recrutamento remoto, fazendo uso de testes técnicos e comportamentais, técnicas de dinâmica de grupo, entrevistas, todos online.

E, graças a essa expertise e a essa demanda anterior à pandemia, é que pudemos dispor de ferramentas que atenderiam imediatamente a demanda forçada pelo contexto de distanciamento social. E isso gerou uma nova adaptação acelerada dos recrutadores que ainda baseavam uma percentagem das suas práticas de trabalho na atividade presencial.

Novamente a figura do recrutador e seu papel na organização foi transformado. Porque além da movimentação para o trabalho remoto, ele teria que se adaptar a uma nova demanda: gerenciar conflitos sócio emocionais dos candidatos, que devido à fragilidade mental gerada pelo contexto de pandemia, começaram a apresentar nas entrevistas, nas provas, diferentes variáveis que deveriam ser entendidas e analisadas pelo recrutador dentro desse recorte de entendimento de contexto / tempo / região / políticas públicas para lidar com a pandemia.

Nesses tempos de recrutamento, vagas remotas passaram a ter um grande poder de persuasão. Se antes as pessoas privilegiavam ter uma mesa fixa num grande e bonito escritório, hoje a visão de muitos mudou, após saborearem a oportunidade de almoçar com a família em casa, após sofrerem com o distanciamento, após o sentimento de impotência diante de algo tão pequeno e que nos mostrou que não controlamos nada. Nesse contexto, muitas vezes, nossos recrutadores estão sendo o espaço de escuta de anseios, de construção de visão de futuro, pois os interlocutores, nossos candidatos, estão em suas casas pensando como será o amanhã.

Pensando o nosso futuro

E diante disso tudo que vem acontecendo nessa grande linha de evolução do papel do recrutador no contexto organizacional, ainda nos vale a reflexão sobre 3 grandes desafios que permeiam todas as etapas vividas e continuam sendo tão presentes:

  1. Como introduzir na visão das demais áreas essa perceção da complexidade do papel de um recrutador?
  2. Como introduzir no contexto acadêmico, nas grandes escolas fornecedoras de mão de obra para o subsistema de atração de talentos dentro da área de Recursos Humanos, a necessidade de expandir esse olhar sobre as práticas de recrutamento e seleção?
  3. Como inspirar os candidatos a se verem nessa atuação, global, compreendendo que passaram a concorrer com pessoas de diversas partes do mundo?

Urge a necessidade de dar visibilidade à necessidade de um recrutamento bem executado, evidenciando por meio de números, demonstrando os dados vinculados à estratégia da organização, para que tenhamos a efetiva parceria dos gestores requisitantes para trazermos as melhores pessoas para as posições que temos em aberto. Além da visibilidade dos fatores que compõem a área, conseguiríamos uma maior assertividade no preenchimento das posições.

Quando começamos o processo de forma errada, sem definição de perfil, sem entender todo o contexto da demanda, sem de fato abrir para ter uma base consistente de candidatos capacitados, quando temos que preencher uma vaga em 2 dias, aumentamos consequentemente o risco de um preenchimento com fundamentação mais frágil, muitas vezes ocasionando investimento do dobro de tempo para reparar o erro.

Ao mesmo tempo que é urgente a necessidade de abrir a mente dos nossos estudantes que buscam a área de Recursos Humanos, para que compreendam o subsistema de Atração de Talentos não como algo operacional ou burocrático, mas sim como o lugar onde a estratégia da organização começa a ser executada.

É lá no embrião, na formação dos nossos profissionais de recrutamento, que conseguiremos mudanças efetivas, fazendo deles exemplos personificados do engajamento e da execução da estratégia organizacional através da excelência da sua prestação de serviços, e com isso, reduzindo custo, gerando melhor entrega de resultados, retenção de histórico da empresa e fortalecimento da cultura organizacional.

Por fim, precisamos de ações efetivas para a construção de um pensamento global nos nossos candidatos. Seja por meio de ações de marketing, feiras escolares, fóruns, mas precisamos gerar uma reflexão deles no que concerne o ato de candidatar-se e a preparação prévia para a candidatura.

Obviamente essa vertente não se aplica a todas as posições, pois ainda dispomos de muitos nichos de mercado com mão de obra operacional local. Mas isso não pode ser um impeditivo para a construção dessa visão do novo perfil de candidatura. Os candidatos precisam se perceber num lugar de maiores exigências, visto que devido às mudanças dos processos de trabalho, muitas vagas se tornaram globais, exigindo competências anteriormente não requisitadas num contexto apenas local.

E isso tudo precisa ser promovido como um maravilhoso mundo novo de possibilidades, pois percebo um novo retrato da realidade de busca de recolocação: é a chance de estar em qualquer lugar do mundo, interagindo com pessoas das mais diversas localidades, tendo à sua disposição uma janela de diversidade cultural e práticas diferentes, ao mesmo tempo que expande as chances de recolocação proporcionalmente ao volume de vagas globais.

Mas para isso, precisamos trabalhar arduamente para proporcionar uma nova visão do mercado de trabalho, incutindo em nossos potenciais talentos a perceção de que há, literalmente, um mundo de possibilidades à disposição deles.