ASSÉDIO E ÉTICA – O QUE FAZER?

A TECITELA – IMPORT/EXPORT, Lda. era um empresa sediada no norte do país, pertencente a um grupo multinacional de origem inglesa e tinha uma gama de produtos muito variados ligados aos têxteis, com a produção de tecidos e peças de vestuário, com uma ampla gama de clientes, principalmente nos mercados inglês, francês, italiano e alemão, reconhecida internacionalmente pela qualidade e durabilidade dos seus produtos, pela rápida resposta às encomendas e pelo respeito pelo cumprimento dos prazos (quer de encomendas, quer de pagamentos a todos os seus stakeholders, quer das suas obrigações fiscais). O código de Ética da TECITELA era seguido, de forma quase obsessiva, por todos os colaboradores e o Departamento de RH desencadeava ações de formação mensais, dirigidas a todos os colaboradores, sublinhando as áreas mais sensíveis e explorando diversos aspetos do Código de Ética.

A fábrica era composta por várias linhas de produção e com a recente ampliação para o mercado asiático e sul-americano, Osvaldo, o Diretor da Fábrica, tinha contratado um gestor para a área financeira (Jerónimo) que já tinha tido alguma experiência neste ramo, aliado à sua atuação no mundo académico como professor convidado duma universidade na Guarda, que lhe pareceu ser o garante para o período conturbado que se avizinhava.

Jerónimo chefiava várias áreas, ligadas ao Departamento Financeiro, e deparou-se com pessoas que já estavam na Empresa há algum tempo, entre as quais no Serviço de Processamento de Faturas, onde se encontravam Margarida e Maria Antónia. A Maria Antónia era pouco mais velha que o Jerónimo, mas já se encontrava na Empresa há cerca de 10 anos. A Margarida era cerca de 12 anos mais velha que o Jerónimo, contava com uma experiência de 25 anos neste ramo, dos quais os últimos 18 já nesta Empresa.

Desde o início que o Jerónimo tinha manifestado algum descontentamento por esta área, porque tinha pessoas com alguma idade e porque pretendia contratar alguns dos seus ex-alunos, mas não lhes conseguiria pagar os salários que as duas tinham, bem como não conseguiria fundamentar corretamente a sua ideia. Para suportar as suas decisões criou um conjunto de indicadores de desempenho aplicados às várias áreas da sua responsabilidade, que tinham de ser comunicados periodicamente por email à sua secretária. Esta, por sua vez, compilava os dados e comparava com os dados de empresas de consultoria externas para este tipo de serviços (tesouraria, logística, compras e processamento de faturas).

Num determinado dia, verificou que os níveis de desempenho da Margarida se encontravam muito abaixo do quartil inferior do benchmarking e foi falar com o Osvaldo, para que se encontrasse uma solução para a saída dela da Empresa. Explicou que o nível de desempenho se deveria, muito provavelmente, aos problemas pessoais que ela tinha atravessado, com a separação do marido que também lá trabalhava e tinha abraçado uma oportunidade numa filial em Itália, o facto dos filhos estarem a estudar em Coimbra, estar sozinha ali não a ajudaria muito e que deveria ser essa a causa deste baixo nível de desempenho.

Osvaldo disse-lhe para ter atenção ao que iria fazer e para cuidar de tratar as pessoas com o respeito e a dignidade que todos merecem, mas que procedesse da forma que entendesse ser a mais adequada.

Assim, Jerónimo chamou a Margarida ao seu gabinete e propôs-lhe que aceitasse o plano de saídas que a área de RH tinha concebido, dado que se encontrava ali sozinha, longe da família, afastada dos seus filhos, e que estes factos estavam a perturbar decididamente o seu desempenho e, consequentemente, do Serviço de Processamento de Faturas.

A Margarida contrapôs que não se revia naqueles níveis de desempenho e que o facto de lá estar sozinha, longe dos filhos, não poderia estar a comprometer os seus resultados de laboração. E que não se via a sair da Empresa, principalmente, nesta altura da sua vida.

Quando saiu do gabinete foi ter com a secretária do Jerónimo, a Elvira, para validar os dados que tinham sido entregues e eis que a Elvira percebeu que se tinha enganado na compilação dos dados … a Elvira foi, de imediato, entregar a nova folha com os dados corrigidos ao Jerónimo. Mas, este já não estava no gabinete.

Após o almoço, quando a Margarida chegou ao seu escritório, a Maria Antónia veio ter com ela e disse que, por ordens do Jerónimo, iria retirar todas as faturas que ela tinha para processar, desligar o computador e retirar todo o seu serviço. A Margarida não queria acreditar … e foi ter com o Jacinto, técnico de RH, amigo e colega de longa data, contando-lhe o que tinha acontecido. Este diz-lhe “Não ligues, isso passa, mantém-te lá e espera que te dê trabalho”, não valorizando a situação.

Passadas algumas semanas nesta situação, a Margarida entra numa forte depressão, passando o seu horário de trabalho sem nada que fazer, nem lhe sendo permitido ajudar quem quer que fosse, tentando falar com o Jerónimo e a única solução que este lhe dava era a saída da Empresa, porque não via alternativa para ela dentro da fábrica … apesar dele nunca ter falado com a área de RH.

A Margarida decide então falar com o Álvaro, responsável da área de RH, que inicialmente desvalorizou também o assunto e lhe mostrou quais as condições para o acordo de saída da Empresa, caso ela aceitasse. Com baixas sucessivas interrompidas por alguns dias de trabalho em que continuava tudo na mesma, ainda conseguiu ficar durante todo o Verão na organização. No entanto, apesar de não ficar satisfeita com a situação, vendo que não pareciam existir alternativas para a sua manutenção na Empresa, a Margarida resolve aceitar as condições e sair da Empresa.

No dia em que assinou o acordo de cessação do Contrato de Trabalho, ao falar com alguns amigos, uma das suas amigas aconselhou-a a pedir uma consulta a um advogado conhecido e que era especialista em assuntos laborais. Ligou e marcou a consulta para uns dias depois.

O advogado João Miguel, que se apercebeu de imediato da situação de assédio moral que a Margarida foi alvo, ao terminar a consulta preparou um texto e deu entrada com um processo em Tribunal de Trabalho. Decorridos 6 meses, o Juiz do Tribunal de Trabalho emitiu a sentença, condenando a TECITELA por negligência e a pagar, como compensação pelo assédio moral que a Margarida tinha sido alvo, o salário dos anos que faltavam à Margarida para a reforma e respetivas custas.

A empresa viu-se, assim, comprometida no respeito pela ética e na imagem corporativa que emanava, com os seus valores morais e históricos a serem “arrasados” pela atuação de um dos seus colaboradores, denegrindo a sua imagem exterior.

Em jeito de conclusão, tratando-se de um caso ficcionado, mas que de uma forma ou outra já ouvimos falar, apelamos ao sentido de zelo e de ética da área de RH e dos técnicos de RH que, independentemente da sua esfera de responsabilidade, devem estar atentos ao que se passa na organização e aos “sinais” que os colaboradores lhes vão transmitindo, procurando salvaguardar o respeito pela ética (esteja ela escrita em Código ou não) e pela dignidade humana com que todos queremos (e merecemos) ser tratados.