ESG só floresce em ambiente de alto IQH

Sustentabilidade não é só check list de pendências socioambientais. Nem só uma lista de “to do’s” empresariais para reduzir ou eliminar externalidades ao planeta e às pessoas. Tem a ver com princípios, valores e cultura. Cultura diz respeito a gente. Gente, claro, com valores e princípios.

Este interminável período de pandemia, marcado por distanciamento social, inseguranças e vulnerabilidades de toda ordem, mas também pela ascensão global do conceito de ESG, confirmou tudo o que venho aprendendo nas últimas décadas: o que faz a diferença na evolução da agenda de sustentabilidade nas empresas são as pessoas. Sei que a frase pode soar um clichê de recursos humanos. Mas aceito o risco. Quando trato aqui de pessoas, refiro-me ao que o economista bengalês Muhamad Yunus, em entrevista ao El País, chamou de “humanos reais”, não os “homo economicus” que tivemos de aprender a ser para nos enquadrarmos num pensamento econômico empresarial, controlador e perverso, que define as pessoas pelo que entregam, não pelo que são.

ESG pressupõe um tipo de envolvimento apenas possível para humanos reais.

Não é assunto para tecnocratas. Não se restringe a green bonds, ratings e reports. Excede a visão utilitarista, a fúria das planilhas, o peso dos KPIs e o impacto maior ou menor no valuation do negócio para se situar num território demarcado por premissas menos econômico-financeiras, como, por exemplo, a de que pessoas e meio ambiente não são recursos a se explorar num projeto de prosperidade para alguns poucos, mas extensão de nossa humanidade, sujeitos do valor que queremos –ou devemos –gerar com os nossos negócios.

Se existe, portanto, um parâmetro de diferenciação a determinar as melhores empresas em sustentabilidade, ele se define pelo que chamo de IQH (Índice de Qualidade Humana) – uma combinação de elementos intangíveis como ética, transparência, empatia, confiança, decência, altruísmo, respeito, escuta afetiva, mente, coração e espírito abertos.

Explico melhor. Nos últimos 10 anos, eu e minha equipe de Ideia Sustentável, desenvolvemos quase uma centena de movimentos de construção de estratégias de sustentabilidade. Só nos 18 últimos meses, foram 30. Lidamos com centenas de CEOs e executivos. Com milhares de profissionais de diferentes níveis. Um rápido balanço, feito exclusivamente para este artigo, revela a existência de duas variáveis determinantes nos casos mais bem sucedidos: (1) a participação convicta e entusiasmada do CEO; e (2) um time de apoio engajado, resiliente e movido a propósito. Ambos, CEO e equipe, com alto IQH.

Nas situações em que convivemos em ambientes de baixo IQH, não por acaso, a experiência de implantação de sustentabilidade andou de lado, sinuosa, vacilante e propositalmente imprecisa.

Foi procrastinada com o desvelo dos que só acreditam em sustentabilidade se isso resultar em ganho financeiro para a empresa ou se o cliente estiver disposto a pagar pela ideia. Foi tratada como um mero encadeamento de decisões técnicas, com a mesma frieza protocolar, desprovida de anima, com que se conduz a interrupção de um produto, a compra de novas máquinas ou a reforma num centro de distribuição. Decisões de negócio em ESG são essencialmente humanas porque impactam a vida de indivíduos e ecossistemas. E determinam quão mais justo, feliz e próspero pode ser o nosso futuro comum.

Dos líderes e equipes com baixo IQH, confesso, já não me lembro mais. Representam, quando muito, o ligeiro vestígio de um filme de que participei por acaso, corpo presente, para cumprir uma obrigação profissional.

Já os muitos líderes e equipes com alto IQH seguem hoje sendo minha principal fonte de inspiração. Lembro deles todos os dias. Cito-os nas minhas apresentações. Com eles aprendi sobre os negócios e os seus dilemas. Sobre renúncias que advêm de decisões mais sustentáveis de negócios. Sobre coragem, resiliência, desapego, determinação. Sobre a ética de legar para as gerações futuras uma sociedade e um planeta melhores. E de ser melhor para o mundo.