Futuro do Recrutamento

Aveiro, 27 de Novembro de 2026

Nota: faz hoje 15 anos que escrevi o trabalho para a cadeira de SGRH 1 desafiado pelo professor João Gouveia…

Querido diário,

Cheguei agora do trabalho!

Foi um dia cansativo: recebi um e-mail da sede da empresa na Índia com informação acerca de um projeto novo – um programa de recrutamento de seniores portugueses de alto potencial para serem desenvolvidos e depois expatriados para uma das delegações da empresa no Burkina Faso, Alasca ou Nauru.

Refleti sobre o tempo em que os recrutamentos de candidatos com potencial eram destinados a “jovens de elevado potencial”… hoje, com o aumento da idade da reforma, ao recrutar um candidato entre os 45 e os 55 anos, ainda garantimos um período ativo na empresa de 30 ou 20 anos respetivamente. Adicionalmente, tem a vantagem de que estes candidatos, alguns deles nascidos no início da década de 80 (gerações que as ciências sociais apelidaram de “Millenials” e “Nativos Digitais”), e embora as tecnologias tenham evoluído nestes últimos 15 anos, têm uma facilidade de adaptação a tudo o que de mais inovador surge em termos informáticos e de ferramentas de trabalho, que não se verifica noutras gerações.

A lógica da aprendizagem informal e de “tentativa – erro” com que sempre contactaram, a habituação ao trabalho e relações em rede e à vivência a uma escala global, trazem a estes profissionais uma vantagem competitiva em relação a candidatos mais novos, já nascidos numa época de “crise”, em que o emprego não abunda, que não tiveram a possibilidade de ter oportunidades de emprego em que apliquem as suas competências e que os valorize. Estes jovens são também fruto de uma época em que as instituições formais de ensino adotaram o sistema de Bolonha, numa lógica de preparar os alunos para uma economia à escala global, mas que, ao mesmo tempo, diminuíram de certa forma a qualidade do ensino, mais orientado agora à opinião e participação individual do que a teorias basilares e fundamentais das várias ciências (a redução da carga horária letiva, obriga ao aumento das sinergias entre aluno e professor através de contactos mais frequentes fora da sala de aula, e que se baseia mais no trabalho reflexivo, exploratório e de crítica, que obrigará também este a uma atualização e formação mais frequente e constante para poder acompanhar e orientar os alunos) que, se por um lado coloca estes jovens numa posição privilegiada em termos de soft skills (pela capacidade de comunicação e relacionamento), por outro não lhes fornece competências técnicas suficientes para serem recrutados mal terminam as suas formações.

Parti então para a ação: procurei vários perfis na pool de candidatos na ferramenta de staffing da empresa, e também através do link que a ferramenta tem às redes sociais (principalmente ao Linkedin e ao BranchOut, ferramentas indispensáveis hoje para os processos de recrutamento). Lembrei-me dos tempos em que colocava um anúncio no jornal e, passivamente, aguardava que o candidato ideal me enviasse o seu currículo. Dizia eu, nesse tempo, que o futuro (que na altura já se começava a confundir com a realidade…) o recrutador teria que ser mais pró-ativo, e apostar em estratégias como o employer branding, o network e eventos e nas redes sociais.

Era ainda um projeto a ideia de fazer com que fossem os potenciais candidatos a procurar os empregadores, e que o recrutador tivesse já o manancial de candidatos disponível em ferramentas informáticas com bases de dados, filtros e ligações diretas aos candidatos, que permitissem fazer toda a gestão dos processos de Recrutamento & Seleção para, quando surgisse uma vaga, reduzir o tempo e os custos com o processo e tornando-o, desta forma, mais eficiente.

Hoje, a empresa tem que ter uma “marca” como empregadora que a faça ser procurada. Isto passa pelo que fazem os próprios recrutadores (são ou não conhecidos no mercado, participam ou não em congressos e conferências, são ou não convidados para falarem aqui ou ali, …), quer pelas atividades de personnel marketing da empresa para a qual trabalham (patrocinadora de eventos de especialistas, promotora de ciclos e palestras, …).

Também hoje, a questão passa pelo candidato ter um perfil “apetecível” disponível numa das redes sociais, e o recrutador procurá-lo diretamente. Só tem vantagens: menos custo, a disponibilidade da informação do candidato que, no passado, só tínhamos se nos enviasse um currículo em resposta a um anúncio, a possibilidade de contactamos diretamente o candidato na hora em que o perfil dele nos desperta atenção.

Em suma, as plataformas de “divulgação estática” das vagas de emprego perderam no ranking para esta abordagem pró-ativa (quer do recrutador quer do candidato), pois eram mais morosas, mais dispendiosas e tinham o fator “surpresa” de nunca sabermos se íamos receber a candidatura daquele profissional que procurávamos; ao procurarmos o perfil que efetivamente queremos numa rede social, temos uma maior probabilidade de o encontrar!

Esta alteração do perfil dos candidatos que a empresa hoje procura é também resultado do aumento da idade da reforma para os 75 anos (que estava prevista apenas para 2050, tendo em conta o aumento médio da esperança média de vida). A falência da Segurança Social em 2015, fruto do grande desemprego que se verificou entre 2009 e 2013 (a falta de contribuições originou que as reservas para o apoio social destinado a subsídios e pensões ficasse completamente esvaziado), o resgate do empréstimo da “troika”, que custou nos últimos 15 anos 113 mil milhões de euros ao país (só em juros foram 34 mil milhões), e ainda a fraca taxa de natalidade que provocou um efeito de rácio negativo relativamente ao número de novos profissionais a entrar no mercado de trabalho e o número dos que saem, levou o governo a tomar esta medida de forma a garantir o encaixe de mais receitas para os cofres do Estado.

Estes factos obrigaram as empresas a assumir parte da responsabilidade social detida até agora pelo Estado, pelo desenho de novas políticas retributivas e de compensações (cheques reforma, planos de pensões, seguros de saúde, entre outros) que, por um lado, dão garantias na velhice aos seus colaboradores aumentando o sentimento de pertença à organização pelo advento dos valores de “empresa – responsável” (até motivando os colaboradores a comparticiparem parte dos custos com estes programas para, após a reforma, retirarem mais dividendos deste investimento) e, por outro, funcionam como ferramenta de retenção.

A todos estes fatores, aliou-se também a saída do país dos mais jovens que, com formação superior, procuraram neste mercado cada vez mais global, oportunidades para colocar em prática a sua formação onde ela é mais necessária. Recordo-me de há 15 anos, exatamente neste fim de semana, o Expresso (que na altura era um jornal semanário e não só um blog como é hoje em dia) publicar um artigo acerca da disponibilidade de 400 mil vagas de emprego na Alemanha, onde se lia “a Alemanha depara-se com um problema sério ao nível da contratação de quadros qualificados, sobretudo de mão de obra qualificada nos setores produtivos, para o qual contribuíram dois fatores: a recuperação da economia alemã e a evolução demográfica que se verifica no país, com o crescente envelhecimento da população que não permite a substituição natural dos quadros mais antigos”.

Pensando agora um pouco em retrospetiva, verifico o que os Recursos Humanos tiveram que fazer para se adaptarem a estas novas realidades sociais e económicas que tanto alteraram o panorama do mercado de trabalho e das empresas:

– a necessidade de novas competências ao nível da gestão da diversidade cultural nas organizações, quer pela chegada ao nosso país de colaboradores e gestores estrangeiros, quer pela ida de colaboradores portugueses para delegações da empresa noutros países;

– a esta última, junta-se uma outra necessidade de desenvolvimento de uma competência mais operacional ao nível da gestão dos processos de expatriação de colaboradores, do ponto de vista formal (vistos, cálculos de diferenças de custo de vida, impostos, etc.), e do ponto de vista da comunicação e de ser o parceiro que ajuda o colaborador que vai fazer o processo de expatriação, a ultrapassá-lo de uma forma suave e “indolor”;

– também ao nível do desenho de politicas retributivas e de compensações, com a inclusão de programas de poupança e planos de pensões, que levam à necessidade de desenvolvimento de competências ao nível da fiscalidade e legalidade;

– outra competência que os RH tiveram que desenvolver mais, e devido à escassez de talentos, foi a preocupação com a atração e identificação de potencial, assim como o seu desenvolvimento e retenção dentro das organizações. O aumento da dimensão do mercado de trabalho a uma escala mundial, fez com que os RH tivessem que competir não só com a empresa do lado, mas com empresas que estão a muitos quilómetros de distância, com práticas e políticas diferenciadas das nossas, e que nos obrigou a ter uma capacidade de procurar e apreender estas práticas, e termos a capacidade de inovar, para que a nossa organização seja mais apetecível que qualquer outra;

– as competências de comunicação vêm aliadas a esta última necessidade, assim como à necessidade de aumentar o nível de networking, fulcral hoje às organizações e aos profissionais de RH – conhecer pessoas que conhecem outras pessoas, estar ligado a elas através das várias redes sociais existentes, constitui um aumento da probabilidade de encontrar mais rápido os melhores recursos humanos para as nossas organizações;

– e, por último mas não menos importante, conhecer o negócio e ser um parceiro na formulação das estratégias das organizações, que possa aconselhar as administrações acerca da melhor forma de dar resposta às imposições (às vezes até legais) que o mercado impõe e, depois, propor a melhor forma de as apresentar aos colaboradores, mantendo um clima laboral sustentado e conseguindo aumentar os níveis de motivação e de sentimento de pertença dos mesmos.

Bem, mas já é tarde e é melhor ir descansar… com esta nova medida do governo da semana das 45 horas e o abolir dos feriados (nos próximos 15 dias são já dois…), aumenta a produtividade e o cansaço também…

Referências:

– “Vestindo o Futuro – Microtendências para as Indústria Têxtil, Vestuário e Moda até 2020” de Daniel Agis, Daniel Bessa, João Gouveia e Paulo Vaz, ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, Dezembro de 2010 (textos disponibilizados pelo Prof. João Gouveia)

– www.pordata.pt

– http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO023999.html

– Caderno de Emprego, Jornal Expresso, 26 de Novembro de 2011