LIDERANÇA TÓXICA – A Face Destrutiva da Liderança

Já lhe aconteceu trabalhar com um chefe arrogante, que não escuta as pessoas, não aceita críticas, faz exigências irrealistas, pressões constantes, controla todas as actividades, está sempre pronto a apontar os erros dos outros mas não assume os seus, que está mais interessado na sua carreira do que em apoiar os colaboradores, que nunca está disponível ou que desestabiliza as pessoas com estados de humor imprevisíveis? Se já passou por isto, então já trabalhou com um líder tóxico.

A investigação em liderança tem-se concentrado na face positiva da liderança, que contribui para o cumprimento das metas e para o desenvolvimento das equipas, mas só mais recentemente se ocupou dos comportamentos disfuncionais dos líderes que destroem o equilíbrio psicológico das pessoas e podem levar as empresas à ruína.

Estes líderes sempre existiram mas a situação hoje é diferente. A dinâmica competitiva dos negócios e das carreiras profissionais, a pressão para se obter resultados e reduzir custos, e o sucesso que muitas vezes conseguem alcançar, tornaram as lideranças tóxicas um fenómeno endémico e aceite em muitas organizações como parte da sua cultura.

As lideranças tóxicas têm enormes custos humanos e financeiros, e constituem uma ameaça a longo prazo para as organizações. São um veneno silencioso. No entanto, muitos líderes de sucesso têm comportamentos tóxicos e os seus êxitos são celebrados nas capas das melhores revistas. Será que os fins justificam os meios?

As lideranças disfuncionais manifestam-se de várias formas

Nos últimos anos, os problemas graves relacionados com o stresse profissional, a saúde mental no trabalho e a corrupção em cargos de poder, chamaram a atenção para a face negra da liderança: o impacto das 3 lideranças disfuncionais ou destrutivas, nos colaboradores, na produtividade e na sustentabilidade dos negócios.

Os líderes disfuncionais assumem um conjunto diversificado de comportamentos destrutivos, o que permite classificá-los em três categorias.

Líderes incompetentes. São os líderes que não contribuem para os objectivos da equipa ou da organização. As causas podem ser a falta de conhecimentos ou de experiência profissional, ou a ausência de competências de liderança. Não são capazes de definir uma estratégia, estabelecer objectivos, controlar os resultados, inspirar os colaboradores, tomar decisões, gerir os conflitos, mobilizar os recursos e remover os obstáculos. Têm dificuldades de comunicação e falta-lhes inteligência emocional para lidar com os outros e consigo próprios. O problema central dos líderes incompetentes é a falta de capacidades de gestão e de liderança, que resulta em ineficácia no desempenho da função.

Líderes não-éticos. Revelam valores e atitudes à margem dos padrões socialmente aceites, e tomam decisões que quebram as normas éticas ou legais. Influenciam negativamente os comportamentos dos colaboradores e dos outros parceiros, contribuindo para a normalização dos comportamentos ilícitos ou eticamente reprováveis. As quebras éticas põem em causa a missão da organização, as relações de confiança, a reputação do negócio e, em alguns casos, a sua viabilidade.

Líderes tóxicos. Refere-se aos líderes que contribuem, de forma consciente ou não, com as suas atitudes e comportamentos continuados, para deteriorar as relações interpessoais, gerando um ambiente de mal-estar psicológico nos colaboradores e noutros parceiros. Os seus comportamentos são como toxinas que envenenam o ambiente de trabalho, manifestando-se por atitudes de rudeza, desrespeito, humilhação, autoritarismo, arbitrariedade, bullying, controlo obsessivo, egocentrismo, discriminação e favoritismo, que se tornam fontes permanentes de stresse e de sofrimento psicológico para os outros.

O que são líderes tóxicos?
A expressão foi criada por Marta Whicker, em 1996, no livro Toxic Leaders: When Organizations Go Bad. A autora usou a metáfora dos semáforos para distinguir líderes fiáveis (sinal verde), lideres na transição (sinal 4 amarelo) e líderes tóxicos (sinal vermelho). Caracterizou estes como “pessoas desajustadas, descontentes e muitas vezes malévolas e maliciosas… que enfrentam e controlam os seus colaboradores em vez de os inspirarem … e têm sucesso deitando os outros abaixo”.

Um documento oficial do exército norte-americano define os líderes tóxicos com muito realismo: são os que “usam de maneira consistente comportamentos disfuncionais para enganar, intimidar, coagir ou punir injustamente os outros, a fim de conseguir o que querem deles”. Mas a definição mais geralmente aceite pela comunidade científica foi proposta por Lipman-Blumen: os líderes tóxicos são “pessoas que devido aos seus comportamentos destrutivos e características pessoais disfuncionais, causam danos sérios e duradouros aos indivíduos, grupos, organizações e comunidades, e até mesmo às nações que lideram”.

Em síntese, uma definição abrangente da liderança tóxica inclui os seguintes elementos.

  • Os comportamentos do líder provocam nos outros um mal-estar psicológico continuado, deteriorando as relações pessoais, a produtividade e a ligação à organização.
  • Os comportamentos tóxicos prolongam-se no tempo e por isso deterioram o ambiente de trabalho.
  • A liderança tóxica pode afectar não só os colaboradores directos, mas todos os parceiros de negócio, incluindo as relações externas da empresa, e nos casos mais graves pode levar à sua extinção.
  • Os comportamentos tóxicos podem assumir formas muito diferentes, mas aquilo que melhor os distingue são os seus efeitos destrutivos nas relações pessoais e no desempenho, e a dinâmica tóxica que produzem.

Há vários tipos de líderes tóxico

A liderança tóxica é um conceito multidimensional. Abarca um conjunto variado de comportamentos que configuram vários tipos. Têm sido propostas muitas tipologias da liderança tóxica, algumas com metáforas animais. Esta é uma tipologia que inclui as sete categorias mais citadas.

Liderança Abusiva

Este líder ridiculariza os subordinados e diz-lhes que são incompetentes. Lembra-lhes os erros e falhas que cometem. Critica e menospreza os subordinados junto de terceiros. Utiliza uma linguagem verbal e não verbal rude e hostil. Gosta de explorar os pontos fracos das pessoas. Humilha os colaboradores aos olhos dos outros. Contraria as pessoas sem as escutar. É incapaz de elogiar ou valorizar os bons desempenhos. Tem atitudes discriminatórias, de favoritismo ou de assédio moral. Cria um ambiente de medo e intimidação. Desencoraja as relações informais, as iniciativas e as discussões abertas.

Liderança Autoritária

Controla de perto a realização das tarefas e invade a privacidade dos outros. Ignora as ideias que contrariam as suas e não permite aos colaboradores que inovem. É inflexível no cumprimento das normas e das políticas da organização, e toma todas as decisões independentemente da sua importância. Tem preferência pelos colaboradores disciplinados e obedientes, e rejeita as pessoas que mostram iniciativa e espírito crítico. Assume posturas de autoridade, prefere a comunicação descendente e o feedback negativo. Utiliza um estilo frio, distante, intimidatório e punitivo.

Liderança Narcísica

Este líder tem o foco na sua pessoa. É o centro de gravidade de tudo o que gira à sua volta. Julga-se com mais capacidades que os outros e com o direito de tomar todas as decisões. Vê-se como alguém extraordinário. Não escuta os outros e reage mal quando é contrariado. É arrogante e inflexível e não admite os seus erros. Rejeita o feedback negativo sobre as suas acções. Tem falta de empatia e ignora os sentimentos dos outros. Utiliza o charme e a manipulação, e atrai com a sua retórica. Gosta de estar no centro das atenções e receber elogios. Julga estar destinado aos lugares de topo porque os outros o seguem e reconhecem.

Liderança autopromocional

Põe em primeiro lugar os seus interesses pessoais. Procura salientar-se para valorizar os sucessos e dar nas vistas. Muda de comportamento quando os seus superiores estão presentes. Não assume a responsabilidade pelos erros que ocorrem na equipa e tende a atribuí-los a terceiros. Actua de acordo com os seus interesses e apoia as pessoas que podem ajudá-lo a promover-se. Aceita créditos por sucessos que não lhe pertencem. Trata de forma preferencial os que lhe podem dar vantagens. Esforça-se por ser bem visto pelos superiores e estabelecer relações com os níveis mais elevados de decisão. Compete com os colegas para obter os lugares e os desafios que podem favorecê-lo.

Liderança Controladora

Exerce o poder pelo controlo próximo e sistemático dos colaboradores. Define objectivos impossíveis de alcançar e faz exigências não razoáveis. Procura encontrar falhas e identificar os erros que são praticados. Faz uma gestão próxima e orientada para os detalhes, e quer estar sempre informado sobre o que as pessoas estão a fazer. Comenta os erros de forma punitiva. Não confia nos colaboradores para tomarem decisões ou terem iniciativas e, por isso, não delega. Prefere ser ele a realizar as tarefas para se sentir seguro dos resultados. Não gosta que se tomem decisões sem ser consultado.

Liderança Imprevisível

Tem reacções explosivas e o seu estado de humor determina o clima no local de trabalho. Dá sinais de estar zangado sem os colaboradores perceberem porquê. O seu estado de humor afecta o tom e o volume de voz. As pessoas tentam adivinhar o seu estado de humor e abordam os problemas aproveitando as oportunidades mais favoráveis. Utiliza critérios pouco consistentes, nas tomadas de decisão. A imprevisibilidade das suas reacções gera sentimentos de insegurança e desconfiança, e eleva os níveis de ansiedade na equipa.

Liderança Ausente

Este líder não mantém um contacto pessoal com os colaboradores nem lhes presta o apoio necessário. Está frequentemente indisponível. Evita a aproximação pessoal e as relações informais. Tem com a equipa relacionamentos frios e distantes. Dá pouco ou nenhum feedback mesmo quando lhe é pedido. Só tende a reagir quando recebe más notícias. Não partilha os seus conhecimentos e experiência, nem investe no desenvolvimento das pessoas. Os colaboradores sentem-se inseguros por falta de orientações claras e de feedback sobre o desempenho.

As lideranças tóxicas têm consequências graves a todos os níveis

Robert Sutton, da Universidade de Stanford, defende no livro The No Asshole Rule: Building a Civilized Workplace and Surviving One That Isn’t , premiado como o melhor livro de gestão, de 2007, a aplicação da “Regra dos Zero Imbecis”, para combater os líderes tóxicos. Baseado num vasto estudo de campo, o autor distingue entre “imbecis temporários”, que podem ter momentos infelizes, e “imbecis certificados” que com as suas atitudes persistentes deterioram as relações e o negócio, e dá alguns exemplos: Al Dunlap, Scot Rudin e Michael Eisner. O autor propõe que as empresas, antes de tomarem medidas concretas, calculem o TCA (Custo Total dos Imbecis), avaliando variáveis como as indemnizações de despedimento, o número de horas que os recursos humanos gastam a gerir os problemas causados e os custos da substituição dos colaboradores que saem.

Mas as lideranças tóxicas não têm apenas custos financeiros. Têm sobretudo consequências negativas ao nível das pessoas, das equipas e da organização. Atingem as vítimas directas e também, indiretamente, os colegas, os que testemunham os comportamentos destrutivos, a família e os amigos dos que estão envolvidos.

Os efeitos a nível individual observam-se em vários planos, podendo variar com o tipo de comportamentos tóxicos, a sensibilidade dos atingidos e o contexto de trabalho. Em geral, no plano psicológico, regista-se a redução da autoestima, o aumento dos níveis de exaustão emocional, de ansiedade, depressão e burnout, desinvestimento emocional no trabalho, dificuldades de concentração, irritabilidade, frustração e revolta. As pessoas tonam-se avessas ao risco, têm medo de cometer erros e tomar decisões. Evitam tomar iniciativas e dar sugestões, refugiam-se nas rotinas e inibem os processos criativos. Noutros casos, optam pela indiferença e fazem o essencial para manter o emprego. A nível físico, são frequentes as manifestações de fadiga crónica, insónia e perturbações do sistema gástrico.

Os efeitos das lideranças tóxicas no desempenho são igualmente graves. Reduzem a motivação, o envolvimento com o trabalho, a produtividade e os comportamentos de cidadania organizacional. Fazem aumentar o absentismo e os conflitos no trabalho, as intenções de abandonar a empresa e os comportamentos contra produtivos: a retaliação, a sabotagem, a não cooperação, a inexactidão da informação e o excesso de zelo. As lideranças tóxicas destroem a confiança, degradam a eficácia das organizações e têm consequências colaterais: aumentam a conflitualidade entre colegas de trabalho e no contexto familiar através dos mecanismos de transferência emocional muito comuns nestes casos.

Vários estudos mostram que os efeitos negativos das lideranças tóxicas têm o stresse e a exaustão emocional como variáveis mediadoras. Os líderes tóxicos impõem elevadas cargas de trabalho, limitam a utilização dos recursos, exercem uma pressão constante, aumentam a incerteza e provocam relações conflituais. Este quadro induz níveis elevados de stresse e esgotamento emocional, afectando, deste modo, o bem-estar psicológico, a motivação e a produtividade.

Os líderes tóxicos podem ter sucesso e ser reconhecidos

A liderança tóxica é difícil de detectar e de combater porque estes líderes são muitas vezes profissionais competentes que têm o apoio dos superiores e dos próprios colaboradores, modelando o ambiente de trabalho e a cultura das organizações.

A liderança é muitas vezes definida como um processo de influência que visa a concretização de objectivos. Esta definição é perigosamente incompleta porque se centra na finalidade e ignora os meios. Muitos líderes tóxicos são pessoas que, com a sua elevada competência profissional, dedicação e estilo enérgico, conseguem resultados excepcionais. O seu sucesso explica a permanência nas organizações, o reconhecimento que obtêm dos superiores e, em muitos casos, a promoção para lugares de topo.
Se adoptarmos um conceito redutor das competências de liderança, os líderes tóxicos podem considerar-se competentes e eficazes na medida em que atingem os objectivos e contribuem para as metas da organização. É, contudo, um sucesso transitório que sacrifica, a longo prazo, a saúde física e emocional dos colaboradores, destrói as equipas de trabalho e, não raro, liquida as próprias empresas.
É a isto que Ma, Karri e Chittipeddi chamam “o paradoxo da tirania de gestão”. Os líderes tóxicos não obtêm sucesso com as pessoas mas à custa delas. O sucesso destas lideranças é, no médio/longo prazo, insustentável porque estão a destruir o capital humano. O problema ainda se agrava quando critérios de evolução na carreira consideram apenas os resultados, e não a forma como são alcançados, colocando estes líderes em posições de responsabilidade cada vez mais elevada. A liderança tóxica é, deste modo, encorajada e premiada, e a sua influência negativa passa a afectar um número cada vez maior de pessoas, criando-se a ilusão de que é a chave do sucesso. Contudo, a prazo, os objectivos só continuarão a ser atingidos com o compromisso das pessoas, equipas eficazes e coesas, e climas de confiança. É isto, precisamente, que as lideranças tóxicas destroem.

O triângulo tóxico

O apoio que muitas vezes os líderes tóxicos obtêm dos parceiros de negócio, incluindo dos colaboradores, e a forma como são encorajados pelas culturas organizacionais, mostram que uma análise rigorosa da liderança tóxica não pode reduzir-se ao comportamento do líder. Como defendem Padilla, Hogan e Kaiser, a explicação do fenómeno tóxico não pode ser “lidocêntrica” porque o mesmo líder pode ter uma relação tóxica só com alguns colaboradores e dependendo dos contextos. Nem os líderes mais tóxicos o são sempre. É preciso, pois, explicar o fenómeno tóxico considerando outros factores, concretamente, a relação dinâmica de três elementos: os traços pessoais do líder, a susceptibilidade dos colaboradores e dos outros parceiros, e a favorabilidade do contexto.
São as dinâmicas deste triângulo tóxico que explicam como os comportamentos tóxicos do líder podem ter a aceitação passiva de alguns parceiros, que são vulneráveis à sua influência porque satisfazem as suas necessidades, podem ter o apoio activo daqueles que partilham a sua visão e querem ajudar a concretizá-la, e a oposição dos que são vitimados pelas suas atitudes, reagindo com comportamentos contra produtivos. O contexto inclui as condições objectivas em que as relações se desenvolvem, e os valores e políticas que definem a cultura da organização.

Não é, pois, verdadeira a ideia de que os colaboradores e as organizações (e a sociedade, em geral) não toleram líderes tóxicos. Pelo contrário, o que se observa é que, em muitos casos desejam-nos, produzem-nos e promovem-nos, o que significa que os líderes tóxicos podem resultar de sistemas tóxicos e não apenas de personalidades disfuncionais. A perspectiva “lidocêntrica” é redutora mas ainda tem uma larga aceitação que se deve ao protagonismo e visibilidade dos líderes, e à dificuldade em analisar a complexidade dos contextos.
Vejamos como cada um dos três elementos pode contribuir para eclosão do fenómeno tóxico.

As características do líder

Sabemos que o exercício do poder favorece as manifestações de agressividade e arrogância, diminui a escuta e torna a obtenção de feedback mais selectiva. Reduz a sensibilidade aos problemas dos outros e favorece o sentimento de impunidade. O poder torna frequentes as racionalizações para justificar as más decisões e as reacções adversas dos outros. Este fenómeno, que David Owen designou de “síndrome de húbris” ou “síndrome da presunção”, já tinha sido identificado pelos gregos como os excessos no uso do poder que levam os líderes a um fim desonroso.

Não se pode, contudo, aceitar a afirmação de Lord Acton de que o poder corrompe. O poder cria condições para a manifestação de características de personalidade que podem favorecer uma liderança construtiva ou comportamentos disfuncionais. Mas o poder também põe à prova os mecanismos individuais de controlo psicológico e moral sobre os comportamentos de liderança e, sobretudo, sobre os fins para que o poder é usado. As pessoas com um perfil narcísico e elevada necessidade de poder tanto podem usá-lo ao serviço dos seus interesses pessoais ou para dominar os outros, como para alcançar os objectivos mais nobres ao serviço da sociedade. O poder não corrompe. Revela tanto os nossos impulsos profundos como a capacidade de os controlar.

As personalidades narcísicas, psicopáticas e maquiavélicas, a chamada “tríade negra”, são os três tipos de personalidade mais associadas aos comportamentos tóxicos. Embora em certas situações se possa falar de um “narcisismo construtivo” que favorece um elevado desempenho, a personalidade narcísica manifesta-se pela crença na superioridade pessoal, arrogância, elevada confiança em si próprio, hostilidade ao feedback negativo e intolerância às críticas, necessidade de estar no centro das atenções e obter elogios, dificuldade em escutar, inflexibilidade e falta de empatia. A personalidade psicopática caracteriza-se por impulsividade e tendência para procurar o conflito, egocentrismo, insensibilidade emocional e ausência de sentimentos de culpa. A personalidade maquiavélica distingue-se pela manipulação, calculismo, tendência para explorar os sentimentos dos outros, falta de sentido moral e forte inclinação para defender os seus interesses pessoais.

Alguns estudos recentes mostram que as motivações competitivas e para o sucesso na carreira, tão presentes na sociedade actual, aumentam a probabilidade de abusos do poder, a adopção de comportamentos coercivos e a violação das normas éticas.

A reacção dos colaboradores e dos outros parceiros

Por muito destrutivos que sejam para a maioria da equipa, os líderes tóxicos podem ter muitos apoiantes. A razão é simples: o aparecimento de líderes tóxicos é estimulado pelo facto de, em muitos casos, responderem a necessidades fundamentais dos parceiros de negócio, sobretudo necessidades de segurança, previsibilidade e concretização dos resultados operacionais.

Em geral as pessoas aspiram a evitar crises, ameaças e situações de incerteza que ponham em causa a vida ou o controlo dos acontecimentos, e procuram a protecção de figuras tutelares protagonizadas pela autoridade de líderes tóxicos. Em contextos de crise, estes líderes podem dar-nos uma leitura da realidade, um quadro de segurança para agir e esperança no futuro. Muitos projectam nestes líderes as suas as atitudes, expectativas e anseios, e esperam que eles sejam capazes de as concretizar. Nestes casos o líder chega a ser percebido e apoiado como um salvador. Como dizia Freud, a maior parte das pessoas precisa de autoridade, porque anseia pela figura do pai que mora em nós desde a infância.

Outra razão para se tolerarem ou apoiarem líderes tóxicos está na nossa natureza social. As pessoas precisam de se sentir integradas em grupos e aceites pelos outros, ao mesmo tempo que evitam a exclusão e o ostracismo. A pertença a grupos reforça o sentimento de segurança e a autoestima, e é um elemento central na construção da identidade e da visão que temos do mundo. Os líderes tóxicos exploram por vezes o medo de ser rejeitado e ficar isolado, convencendo as pessoas de que só aceitando a sua influência podem continuar a estar socialmente integradas.

As lideranças tóxicas são mais apoiadas por pessoas com baixa autoestima, imaturas, dependentes, inseguras ou com pouco sentido crítico. É por isso que o apoio a lideranças tóxicas também pode ser
explicado pela satisfação de necessidades de estatuto, reputação, visibilidade social ou de reconhecimento. Há casos ainda em que a adesão a lideranças tóxicas pode ser uma via de promoção social e profissional, abrir o acesso a grupos de referência e reforçar a autoconfiança. Para alguns autores, o reforço da confiança e da autoestima é o mecanismo que os líderes tóxicos utilizam com mais frequência para obter apoios.

Os apoiantes dos líderes tóxicos podem classificar-se em três grupos. Os “conformados” são pessoas com baixa autoestima, inseguras e incapazes de enfrentar o líder. Podem discordar e até ser vitimados pelos seus comportamentos, mas submetem-se e colocam-se ao lado do poder. O segundo tipo são os “coniventes”. Apoiam o líder porque partilham as suas ideias e as suas atitudes, e encontram uma racionalidade para os seus comportamentos tóxicos. O terceiro tipo são os “beneficiários”. Podem discordar do líder mas apoiam-no porque retiram vantagens da sua liderança tóxica. É um apoio que pode justificar-se por razões pragmáticas. O líder pode abrir portas a um novo emprego ou à visibilidade social, facilitar a progressão na carreira ou garantir os resultados que se querem atingir para si ou para a organização. São apoiantes ambiciosos e calculistas que só teriam a perder se não apoiassem o líder. É o caso do apoio que muitos líderes tóxicos recebem de subordinados com ambições de carreira, e das administrações e dos accionistas pelos resultados que conseguem apresentar.

O facto das lideranças tóxicas poderem responder a necessidades importantes dos liderados, não significa que caiba sempre a estes um papel passivo. Há casos em que são os próprios seguidores que criam as lideranças tóxicas. Um líder funcional pode ser tão sensível às necessidades e expectativas daqueles que o rodeiam, que pode começar a adoptar comportamentos tóxicos. A pressão superior para obter resultados ou realizar mudanças, a lisonja por parte dos colaboradores, fortes expectativas que recaem sobre o líder ou a unidade do grupo contra as suas posições, podem levar à utilização disfuncional do poder e à adopção de comportamentos tóxicos.

A influência do contexto

Uma análise da liderança tóxica tem que considerar também o contexto em que se relacionam líderes e parceiros. O meio organizacional pode ser determinante no desenvolvimento das disfunções de liderança. Ambientes de crise caracterizados pelo risco e imprevisibilidade favorecem as lideranças tóxicas. Não só os líderes estão pressionados a assumir comportamentos disfuncionais como os liderados estão mais predispostos a aceitá-los. Perante uma ameaça, uma liderança tóxica pode ser vista como a melhor forma de controlar a situação.

O modelo cultural de Geert Hofstede dá um quadro claro para interpretar as determinantes culturais amplas, das lideranças tóxicas. Estas lideranças tendem a ter mais apoio nas culturas caracterizadas por elevada distância ao poder, colectivismo e evitação da incerteza, dimensões que caracterizam as culturas latinas e a sociedade portuguesa tradicional. As culturas de elevada distância ao poder veem a sociedade hierarquizada e o poder distribuído de forma desigual. Por isso, aceitam com mais normalidade a existência de lideranças tóxicas. As sociedades colectivistas acreditam que os grupos devem proteger os seus membros e que cada um deve defender a unidade dos grupos a que pertence. Preferem, por isso, lideranças fortes que mantenham a unidade e premeiem a lealdade. Nas culturas caracterizadas pela aversão à incerteza, as pessoas rejeitam a desordem, o risco e a ambiguidade. Preferem o primado da lei e da autoridade. Estas expectativas tornam-nas mais vulneráveis às lideranças fortes que se propõem garantir a segurança e a previsibilidade.

As lideranças tóxicas são mais prováveis em ambientes organizacionais fortemente competitivos e orientados para objectivos, em contextos de crise ou de grave ameaça, em estruturas muito hierarquizadas e sempre que faltam sistemas de monitorização e controlo do uso do poder. É
também o caso de organizações com valores frágeis, onde o bem-estar psicológico dos colaboradores é ignorado, e não se obtém o feedback regular dos comportamentos de liderança. Neste tipo de ambientes, está aberto o caminho às lideranças disfuncionais.

Há também evidências de que as próprias organizações podem contribuir para o reforço de uma cultura tóxica agravando os seus traços. O fenómeno pode ser explicado pela teoria ASA (Atracção, Selecção e Atrição), proposta por Schneider, Goldstein e Smith. As pessoas são atraídas por organizações cuja cultura tem valores semelhantes e práticas concordantes com as suas atitudes. Por outro lado, as organizações escolhem os candidatos com atributos pessoais consonantes com a sua cultura e com as suas práticas. Finalmente, tendem a manter-se na organização os que aceitam os valores e práticas dominantes, e a sair os que se sentem desconfortáveis por serem diferentes. Deste modo, os traços de uma cultura de liderança tóxica tendem a tornar-se mais homogéneos e a acentuar-se com o tempo.

A relação dinâmica entre os elementos do triângulo tóxico sugere a hipótese de que as lideranças tóxicas se manifestam quando o potencial tóxico de um dos elementos não é compensado pelos outros dois. Estruturas e culturas organizacionais sólidas neutralizam a acção de personalidades destrutivas ou podem evitar que elas se manifestem. Colaboradores autoconfiantes e com espírito crítico também podem reagir de forma positiva e ser um obstáculo aos comportamentos destrutivos das lideranças. Do mesmo modo, uma situação de crise e incerteza pode ser superada por lideranças eficazes e culturas fundadas em valores sólidos.

O efeito tóxico das lideranças desenvolve-se em espiral

Há uma dinâmica muito comum nas lideranças tóxicas que se pode descrever como uma espiral tóxica, e que ajuda a compreender como as lideranças tóxicas exercem o seu poder de contágio, minando o funcionamento da organização. Como se viu, muitos líderes tóxicos têm sucessos no curto prazo e isso tende a ser percebido como uma prova de eficácia. À medida que os comportamentos tóxicos se vão tornando rotina, os colaboradores vão desenvolvendo estratégias de sobrevivência que podem passar pelo confronto, pela indiferença, pelo absentismo, por tácticas de sabotagem ou por abandonarem a organização. Perante um cenário de desmotivação e quebra do desempenho, o líder não encontra outra alternativa para continuar a responder às expectativas do que agravar os comportamentos tóxicos que já utilizava. Os colaboradores reagem intensificando as suas reacções. Gera-se, assim, uma dinâmica em espiral que vai destruindo gradualmente a equipa, e que só é interrompida com a substituição do líder.

A espiral tóxica é também alimentada pela “promoção da toxicidade” que é outra forma dos comportamentos tóxicos aumentarem o poder de contágio: os sucessos transitórios dos líderes tóxicos servem de exemplo para outros líderes e são reconhecidos pelos superiores que tendem a promovê-los para lugares de maior responsabilidade. À medida que sobem na hierarquia, o seu efeito tóxico é ampliado e são agentes mais poderosos na modelação da cultura. Esta escalada contribui para a criação de “culturas tóxicas de sucesso”.

Como prevenir e combater as lideranças tóxicas?

A prevenção e combate às lideranças tóxicas estão relacionados com o alinhamento dos três factores: motivações dos líderes, receptividade dos colaboradores/parceiros e favorabilidade da situação. Os climas tóxicos mais graves ocorrem quando os líderes têm comportamentos destrutivos, os outros encorajam-nos, e o contexto organizacional favorece as práticas disfuncionais. Pelo contrário, a robustez de um dos elementos pode evitar o contágio tóxico mesmo que os outros o favoreçam. Estas são algumas medidas para prevenir e combater as lideranças tóxicas.

Como prevenir e combater os líderes tóxicos?

1- Muitos líderes estão tão fixados no sucesso imediato que não têm consciência dos danos que provocam com a maneira como se relacionam com os outros. Precisam de receber um feedback honesto dos seus colaboradores e dos outros parceiros, acompanhado de um apoio de coaching, para interpretarem e integrarem a informação, e ensaiarem novas abordagens às relações de liderança.
2- É importante promover uma reflexão sobre a relação entre resultados de curto prazo, custos a longo prazo e sustentabilidade do negócio. Uma visão mais integrada e estratégica dá prioridade ao sucesso da empresa e ao estabelecimento de relações positivas com todos os parceiros.
3- Resistir à tentação de selecionar e avaliar os líderes apenas com base nos resultados. Valorizar também os padrões de relacionamento interpessoal que utilizam para os obter. Os líderes devem ser avaliados pelo conceito de “elevado desempenho sustentável”, isto é, pela capacidade de criar equipas de excelência que sirvam objectivos de longo prazo. Para isso, é essencial uma avaliação psicológica aprofundada da personalidade e do desempenho em funções anteriores, antes de se tomar decisões de admissão e promoção para funções de liderança.
4- A progressão na carreira e a atribuição de recompensas também não devem depender apenas dos resultados mas estar associadas às avaliações do clima e do bem-estar psicológico das equipas.
5- O desempenho de funções de liderança deve ser sempre precedido de formação em gestão e liderança de equipas, com particular foco na comunicação, no feedback e nas competências de inteligência emocional.
6- O despedimento dos líderes tóxicos pode parecer a solução mais simples e eficaz. Contudo, além das questões legais e indemnizatórias, pode iludir a influência de outros factores como a reacção inadequada dos colaboradores e o contexto favorável aos comportamentos tóxicos. Neste caso, uma nova liderança pode replicar o problema.

O que podem fazer os colaboradores?

A prevenção e erradicação das lideranças tóxicas não são tarefas dos colaboradores mas uma responsabilidade das organizações. No entanto, quando estas não têm mecanismos de prevenção, alerta e controlo, os colaboradores podem adoptar algumas boas práticas para lidar com a situação e minimizar os danos na saúde e na produtividade.
1- Facilitar a resposta às pressões e desafios a que o líder está sujeito pelos níveis superiores de gestão. Centrar-se na obtenção dos resultados que mais contribuem para o líder ter sucesso na sua função.
2- Compreender o estilo de gestão e os hábitos de trabalho do líder. O que o motiva? Que coisas detesta? Como gere o tempo? Quais as suas idiossincrasias?
3- Perceber como e quando comunicar com o líder, para o manter informado, e apresentar-lhe os dados de modo a facilitar-lhe as tomadas de decisão.
4- Ter reuniões regulares com a liderança, manter as vias de comunicação abertas e levar sempre os problemas acompanhados de soluções.
5- Ser o primeiro a comunicar os erros e insucessos para evitar que o líder os venha a conhecer por terceiros.
6- Não reagir a provocações ou atitudes destrutivas. Centrar-se nos factos e evitar os confrontos pessoais. Focar-se nos objectivos e manter a produtividade. Em alguns casos é preferível distanciar-se emocionalmente e evitar a exposição ao líder.
7- Tratar o líder com respeito e não se envolver em críticas e desabafos na sua ausência. Evitar ser simpático e cordial na sua presença e fazer referências desagradáveis quando fala a seu respeito com terceiros. Não alinhar em conluios com os colegas.
8- É importante ter consciência de que as lideranças tóxicas são perigosas para a saúde psicológica e para o futuro profissional. Tome notas para documentar os comportamentos tóxicos e poder partilhá-los com o Departamento de Recursos Humanos ou com um órgão de controlo. Fazer periodicamente um balanço da relação com a liderança. Se não conseguir lidar com a relação e sentir que está a pôr em causa a sua saúde psicológica, é tempo de sair.

Como mudar o contexto?

As medidas para mudar os contextos que favorecem as lideranças tóxicas só podem ser tomadas pelos órgãos de topo. São mudanças que exigem acções concertadas ao nível da estratégia, das políticas e das práticas de liderança.
1- Incluir o bem-estar físico e psicológico, o tratamento justo e a inclusão na estratégia da empresa.
2- Definir políticas de recrutamento, selecção, formação, avaliação dos desempenhos, recompensas e evolução na carreira, menos centradas nos resultados, e mais exigentes na promoção de relações construtivas e no desencorajamento dos comportamentos tóxicos.
3- Ter programas de desenvolvimento das competências de liderança que acompanham as diversas fases da carreira.
4- Utilizar regularmente os feedbacks 360º, apoiados por sessões de coaching.
5- Fazer análises de clima e auditorias periódicas para monitorizar os comportamentos de liderança e os seus impactos nos parceiros.
6- Criar órgãos e canais próprios para recolher e tratar as comunicações de comportamentos disfuncionais no exercício da liderança.
7- Robustecer a organização interna e o sistema de governação com órgãos de monitorização e controlo, e com um sistema de checks and balances que evite as lideranças tóxicas aos níveis mais elevados de responsabilidade.

As lideranças tóxicas são uma patologia que afecta muitas organizações. Têm sido ignoradas, nuns casos, e glorificadas noutros. Os sucessos ocasionais que têm conseguido escondem os danos que provocam na saúde das pessoas, no desempenho das equipas e na sustentabilidade das organizações. A pressão para os resultados a curto prazo, a competição para o sucesso e as ambições pessoais desmedidas continuam a alimentar este fenómeno. Não será o momento de parar para pensar se os fins justificam os meios?