Entrevista com Dora Martins sobre Cultura organizacional e o sucesso da empresa

A Comunicarh é media partner do Congresso RH Porto 2023, marcado para o dia 8 de novembro, realizado pela Editora RH. Tivemos o prazer de falar com Dora Martins, docente do ISCAP para saber um pouco do tema que irá moderar no painel do evento.

Vai moderar no Congresso RH o painel “Cultura organizacional e o sucesso da empresa”. Na sua opinião, como olha para a pertinência de temas como as competências emocionais, a liderança e a comunicação como fatores críticos de sucesso?

A Gestão de Recursos Humanos desempenha, hoje, um papel absolutamente fundamental na definição de respostas organizacionais para gerir o recurso mais valioso das nossas organizações, que são as PESSOAS. Não tenho dúvidas de que uma das respostas que se revelou mais eficaz nos últimos anos foi a necessidade de agilidade e flexibilidade, com estratégias de tentativa-erro em vez de um plano de continuidade e evolução pré-determinado, como estávamos a ser habituados. Com a pandemia COVID-19, o paradigma das práticas, mais ou menos sofisticadas e viradas, ou mais para as pessoas ou mais para os processos, mudou de forma disruptiva. Hoje, a Gestão de Recursos Humanos, para ter sucesso, tem de implementar uma gestão pessoa-a-pessoa num ecossistema cada vez mais complexo e ambíguo. Claro que esta necessidade exige competências socio-emocionais diferentes, um estilo de liderança mais humanizado e uma comunicação mais eficaz por parte dos profissionais de Recursos Humanos. Por outro lado, hoje, o propósito da Gestão de Recursos Humanos já não é só o colaborador e/ou os processos de trabalho, mas alargou-se a preocupações também com a Sociedade, o Planeta que, naturalmente, condicionam a atuação das organizações e, por inerência, as opções em termos de atração, desenvolvimento e retenção de talentos, sendo estas cada vez mais focadas na sustentabilidade, na responsabilidade social e na inclusão. Ultimamente, o foco parece encaminhar-se para preocupações como Felicidade Organizacional, Confiança, Propósito que, não sendo conceitos novos, eram vistos como termos nada pragmáticos e ajustados à realidade e contextos em que atuavam as nossas organizações.

Estas mudança intensificam a importância de os profissionais de Gestão de Recursos Humanos adquirirem ou desenvolverem competências socioemocionais para promoverem um espaço de diálogo aberto, promovendo a estabilidade emocional dos colaboradores, uma vez que a cultura do presentismo dá lugar a uma cultura de responsabilização e confiança. Neste sentido, a comunicação, ainda que muitas vezes feita à distância, é fundamental para reforçar a transparência, a confiança, a motivação, a tranquilidade dos colaboradores e contribuir para o comprometimento organizacional. É indiscutível que tudo mudou e bastante rápido, por isso, diria, que há muito interesse em explorar e refletir sobre até que ponto estes temas são fatores críticos de sucesso. Este painel terá, com certeza, esse contributo.

Que desafios identifica para os gestores de RH nas empresas portuguesas?

Ocorrem-me vários desafios, mas tentarei detalhar pelo menos aqueles que na minha opinião são mais emergentes. Um deles, é o fenómeno da “great resignation”, um conceito que teve a sua origem nos Estados Unidos, em 2020, em que cerca de 20 milhões de pessoas decidiram mudar de carreira, por sentirem não estarem felizes nas empresas ou nas profissões que desempenhavam. Mas, para quem tem de gerir recursos humanos e, sobretudo responder a empresas que necessitam de ter os colaboradores presencialmente nas suas estruturas, este facto que, indiscutivelmente, alargou-se a outras geografias, e Portugal não foi exceção, traz diversos desafios à função Gestão de Recursos Humanos, especialmente na atração e retenção de talentos. As dificuldades passam, sobretudo, pela necessidade de equilibrar os modelos de trabalho, presenciais, híbridos e/ou remotos com as exigências do negócio. Se, a este fenómeno juntarmos outros como a maior diversidade geracional no mercado de trabalho assim como mudanças nas gerações predominantes no mercado de trabalho, este é outro desafio que não sei se os gestores e a própria sociedade estarão preparados para responder a estas mudanças e ao défice de competências socioemocionais, cada vez mais necessárias numa era que é digital, mas requer humanização. Por outro lado, também se verifica haver um grupo de colaboradores altamente empenhados nas organizações para as quais trabalham e, para este grupo de colaboradores, a gestão de recursos humanos tem de ter uma atenção redobrada, nomeadamente em termos de proteção da sua saúde mental (não caindo em exageros nas exigências de trabalho ou no alargamento de tarefas); no desenvolvimento de competências adequadas às transformações radicais no mercado de trabalho dos últimos anos, aceleradas pela pandemia COVID-19 (especialmente, a necessidade de investimento em competências de literacia digital) e, sobretudo, no alinhamento de expectativas e propósito da organização, da função e do colaborador. Naturalmente, a adequabilidade da política salarial às competências demonstradas e as perspetivas de evolução de carreira têm de ser aspetos intrínsecos à retenção destes colaboradores, sob pena de comprometer oportunidades de negócio por escassez de pessoas e, em particular, de talentos.

Outro desafio, é esta extensão temporal ainda sem fim à vista, de um período de crise que obriga as empresas a desenvolverem estratégias capazes de responderem a exigências como redução de custos, mas que, ao mesmo tempo, permitam crescimento da produtividade, proteção da saúde e bem-estar dos trabalhadores, mas também que valorizem os conhecimentos, as competências, as capacidades e as motivações dos colaboradores para trabalharem em tempos de crise, o que questiona as estratégias de atração e de retenção que vinham a ser indicadas como as mais sofisticadas e eficazes em tempos de estabilidade. Contudo, conseguimos, agora, perceber que gerir pessoas em tempos de crise requer papéis, atividades e práticas bastante diferentes das utilizadas nos períodos de maior estabilidade ou prosperidade económica.

Outro dos desafios é a conciliação trabalho-família e família-trabalho que os novos modelos de organização do trabalho trazem. São diversos os estudos que mostram que problemas como burnout, ansiedade e stress estão a afetar os trabalhadores em regimes de flexibilidade, nomeadamente quando em home-office, mas também uma diminuição do empenhamento organizacional, sobretudo entre trabalhadores remotos. A adoção crescente destes modelos de trabalho, seja por moda ou por pressão do mercado de emprego dominado por gerações adeptas da maior flexibilidade laboral, está a mudar a cultura organizacional, e, por consequência, as práticas de gestão de recursos humanos tendem a ajustarem-se. Vejamos a título de exemplo, os processos de acolhimento e integração, nomeadamente os kits para novos colaboradores, a política de benefícios sociais, concretamente a diversidade de opções e a adoção de planos de benefícios flexíveis. Diria que estas mudanças estão a encorajar os líderes a desenvolverem uma liderança, cada vez mais amiga da família que ajude os trabalhadores remotos a gerirem as suas necessidades de conciliação família-trabalho para conseguir maior eficácia na conciliação trabalho-família. Um recente inquérito realizado pela consultora Gartner a mais de 500 líderes de RH ligados às principais indústrias, em 40 países, conclui que 41% dos líderes de RH afirmam que a ligação dos trabalhadores à cultura organizacional está ameaçada com o crescimento do trabalho híbrido e muitos destes profissionais de GRH não sabem como agir para promover a mudança de modo a recuperar a cultura organizacional desejada e o comprometimento dos colaboradores com esta cultura organizacional e, naturalmente isto é um desafio para quem tem de gerir pessoas.

Como vê a academia enquanto stakeholder crítico da gestão de recursos humanos?

Esta é das questões mais delicadas para se responder. Porque há os académicos mais conservadores sobre o papel do ensino que continuam a defender uma abordagem clássica e uma supremacia da academia e há os mais liberais, que são bastante críticos do ensino que temos disponível no sistema formal, o que justifica a proliferação da oferta educativa através das escolas de negócios. Recentemente, li uma notícia sobre os resultados da 49ª edição do Barómetro Human Resources que refere a formação académica como um critério secundarizado face às competências e à experiência. Naturalmente, que isto é preocupante para uma pessoa como eu, enquanto docente do ensino superior, pois questiona a relevância do papel que as instituições do ensino superior têm enquanto stakeholder do mercado de emprego e no desenvolvimento dos negócios e das sociedades.

Claro que é incontornável a utilização crescente de ferramentas tecnologicamente avançadas não só no contexto de trabalho, mas também e em particular, na gestão de recursos humanos e que se traduzem em profundas mudanças ao nível do emprego e das profissões. Esta realidade exige novos conhecimentos e métodos de aprendizagem dos quais o ensino, seja ele básico, secundário ou superior, não pode ser excluído da responsabilidade de intervenção ativa e imediata. Mas, diria que é, ainda, prematuro, fazer essa discussão em contexto público. Por força do avanço repentino da inteligência artificial generativa, a preocupação imediata está em perceber como pode o ensino beneficiar deste avanço tecnológico para acelerar a aprendizagem que possa ser adequada a quem, na prática, quer implementar a digitalização nos processos de gestão de recursos humanos. Não escondo que tenho uma grande curiosidade sobre o futuro do ensino e de como será um dos setores que maior transformação irá sofrer a bem do desenvolvimento do mercado de emprego, especialmente na área de Gestão de Pessoas.

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