Carreiras: Quando ser despedido é uma bênção!

Hoje trago-vos mais uma partilha real, um episódio impactante na minha perspetiva sobre vários aspetos da vida, tanto profissional como pessoal.

Sou uma daquelas pessoas que quando me entrego, faço-o de corpo e alma. Que nunca desiste de nada e que acredita sempre que vai encontrar soluções para resolver problemas e melhorar as coisas que estão mal.

Sou assim em tudo o que faço, seja na vida pessoal, no associativismo, no desporto ou no mundo corporativo. A minha ligação às pessoas e às instituições que represento são quase sempre fortes e duradouras. Por muito tempo que passe, continuo genuinamente a sentir todas essas instituições como parte de mim e eu como parte delas.

Tudo isto para vos dizer que, em condições normais, este tipo de compromisso é algo extremamente positivo e potenciador de resultados e oportunidades, no entanto, como em quase tudo, há uma outra face da moeda. Um lado que é menos abordado e que quero destacar neste artigo.

A importância do compromisso com nós próprios!

O compromisso com uma organização/instituição nunca se deve sobrepor ao compromisso com nós próprios e com a nossa felicidade e bem-estar.

Para pessoas como eu, o risco destas duas dimensões entrarem em colisão está nas situações em que as coisas não estão a correr bem, mas das quais não queremos desistir, não podemos desistir, não podemos defraudar expectativas, as nossas e as dos outros! Quando sentimos que há algo que certamente não estamos a fazer bem, mas que ainda assim sentimos que podemos mudar o rumo dos acontecimentos; que somos capazes de tudo, que seremos capazes de dar a volta por cima, e que, só não somos capazes de “atirar a toalha ao chão”.

Pois bem, esta aparente resiliência (competência extremamente importante e cada vez mais determinante no sucesso individual) por vezes pode já não ser resiliência e ser apenas falta de consciência e de noção. Pode ser aquela situação em que somos os únicos que não estamos a ver as coisas como elas são e que na verdade, o único caminho racional deve ser desistir e perceber que “isto não é para mim” ou “isto não está a resultar”!

No meu caso, o facto de ser alguém resiliente, autoconfiante, determinado e motivado acabou por me “atrapalhar” numa das minhas experiências profissionais, levando-me a não saber parar.

Felizmente, fui despedido!

O meu contrato estava a finalizar e não foi renovado. Em boa verdade, eu sabia que podia acontecer, mas tinha a convicção de que, alguém com poder de decisão se iria focar no meu potencial e isso iria sobrepor-se aos meus resultados e aos da organização, e o meu contrato seria certamente renovado. Felizmente, não o fizeram e com isso deram-me uma oportunidade!

Digo felizmente, porque não teria tido a coragem de me despedir, de desistir. Continuaria infeliz com o trabalho nesta busca incansável por ser bem-sucedido.

Sendo honesto, já estava no ponto em que ao domingo à noite entrava em stress e ficava triste por saber que ia trabalhar, que tinha um osso duro de roer pela frente e que não estava a conseguir ter sucesso.

Mas ao mesmo tempo, confesso que em momento algum pensei em desistir, pois na minha cabeça, isso era para os fracos. Eu ia dar a volta, ter sucesso e depois aí sim, decidia se queria continuar ou se queria sair pelo meu próprio pé.

Passado muito pouco tempo de sair da empresa, e já depois de entrar numa outra empresa tudo se tornou claro para mim, tinha atravessado uma situação de burnout e não tinha tomado essa consciência em tempo útil. Precisei que outros tomassem uma atitude por mim, porque eu estava apenas focado nos resultados do meu trabalho e deixei de lado os sinais relacionados com o meu bem-estar.

O facto de ter atividades fora do trabalho com elevado impacto na minha equação de felicidade (era desportista federado), sempre me permitiu equilibrar-me física e mentalmente e manter-me globalmente uma pessoa motivada e feliz, mesmo não sendo feliz no trabalho.

Os meus amigos e colegas de trabalho mais próximos diziam-me (com as melhores das intenções) que eu tinha imenso potencial e que ia dar a volta à falta de resultados, que as coisas iam correr bem e que os responsáveis da empresa sabiam do meu potencial. Este feedback sempre funcionou como uma adição ao que eu já sentia e manteve-me firme na minha luta.

Até que, surgiu uma conversa com um grande amigo, mais velho e mais experiente, que me diz: “João, não está a resultar. És muito bom no que fazes e tens muito potencial, mas não nesta empresa. Estás apenas a desperdiçar o teu tempo. Procura outras coisas, pois eles não vão hesitar em mandar-te embora. O que lhes interessa são os resultados, se não estás/estão a ter resultados e ainda por cima não estás feliz, cada dia que te mantenhas nesta empresa é menos um dia que tens para fazer algo que te apaixone e que aproveite todas as tuas qualidades e competências”.

O que é afinal ser bem-sucedido?

Hoje olho para trás e, naquela poderosa conversa, recebi tudo o que precisava para tomar uma decisão e ser eu o verdadeiro dono da minha carreira. Mas não o fiz! Fiz precisamente o contrário e acabei por deixar que alguém decidisse o meu futuro por mim.

Agradeci imenso o conselho do meu amigo, mas na minha mente, decidi que seria mais uma pessoa a quem eu iria provar que eu era capaz de dar a volta à situação e que ia ser bem-sucedido. Ainda assim, o que o meu amigo me disse preencheu-me o pensamento durante todo o tempo em que permaneci na empresa e, foi dele que me lembrei quando fui despedido.

No dia em que fui despedido, uma sexta-feira, senti-me diminuído e derrotado. Reconheci nessa altura que era uma questão de tempo até aquele desfecho se consomar e que eu sabia disso.

Após um fim-de-semana de reflexão, na segunda-feira de manhã, estava com o computador à frente e o telemóvel na mão, à procura de novos desafios e, surpreendentemente, com um enorme entusiasmo por sentir que era livre e que tinha novamente um sem fim de oportunidades para explorar. Foi muito bom voltar a sentir que eu era dono do meu futuro e tornou-se claro para mim que não devia estar refém do suposto sucesso, que acreditava que significava ter resultados a todo o custo.

Percebi por fim que ser bem-sucedido é muito mais que provarmos (a nós e aos outros) que somos capazes de superar todos os desafios. Em contrapartida, eu deveria ser capaz de escolher os desafios que queria superar e ter liberdade para o fazer, isso sim faria de mim alguém bem-sucedido.

Este episódio fez-me estar mais atento aos sinais e mais consciente da importância de parar para pensar, de fazer um balanço periódico de como nos sentimos no nosso trabalho e perceber se nos traz mais coisas boas ou coisas menos boas. Contudo, percebi também que este balanço deve ser feito de forma calma e tranquila e não apenas quando algo corre mal, pois isso vai enviesar a análise e pode levar-nos a decisões precipitadas.

Ser resiliente faz parte de mim, tal como vestir a camisola das marcas que represento e ser totalmente dedicado aos outros e aos projetos em que estou inserido. Ainda assim, o maior compromisso tem de ser sempre comigo próprio. Se estiver a corromper esse compromisso, não conseguirei ter um compromisso válido com mais ninguém.

A prioridade da felicidade e do bem-estar!

Com este artigo pretendo alertar para a importância de pensarmos no nosso bem-estar, mas também na relevância de transformamos episódios menos positivos em aprendizagens e alavancas de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional. Devemos ter a coragem de lutar por tudo o que nos faz bem e de desistir de tudo o que nos faz menos bem! Não se deixem levar pelo receio de mudar, mas ao mesmo tempo não mudem ao primeiro contratempo. Parar para pensar é fundamental para tomar decisões ponderadas. Não ignorem os sinais que vão surgindo e definam sempre o que para vocês é ser bem-sucedido, para que consigam avaliar se estão no caminho certo e a gastar tempo e energia onde e com quem vale realmente a pena.