Os Desafios do (Des)confinamento da Formação

Que o primeiro confinamento teve um impacto significativo na atividade económica portuguesa, é algo que já sabemos. Que a recuperação dessa crise tem sido feita em lentos passos, é igualmente uma realidade bem presente na nossa mente. O que talvez não calculávamos é que o confinamento então vivido, iria ter um efeito tão vincado na vida das Academias de Formação, nomeadamente nos seus modelos e formas de pensar formação.

A par do referido impacto económico, o contexto do “desconhecido” trouxe muitas incertezas, tendo levado muitas empresas a fecharem-se sobre si próprias e a paralisarem os seus planos de formação.

O facto de os portugueses terem sido abruptamente sujeitos a um incerto período de confinamento, fez com que as ações de formação então previstas – eminentemente presenciais – fossem suspensas por tempo indeterminado, o que impactou substancialmente nos Orçamentos e Planos Estratégicos das tradicionais Academias de Formação, que se viram a braços com uma crise de sobrevivência sem precedentes.

Apesar do setor da formação ter sido substancialmente afetado, sou da opinião de que, genericamente, se soube reinventar e pensar diferente.

Tenho bem presente os webinares gratuitos então promovidos pela esmagadora maioria das Academias, bem como o investimento feito em novas plataformas e metodologias de formação à distância. Entre outros fatores, estas foram seguramente as duas pedras de toque que garantiram a sobrevivência de muitas Academias do setor da formação profissional.

De todo o modo, o primeiro período de confinamento não teve somente impactos negativos, na medida em que criou, por exemplo, uma singular oportunidade de conhecimento face ao vírus, o que fez com que estejamos, agora, bem mais preparados para o mundo da formação à distância.

As Academias que souberam capitalizar o período de paragem, reinventando-se e assumido novos modelos de formação, são aquelas que seguramente irão prosperar nos próximos anos.

Estando, hoje, o país a braços com um novo período de (des)confinamento, a realidade é substancialmente diferente, na medida em que, para além de estarem a reativar os seus budgets de formação, muitas empresas estão também bastante mais recetivas para os novos modelos de formação online, chegando até, em muitos casos, adotarem estes modelos em detrimento da tradicional formação presencial. De facto, posso afirmar, sem grande margem de erro, que as empresas estão a capitalizar o facto de terem os seus colaboradores em casa e, por consequência, mais disponíveis, para lhes darem formação.

Importa, agora, refletir sobre os principais desafios que este (des)confinamento acarreta, nomeadamente no que à humanização da formação diz respeito.

Quem me conhece, sabe que sou um defensor da dignidade da pessoa humana, nas suas mais variadas dimensões, com especial enfoque na vertente do relacionamento pessoal. Acredito que é na troca de experiências e no convívio pessoal, que conseguimos chegar ao coração de cada Pessoa e, com isso, que nos desenvolvemos, não só como profissionais, mas sobretudo como seres humanos. Por este facto, mesmo reconhecendo os benefícios que o online comporta, costumo preferir formações de cariz presencial.

Temos, contudo, de ser realistas e de ver o mercado com um olhar mais fino, reconhecendo que os modelos de formação online vieram para ficar, seja pela sua componente de redução de custos, seja pelo facto de chegarem, de forma mais célere, a mais pessoas.

Desta feita, defendo que devemos batalhar por modelos de formação online que garantam, dentro do possível, que os relacionamentos humanos não saem fragilizados com esta mudança de paradigma.

Na Talenter™ Academy, desde cedo, assumimos modelos mistos de formação, que conjugam o e-learning com a formação à distância (via Zoom ou Teams, por exemplo), como forma de calibrar a vertente didática com a vertente relacional. Chegamos a ir mais longe, quando reservamos momentos específicos da formação para a troca de experiências, tanto em sessões de grupo como em eventuais salas privadas.

Acima de tudo, para além do objetivo técnico-pedagógico de aquisição de novas competências, procuramos que as nossas formações sejam momentos únicos e irrepetíveis de conhecimento mútuo, entre os seus participantes. No final de cada ação, assumimos que tivemos o êxito mínimo, quando os nossos formandos saem com o desejo de aprofundar o seu relacionamento entre si.

Quando olho para uma franja substancial da oferta de formação existente no mercado, tenho alguma dificuldade em discernir por que Academia decidir. Algo que me tem ajudado muito é, por isso, pensar nesta vertente humana e humanizadora da formação, afinando os meus critérios de escolha por critérios que garantam aquilo a que chamo de padrões mínimos de convivência.

Estes princípios ganham uma nova robustez e importância redobradas, quando as formações acarretam uma componente de avaliação. De facto, quando o objetivo final de uma formação passa por adquirir uma certificação, por exemplo, mais facilmente podemos cair na tendência de padronizar e uniformizar a formação e os alunos como um todo, correndo-se o risco de colocar em jogo esta componente humanizadora.

Para colmatar este risco, defendo que, mesmo para as formações que têm este cariz avaliativo, é importante definir-se, à partida, nos seus critérios de avaliação, indicadores que defendam precisamente o contributo que cada aluno trouxe na esfera do relacionamento pessoal. Com esta estratégia, desafiamos os nossos alunos a saírem das suas zonas de conforto, para se relacionarem entre si e se conhecerem enquanto Pessoas.

Uma outra dimensão que nos desafia a pensar diferente, no que à formação online diz respeito, passa pelo número mínimo (e máximo) de alunos que aceitamos ter em “sala de aula”.

Esta dimensão ganha um novo relevo, sobretudo quando, algumas empresas, procuram formar, em simultâneo, todos os seus colaboradores. A este respeito, na Talenter™ Academy preferimos não avançar com determinados projetos, quando vimos que não iriamos conseguir garantir uma conjugação equilibrada da vertente pedagógica com a vertente humana anteriormente defendida.

Quando se avança com formações online com muitas pessoas em “sala”, corremos o sério risco de não chegar, da mesma forma, à essência de a todos os nossos alunos.

Este risco ganha um relevo maior, sobretudo quando temos em “sala” pessoas de diferentes grupos etários e, por consequência, com diferentes níveis de literacia digital. Por outras palavras, corremos o risco de colocar a Pessoa ao serviço do digital, quando o objetivo deveria ser precisamente o inverso.

Em jeito de conclusão, vimos como o desconfinamento tem levado muitas empresas a retomarem os seus planos de formação, mantendo, contudo, a opção pelo online. Ao longo deste pequeno artigo de opinião, procurei alertar para alguns dos riscos que o online traz consigo, nomeadamente no que à desumanização da formação diz respeito.