Perdemos o factor humano na comunicação em e-commerce?

Ao caminharmos para uma compra cada vez mais virtual, estaremos a perder a humanização – o factor humano – na transacção económica de adquirir um produto e/ou serviço?

Em Portugal, este ano, existiu um crescimento no registo de domínios em .pt de 25% face a 2019 (ano de recordes), em abril o crescimento foi de 67% (mais de 10 mil registos .pt) e em agosto, houve um crescimento de 35,1% (6843 novos registos). (Dados apresentados pelo dominios.pt, em setembro de 2020).

Este aumento assoberbado de websites (muitos deles, lojas online), para manter o contacto com o cliente, vem fazer com que muitas empresas não façam a devida preparação prévia. Fica a faltar uma estratégia, uma estrutura de TI forte, um serviço logístico ágil, uma equipa bem preparada (para este novo modelo de venda), e um serviço ao cliente que acompanhe a excelência que existia, na loja física.

A aceleração digital, consequência da pandemia mundial em 2020, veio trazer o confinamento e o distanciamento social, o que provocou a falta de contacto com o ponto de venda físico, com o vendedor ou representante da marca, e foi substituído em grande parte por e-commerce. Mas, para algumas empresas, este ‘novo’ modelo apresenta algumas falhas, logo no momento da decisão de compra do cliente: falta de recomendação do melhor artigo (exemplo, cor da base na maquilhagem), falta de aconselhamento para substituição do produto, ou até mesmo o sentir ou cheirar o produto (exemplo o toque do tecido ou o cheiro do perfume).

Nos últimos anos, têm surgido algumas figuras conhecidas do digital, denominadas por ‘influencers’, que pretendem transmitir as emoções e sensações que o produto ou serviço lhes transmite. Serão, estas figuras, um exemplo da amenização da falta do contacto humano com o consumidor? Conseguirão os ‘influencers’ transmitir os sentidos que já não utilizamos no momento da compra, neste novo ponto de venda online?

A par destas alterações, surge também a dúvida de se um potencial cliente conseguirá controlar melhor o impulso de compra, quando não tem um vendedor a persuadi-lo a comprar. Quando estamos a navegar num website ou app, não temos o constrangimento de alguém ver que vamos sair (ou desligar), deixando as peças no ‘carrinho’. No entanto, conseguiremos fugir à perseguição do remarketing? A cada website que visitamos reaparecer o (banner do) produto, que visualizamos anteriormente numa outra página? Ou o anúncio de Facebook que nos mostra esse mesmo produto? E, até o email que nos chega, para não nos esquecermos das peças que deixamos no carrinho?

Com um ponto de venda digital, este é mais alargado a nível geográfico. Podemos estar na Austrália a comprar uma peça de uma marca portuguesa. Um produto que está a ser produzido no Porto, e que irá para o armazém em Valongo, antes de seguir viagem além mar.

Com a globalização isto era algo que já acontecia, mas com a aceleração digital veio tornar-se cada vez mais presente e essencial para a maioria das empresas.

Mas, isto não acontece apenas com a venda de produtos físicos, muitos serviços conseguiram também dar o passo para o digital, como é exemplo o treino com Personal Trainer. Agora o profissional acompanha o cliente à distância, e em directo, via plataforma própria de video ou recorrendo a plataformas já existentes (como é exemplo o Zoom). Assim, com a filmagem em tempo real do treino, o PT poderá corrigir a postura do seu cliente nos exercícios, dar recomendações e interagir com ele no próprio momento. E, este acompanhamento é possível de complementar com outros profissionais, que também estão a orientar o cliente neste serviço, como é o caso do nutricionista.

Um dos momentos finais da compra online é a transacção virtual do pagamento (exemplos como pagar com cartão de crédito, paypal, referência multibanco, MBway), realizadas praticamente num clique, o que também tornam mais fácil a compra. Este tipo de pagamento fará o cliente perder a noção real do custo? Pois já não está a realizar o pagamento a dinheiro ou cartão débito/ crédito em loja física. Por outro lado, a compra online também nos faz perder a noção do volume do ‘saco’ – a quantidade que compramos.

O processo de compra online, termina com a entrega do produto na morada que o cliente indicou. Mas, será o método de troca e devolução mais complicado numa compra online?

Algumas empresas fazem já a recolha do produto na morada do cliente, mas estas ainda são uma minoria. Também a entrega é muitas vezes realizada por transportadoras, e não por um elemento da empresa vendedora, desconhecendo os valores da marca e as suas regras.

Será a satisfação do cliente a mesma, no acto de compra, ao adquirir um produto em loja física, e que poderá levar logo para casa, ou na compra online em que tem de esperar alguns dias, pela entrega do produto? Estará a compra online a criar ansiedade? (Falsas) Expectativas? Incerteza? Esta será certamente uma área, a nível psicológico, ainda a ser estudada no que diz respeito ao consumo online.

Tornam-se aqui os serviços pós-venda e de apoio ao cliente extremamente importantes. Muitas vezes, é difícil explicar algo num formulário, num chat ou email. E, até mesmo mostrar algum tipo de defeito num produto adquirido.

Existirão mais devoluções nas compras online do que nas presenciais? Neste momento é dificil termos resultados comparativos destas estatísticas, pois se o consumo online aumenta é natural que também aumentem as devoluções.

Aos dias de hoje, e já com a possibilidade de nos dirigirmos a uma loja física, o que leva o potencial cliente ao ponto de venda? A publicidade? Querer usar os sentidos (cheiro, tacto, etc.) e confirmar a qualidade do produto?

Será que mais facilmente um potencial cliente irá a uma loja virtual, do que deslocar-se à loja física? Anteriormente, muitas das compras já eram realizadas online, mas muitas vezes o cliente ia primeiro à loja para receber aconselhamento, tirar dúvidas, e experimentar o produto.

As pessoas irão sempre comprar, pois como diria Carlos Fernandes da Silva, Professor Catedrático de Psicologia Cognitiva e Comportamental, ‘Opto ergo sum’ (Escolho, logo existo), derivado da famosa citação de René Descartes, ‘Cogito ergo sum’ (Penso, logo existo).

A compra está à distância de um clique, tão fácil e rápida, sempre ao nosso lado, num smartphone ou computador.