Desafios com o capital humano na indústria de petróleo e gás em Moçambique

O capital humano constitui hoje uma componente chave e um elemento diferenciador entre as empresas, as quais partilham similarmente uma componente tecnológica e processos de produção. O que realmente diferencia hoje uma empresa da outra e que traz uma vantagem competitiva é o capital humano. Por isso, a gestão do capital humano, como qualquer outra área numa organização, está sujeita à desafios. O que constitui uma vicissitude própria em qualquer indústria.

Numa análise específica para Moçambique, com o advento das gigantes petrolíferas e a consequente procura de mão de obra local qualificada, esse desafio torna-se relevante a realçar. Na verdade, dúvidas não restam de que não estávamos totalmente preparados, como país num todo, aos desafios que se impõe nesses projectos a vários níveis.

Entre tantos, podemos ter desafios ligados ao capital humano, nomeadamente: a gestão e retenção de talentos, desenvolvimento de competências, as novas tendências em gestão de recursos humanos e o recurso ao trabalhador estrangeiro. Essa lista de desafios é resultado de uma análise de experiências pessoais nessa indústria. Assim sendo, importa elucidar:

Gestão e retenção de talentos

Enquanto de um lado nos debatemos com o problema de desemprego com maior enfoque para a juventude, do outro lado existe a chamada  guerra de talentos. A guerra de talentos, por assim dizer, é a forma mais simples de qualificar um processo em que diversas organizações na indústria de petróleo e gás tem de passar para atrair os melhores quadros da indústria para si. A forma mais comummente conhecida é  o poaching. Esse é um processo que uma certa empresa usa para atrair um talento de uma outra organização para si.

Na indústria de petróleo e gás em Moçambique existe muito poaching de talentos. Existe, na verdade, muita mobilidade de talentos entre as empresas do ramo. Não é estranho que num espaço de 25 anos um único engenheiro de petróleos possa ter trabalhado em 5 empresas diferentes em Moçambique. As razões dessa mudança podem ser várias, sendo algumas de índole mais pessoal, mas releva muito o facto dos talentos deixarem uma empresa para outra por razões ligadas à própria empresa.

O poaching

Numa perspectiva simplista, pode poupar custos às empresas, porque não haverá muito investimento na formação. Contudo, isso provoca uma escalada de custos para a indústria no sentido de que os talentos ficam cada vez mais caros a transitarem de uma empresa à outra.

Noutra perspectiva, as empresas de petróleo e gás, principalmente as multinacionais, usam muito a força sazonal em seus projectos de perfuração e pesquisa. Essa força sazonal é composta por profissionais com competências únicas e especificas do ramo e que cavalgam pelo mundo todo em quase todos os projectos de perfuração ou pesquisas, sempre em regime rotacional de 28 dias, mais ou menos. Aqui fica o desafio de como atrair esses profissionais altamente qualificados e experientes para o caso dos projectos de petróleo e gás em Moçambique.

Isso leva com que as empresa repensem nas suas estratégias de retenção para garantir que tenham a todo tempo o talento necessário para garantir a sustentabilidade e a expansão dos seus negócios e operações.

Para fazer face à esse desafio, cada empresa adopta uma estratégia diferente dependendo também da estratégia empresarial. Contudo, alguns traços comuns adoptados por algumas empresas incluem a revisão da sua proposta de valor ao colaborador num pacote único que pode abranger tanto a cultura organizacional, a estrutura organizacional, o pacote de compensação e benefícios e a liderança. A revisão da proposta de valor comporta o reforço do employer branding. Contudo a proposta de valor não será aplicável uniformemente a todos. Por exemplo, para profissionais sazonais a que nos referimos acima, valerá mais um salário alto do qualquer outra componente. Esses profissionais trabalham como mercenários, não ficam ligados emocionalmente à qualquer organização.

Contudo, uma estratégia de retenção de talentos mais pragmática e sólida, ligada à um planejamento sustentável da força laboral consubstancia-se de extrema importância.

Desenvolvimento de competências

Na componente de competências requeridas para a indústria de petróleo e gás, um estudo da UPI, Lda[1] demonstra que existe uma lacuna entre as competências que o mercado de petróleo e gás está disponível a oferecer e as competências que as instituições de ensino em vários níveis oferecem hoje. Isso resultará desde logo que o mercado de petróleo e gás possa ter num futuro breve mais postos de trabalhos disponíveis e que só poucos moçambicanos possam ocupá-los.

Nesse contexto, uma larga parte dos postos disponíveis poderão ser ocupados por estrangeiros com mais experiência. Essa situação poderá perdurar por alguns anos, considerando o processo de desenvolvimento de competências típico da indústria de petróleo e gás. São exemplos típicos as funções de engenheiro de petróleo, engenheiros de poços de gás, economista de petróleos e geocientistas. A colocação numa função do género requer não só uma formação, mas largamente uma experiência sólida. Isso leva o seu tempo.

Em resposta às lacunas existentes nessa componente de competência, várias empresas têm adoptado vários programas, uns de forma sistemática e outros de forma isolada. Contudo, é alarmante que iniciativas de desenvolvimento de competências estejam a ser implementadas de forma isolada, porque o impacto pode não ser visível e totalmente desalinhado com a estratégia nacional de desenvolvimento.

Nesse caso, é importante que qualquer iniciativa de desenvolvimento de competências seja alinhada à política nacional de desenvolvimento de Moçambique

a qual tem a componente de desenvolvimento de capital humano como um dos seus pilares fundamentais. A mesma estratégia repara para o desenvolvimento do capital humano numa perspectiva mais global. Nesse caso, qualquer iniciativa de desenvolvimento de competências deverá estar alinhada à mesma.

Neste diapasão, a componente de desenvolvimento de competências necessárias à indústria de petróleo e gás não deve focalizar-se somente naquelas necessárias no presente e no futuro, mas deve também focalizar-se na preparação de base a partir da educação primária.

Assim sendo, algumas empresas adoptaram estratégias de desenvolvimento de competência assente em três pilares fundamentais: educação básica/ primmária, educação profissional e desenvolvimento profissional. A educação primária visa preparar uma base inicial sólida garantindo uma melhor qualidade de ensino desde cedo e despertar interesse pelas áreas técnicas na tenra idade. A educação profissional visa dar resposta a curto prazo às necessidades de mão de obra na indústria. O desenvolvimento profissional visa desenvolver competências de liderança necessárias, abrangendo não somente cursos de desenvolvimento de liderança, mas também os programas de desenvolvimento de graduados e estágios profissionais.

As novas tendências na gestão do capital humano

Por tradição, as empresas de petróleo e gás à semelhança das mineradores, são conhecidas por serem conservadoras nas suas políticas e sistemas. Mais recentemente algumas empresas tendem a quebrar essa percepção demonstrado mais agilidade. A rigidez não será saúdavel para que uma empresa esteja em vantagem competitiva com as outras. Por isso, as empresas são chamadas a reinventar-se estarem atentas aos ventos da mudanças – as novas tendências. Entre a rigidez clássica e as novas tendências há que escolher um caminho.

Um estudo conduzido pela Flow Moçambique[2] aponta para as seguintes tendências em Moçambique para 2018, com maior predominância em employer branding, people analytics e flexibilidade no trabalho. Já para 2019 são apontadas as sequintes tendências de forma predominante:  people analytics, employer branding e transformação digital.

Já a nível global, é de salientar o estudo feito pela KPMG[3] que realça aquilo que certas organizações pioneiras no processo de transformação têm estado a fazer. Aponta o estudo que as funções de Recursos Humanos dessas organizações pioneiras (pathfinding organizations) têm estado focalizadas em: estabelecer a força laboral do futuro, estabelecer uma cultura organizacional guiada para um propósito, estabelecer uma experiência laboral única, estabelecer decisões acerca de pessoas e a força laboral usando dados.

Sem dúvidas, as novas tendências de gestão de recursos humanos a nível global estarão intrinsecamente ligadas à quarta revolução industrial. As empresas do ramo do petróleo e gás terão de reinventar-se à essa nova realidade? Com certeza que terão. E sendo algumas delas multinacionais terão de ser pioneiras.

O recurso ao trabalho estrangeiro

O recurso ao trabalhador estrangeiro, principalmente nas multinacionais de petróleo e gás, acarreta consigo tantos desafios, mas dois relevam na nossa perspectiva: elevados custos laborais e choque cultural nas joint ventures.

Elevados custos laborais

Na perspectiva de custos laborais, é certo que ao trabalhador estrangeiro estão associados custos com o transporte, acomodação, subsídios vários, escola dos filhos, seguro médico internacional, seguro de vida entre outros. O custo que a empresa acarreta com o trabalhador estrangeiro pode chegar ao dobro ou o triplo comparado com o de um trabalhador local. A longo prazo isso pode não ser sustentável para as empresas. Nessa lógica, muitas empresas tem investido seriamente em planos de sucessão e de transferência de conhecimentos para os trabalhadores locais. O grande desafio com os planos e de transferência de conhecimento é saber em que medida serão seriamente exequíveis com resultados tangíveis tanto a longo ou a médio prazo. Aqui a intervenção da autoridade reguladora, nesse caso on INP –Instituto Nacional de Petróleos deve ser notável.

Choque cultural

Na perspectiva de choque cultural nas joint ventures, é importante notar que a as multinacionais de petróleo e gás recorrem variadas vezes às joint ventures como forma de partilhar o risco nos seus investimentos. Problemas maiores são notáveis naquelas joint ventures que comportam na sua estrutura organizacional representantes ou trabalhadores das diversas empresas que compõem a joint venture. No entanto, o choque cultural tanto pode ser a nível da cultura nacional e da cultura organizacional. A nível da cultura nacional, o trabalhador estrangeiro vem de um país com uma cultura diferente de Moçambique.

Claramente não percebendo a cultura nacional haverá choques com os trabalhadores locais. A nível da cultura organizacional problemas de maior surgem pelo facto de uma joint venture ter de acomodar representantes ou trabalhadores que constituem o consórcio. Esses representantes estão imbuídos de elementos típicos da cultura organizacional da empresa a que pertencem. Aqui reside o problema.

E para fazer face aos desafios acima apontados as empresas adoptam soluções variadas. Tayeb[4] propõe a formação aos gestores e trabalhadores em matéria de integração cultural e a criação e sustentação de uma medida de empatia trans-cultural.

Em conclusão, em matéria de gestão do capital humano no sector de petóleo e gás, vários são os desafios que podem ser elucidados. Os que aqui levantados são os que pela nossa experiência merecem maior destaque. Contudo, haverá sempre soluções à cada desafio, cabendo a cada empresa adoptar a solução que mais se adequa ao seu modelo e estratégia de negócio.


Referências:

[1] MARTINS, Zeferino et al, Mozambique Skills Baseline Study, pág. 63-64, disponível em: https://www.researchgate.net/publication/316685589

[2] sa, Tendências de RH em 2019, sd, pág. 2

[3] KPMG, The Future of HR 2020, which path are you taking? November 2019, page 4.  

[4] TAYEB, Monir, Managing People in Global Markets, GM-A2-engb I/2017(1043), Edinburgh Business School, page 10/15.