O factor principal do sucesso da transformação digital nas empresas não é a tecnologia: é a Liderança
Nos tempos que vivemos, em qualquer reunião de Board duma empresa, o tema da importância da tecnologia – na restruturação dos modelos e sistemas de negócios- costuma estar na agenda, ou pelo menos mencionado nos planos de acção e prioridades, quer seja como uma oportunidade ou uma ameaça.
A aparição do Covid-19 tornou este assunto muito mais relevante porque deu-lhe o sentido de urgência que muitas vezes faltava quando o tema era abordado. Eis alguns exemplos de foco que se tornaram urgentes:
– como continuar a servir os clientes (tanto em B2B como B2C) através de canais digitais (veja-se a explosão do e-commerce nos últimos meses ou das “reuniões Zoom”);
– como experimentar trabalhar em agile num mundo incerto;
– transição para trabalho remoto literalmente dum dia para o outro;
– descoberta e implementação de ferramentas de colaboração digital para alinhamento de equipas remotas;
– reformulação de processos de forma para assegurar a continuidade dos negócios e a saúde das equipas.
Nenhum departamento conseguiu, consegue ou conseguirá “escapar” a esta corrida “forçada e urgente” para poder continuar as suas atividades, que passará forçosamente por tornar o seu modelo de negócio mais digital, aumentar o mindset digital das pessoas, ou a adopção de tecnologias nalguns casos totalmente desconhecidas.
Então como pode começar a transformação digital da sua empresa?
1. Comece pelas mudanças na estratégia da empresa como ponto de partida
Eis algumas perguntas para conversas com o Board, que permitirão refletir sobre as mudanças necessárias à estratégia:
– como podemos continuar a aportar e aumentar o valor dado aos nossos clientes (que também estão a passar por uma disrupção)?;
– como está a concorrência a transformar-se para ser mais digital, trazer mais ferramentas e aplicações digitais aos seus clientes?;
– temos projetos piloto em curso que não passam dessa fase? Quais as razões e como podemos fazer para avançar?;
– que mudanças podemos antecipar como no futuro iremos continar a trazer (e aumentar) valor aos nossos clientes?.
Nesta fase, deverá definir (e obter a concordância do business) no que vou chamar de “afirmação do(s) problema(s)” a resolver. Para ser importante e relevante para as pessoas, um projeto de RH de transformação (digital ou não) deve responder a um ou vários problemas/desafios de negócio concretos. Afirmar o problema (e ter a concordância do negócio) ajuda a alinhar os stakeholders do negócio com os RH num propósito comum.
Às vezes, como responsável de RH, a afirmação do problema está subjacente – mas poucas vezes visível- num pedido vindo do negócio para uma iniciativa a ser desenvolvida (exemplo: “precisamos de mudar o mindset das pessoas para …”). Neste caso, é importante entender a razão de negócio que levou à decisão de ser necessária uma iniciativa.
2. Crie um banco de dados
Toda e qualquer transformação digital começa ou é causada por uma transformação de negócio, e não o contrário. Por essa razão, é importante entender claramente a situação com dados objetivos e dashboards:
– quais os dados que me vão permitir analisar a situação atual e a evolução da mesma durante a transformação? E que dados deverei fornecer aos diferentes níveis da organização (exemplos: Board = dashboard, resumos executivos; chefes de departamento: informação resumida sobre o seu departamento e pessoas/equipas; “middle level managers” = informação detalhada sobre o seu departamento e pessoas/equipas);
– quais as métricas de negócio que me vão permitir medir o impacto da transformação (ou o seu bloqueio) nas suas diferentes fases (situação inicial, primeiras iniciativas de adopção, fim do piloto de um departamnto, roll-out para toda a organização)?;
Nota: pense não só em métricas quantitativas, mas também qualitativas (para medir o “sentimento geral” mas também alguns dados específicos, como por exemplo “o que poderá estar a bloquear o progresso”).
No final desta fase, terá 2 elementos principais:
– a afirmação do problema (decorrente do ponto 1);
– as métricas necessárias de arranque, implementação e medição de impacto.
Nota: dependendo da iniciativa, poderá fazer sentido verificar se as métricas iniciais refletem a afirmação do problema (ou seja, se o problema definido é sustentado pelos dados).
3. Tenha presente a evolução da saúde organizacional em tudo o que vai fazer
Agora que vamos passar à fase de planeamento da execução, chegou o momento de reflectir porque 70% das transformações falham. Este ponto poderia ser objeto de análise durante vários artigos, mas aqui fica a versão em vídeo de de 3 minutos “Why most transformations fail”, Harry Robinson (McKinsey, 2019).
O que é a saúde organizacional?
O artigo “The hidden value of organizational health- and how to capture it”, define a importância da medição contínua da mesma durante um processo de transformação (digital ou não). Quando não pensamos na saúde organizacional no processo de transformação, é quando o elemento “pessoas” não é suficientemente tido em linha de conta, levando a insucessos de 70%.

Como incorporar a saúde organizacional às diferentes fases do projeto

4. Crie uma equipa multidisciplinar
Uma das boas práticas de transformação digital passa por ter uma equipa de transformação dedicada (parcialmente ou totalmente) ao projeto, com os vários tipos de skills necessários para o seu sucesso. Não tente reinventar a roda ou aprender várias profissões, a transformação não ganhará nada com isso, bem pelo contrário.
Consoante o desafio que terá, pense que stakeholders e departamentos vai envolver e os skills da equipa de projeto.
Como identificar stakeholders?

Pense em:
– que departamentos a mudança envolverá?
– com quem devo consultar antes de implementar o projeto?
– quem pode influenciar o projeto, mas não está diretamente envolvido?
– que grupos externos ou organizações serão afectados pela mudança com quem tenha que contactar/envolver?
– quem tem interesse no sucesso do projeto? quem apoiará a mudança?
Como identificar os skills necessários?
Pense nas várias fases do projeto e mapeie os skills (independentemente da quantidade e se os tem ou não), de forma a ter uma visão clara do que necessita inicialmente para arrancar, e do que vai precisar no futuro (podendo eventualmente contactar empresas externas atempadamente).
Aqui ficam alguns exemplos de skills necessários duma forma recorrente:
– data analysis: para definição, recolha e análise inicial e contínua de dados e métricas de sucesso durante a transformação digital;
– change management: para planeamento e implementação da transformação;
– liderança, sobretudo a parte de comunicação e de processos de empowerment (vai precisar para criar o mindset de feedback constante de todos sobre boas e más práticas, “bugs” ou bloqueios, assim como exemplos de sucesso;
– learning and development: para criação de conteúdos de apoio à transformação digital, desde guias de ajuda técnica até ao coaching específico para líderes;
– gestão de projectos em agile: para definição de milestones, interdependências de acções, criação de roadmaps e status RAGs;
– skills específicos na(s) tecnologia(s) a implementar que são objeto da transformação digital (ou uma “ligação direta” à pessoa de IT que está responsável pela implementação);
– skills relacionados com as ferramentas de colaboração que vai precisar de implementar para apoio à transformação digital, quer seja para a equipa de projeto, quer seja para contacto constante com as equipas (exemplo: um grupo Yammer onde todos falam sobre como estão a adoptar a tecnologia, ou um grupo Slack para falar com as equipas de apoio no terreno).
Eis alguns exemplos de ferramentas de colaboração:
Jira: para gestão agile de projetos, quer seja em Kanban ou scrum
Trello ou Asana: para gestão de projectos em Kanban
Slack: ferramenta de chat e colaboração de equipas
Teams: a ferramenta desenvolvida pela Microsoft com várias formas de colaboração integrada
O365: na sua versão atual, inclui uma suite de várias ferramentas de colaboração integradas, incluindo o Teams
Canva: criação de infográficos, folhetos virtuais, newsletters, e-books e outras necessidades de design
Poderá fazer sentido contratar uma empresa externa especializada para ajudar na fase de planeamento e implementação, porque vai ganhar experiência acumulada e know-how que será precioso para o sucesso da transformação digital.
A Fujitsu, por exemplo, tem equipas multidisciplinares e multi-geografias que permitem escalar uma transformação digital tanto em termos de equipas tecnológicas como em termos de equipas de projeto de implementação. A sugestão fica de tê-las no projeto desde o princípio de forma a poder co-criar a solução mais adequada para o seu problema de negócio.
Pense também em “recrutar” pessoas das equipas nos departamentos que farão parte da transformação digital, de forma a poder ter uma adopção mais fácil pela criação de “agentes/embaixadores” da mudança.
Finalmente, poderá recorrer a empresas de tecnologia para a parte “técnica”, deixando a parte de implementação a outra empresa, até porque nalguns casos poderá haver conflito de interesse se for a mesma entidade.
5. Pense nos factores críticos de sucesso e passos principais durante todo o projeto
Aqui ficam alguns elementos de sucesso a ter em conta durante uma transformação, nas suas diferentes fases, resultantes da investigação de melhores práticas:
– os líderes séniors comunicam abertamente a toda a organização o “porquê” da transformação digital (elementos da visão, sustentando-se na informação decorrente dos pontos 1 e 2), o seu progresso, alguns bons casos, e o seu sucesso;
– todos conseguem ver como o seu trabalho e contribuição se relacionam com a visão de sucesso;
– os líderes dão o exemplo nas mudanças comportamentais e adopção de tecnologia que pediram às equipas para fazer;
– os managers a todos os níveis têm o know how e comunicam às suas equipas as implicações (e benefícios) da transformação digital no seu trabalho diário, assim como as mudanças reais para cada pessoa (mudanças de processos, aquisição de novos skills, guias + sessões de utilização da tecnologia, procura constante de erros antes de elementos da tecnologia “chegar ao cliente”, etc.)
– os managers estão conscientes de que são responsáveis por liderar e desenvolver a sua equipa (coaching, comunicação, skills novos) durante a transformação digital para a adopção de novos processos e da tecnologia;
– a implementação e adopção da transformação digital faz parte do dia a dia dos managers;
– a equipa de projeto tem mecanismos implementados de recolha constante de feedback, identificação e comunicação constante de boas práticas à generalidade da empresa (pelos líderes), adaptação constante dos processos às mesmas;
– existem mecanismos de apoio para adopção da tecnologia para quem precisar (sessões em privado de coaching, conteúdos de formação, mailbox ou linha suporte, etc.);
– os objetivos de performance management dos líderes e membros da equipa de projeto responsabilizam e asseguram o compromisso de todos pelas suas contribuições para o sucesso da transformação digital;
– as expectativas de novos comportamentos e mudanças processuais decorrentes da transformação digital são incorporados nos objetivos de performance management de cada pessoa da empresa;
– nas suas comunicações, os líderes mantêm a “história de mudança” consistente e alinhada com os objetivos da transformação digital;
– o papel e responsabilidade de cada membro da equipa de projeto está bem definido (dica: criar e rever periódicamente a cada fase do projeto o modelo RACI );
– a equipa de projeto tem recursos, tempo e skills suficientes a cada etapa da implementação: os membros da equipa poderão não ser os mesmos do princípio ao fim do projeto, até porque consoante a fase, alguns skills serão necessários em detrimento de outros;
– a todos os níveis da organização, os papéis principais para a transformação foram assumidos por pessoas da empresa que apoiaram ativamente o projeto;
– os objetivos da transformação foram adaptados para as pessoas que fazem parte da lista de stakeholders;
– a organização identificou e responsabilizou as pessoas de alto potencial para liderar partes da implementação da transformação digital (exemplo: dar responsabilidades directas por algumas iniciativas);
– as equipas começam todos os dias com uma conversa “formal e informal” sobre como está a avançar a transformação digital;
– um programa de upskilling foi desenhado para ajudar as pessoas a atingir os objetivos da transformação;
– a equipa de projeto e equipas no terreno utilizam ferramentas de diagnóstico para quantificar os objetivos para a sustentabilidade da transformação a longo prazo (novos mindsets e comportamentos, mudanças culturais, agilidade organizacional, métricas satisfação cliente, etc.);
– os líderes da iniciativa foram formados em liderança de change management antes do início da transformação.
6. Os Líderes devem liderar e não gerir
A liderança é tão importante durante uma transformação como durante o seu trabalho diário. Não pode ser delegada à equipa de projeto nem a outro departamento. A equipa executiva da empresa deve estar envolvida, estar visível e altamente comprometida com o sucesso da transformação digital.
Quando os líderes seniores estão presentes e são o exemplo dos comportamentos que pedem às pessoas para adoptar (passando tempo próximo das equipas durante o seu trabalho – na fábrica, nas reuniões, ou onde o trabalho for feito), a transformação tem 5.3 mais probabilidades de ter sucesso, segundo o research feito.
Da mesma forma, se os líderes seniores passarem pelo menos metade do seu tempo na transformação, as probabilidades de sucesso duplicam.
Por isso, para as próximas iniciativas de transformação digital, pense primeiro no envolvimento e compromisso da Liderança antes de as iniciar.