Recursos Humanos: uma função com valor?

Quando chego a uma nova empresa tenho o hábito de falar individualmente com as pessoas que fazem parte da minha equipa e colocar apenas uma questão: o que é que os motiva a ir trabalhar todos os dias?  Curiosamente (ou não), 99% das respostas centra-se nas pessoas, no facto de gostar de pessoas, de gostar de trabalhar para um cliente tão específico, volátil e desafiante como são os colaboradores de uma organização. Gostam de ajudar as pessoas a crescer, de formar e desenvolver colaboradores para melhorarem as suas capacidades e serem melhores a cada dia que passa. No fundo, gostam de fazer pessoas felizes. E devolvem-me, invariavelmente, a mesma questão: não é? Não é esse o objetivo dos Recursos Humanos?

A minha resposta é sempre: depende. Depende do estado de maturidade da organização, depende da cultura existente e da cultura organizacional pretendida. Depende, sobretudo, do negócio. Nada tendo contra esta visão dos Recursos Humanos, a minha convicção é que tudo isto deve vir como consequência do trabalho e não SER o objetivo da função Recursos Humanos.

Na minha opinião, o cliente principal da função RH não são as pessoas: é o negócio e os clientes do negócio. Sim, as pessoas são importantes, mas um negócio tem que vencer no mercado para que a organização persista e os postos de trabalho existam. Assim, acredito que, primeiro que tudo, o principal objetivo da função Recursos Humanos é dar aos colaboradores uma organização com um negócio rentável e vencedor, pois sem isso não existe organização.

E, se uma organização precisa de pessoas para existir, necessita, acima de tudo, de ser rentável ou entregar os resultados de negócio com que se comprometeu (uma ONG não vende produtos, mas não deixa de ter que entregar resultados aos stakeholders).

E como é que a Gestão de Recursos Humanos/ Pessoas pode impactar o negócio?

A gestão foca-se em resultados, e são esses resultados que geram valor para o negócio. Por um lado, podemos avaliar parcialmente o impacto avaliando a satisfação dos colaboradores com os serviços de Recursos Humanos da empresa. Por outro lado, a utilização das ferramentas e indicadores de RH já existentes, quando feita correta e consequentemente,  é importante para ligar os resultados de Recursos Humanos aos resultados financeiros e à confiança dos investidores no futuro da organização. A medição qualitativa das atividades da área de Recursos Humanos (ou seja, de quando e quantas vezes utilizamos estas ferramentas) é tão inútil como se um Call Center medisse os seus resultados de vendas pela quantidade de chamadas que são feitas em vez de pelas vendas que são efetivamente concretizadas.

Na realidade, o que nos diz um indicador de headcount de 200 FTE ou o cumprimento escrupuloso da data limite para estarem fechadas as Avaliações de Desempenho? Nada. É necessário demonstrar algum impacto nos resultados do negócio. Mais importante que o processo é o resultado do mesmo. O indicador de headcount, por exemplo, só tem importância se for utilizado como componente de um indicador de produtividade previamente definido (recurso que entra / resultado produzido), como por exemplo: “Rendimento/ Lucro por Colaborador”.

As Avaliações de Desempenho só fazem sentido se existir ação sobre esses resultados, se forem desenhados (e cumpridos) planos de melhoria para quem tem resultados insatisfatórios e planos de desenvolvimento. Indicadores de RH das diferentes áreas que impactam o negócio são extremamente úteis e suportam uma tomada de decisão informada, transformando os Gestores de Recursos Humanos em verdadeiros parceiros de negócio e não num centro de custo ou nos organizadores de eventos empresariais para fomentar o espírito de equipa na empresa.

Os resultados individuais (produtividade, retenção de talentos, os valores dos estudos de clima organizacional) contribuem para melhores resultados organizacionais (mais colaboração, inovação, uma melhor cultura organizacional). Estes dois fatores – resultados individuais e organizacionais – contribuem para clientes mais satisfeitos e um maior retorno financeiro para a organização.    

É esta falta de foco nos resultados financeiros que, não raras vezes, faz com que as organizações optem por entregar a liderança de Recursos Humanos a pessoas com background financeiro, pois os Gestores de Recursos Humanos são demasiado focados em pessoas, em formação, recrutamento ou processos administrativos, não demonstrando, do ponto de vista da administração, capacidades para gerir o maior custo de uma organização, o custo do capital humano.

Só com processos centrados no propósito da organização e no negócio/cliente e ligando estes processos a resultados mensuráveis é possível demonstrar o valor que os Recursos Humanos transferem para a empresa e comprovar que as pessoas não são um custo.

Como assim? Então, a satisfação dos colaboradores, a cultura que vai de encontro ao propósito da empresa, o desenho organizacional em matriz para melhorar o espírito de equipa, a implementação de programas de desenvolvimento de liderança, nada disso interessa? Claro que sim, mas apenas quando as áreas de RH estão devidamente alinhadas com as necessidades do negócio, quando o valor acrescentado é mensurável e demonstrável.

Passível de utilização em qualquer tipo de organização, descobri há algum tempo o “ELVT – Employee Lifetime Value” ou “Valor do Ciclo de Vida do Colaborador”, como definido por Maia Josebachvili da Greenhouse Recruiting.

Este indicador assenta em pressupostos facilmente observáveis e mensuráveis: quando um colaborador é admitido está a contribuir com um valor negativo, pois custou dinheiro e tempo para contratar e ainda não está a produzir (Custo de Recrutamento). Um processo de integração robusto vai diminuir o tempo necessário para que esse valor se torne positivo e o colaborador entre em plena fase de “produção e entrega de resultados” (Acolhimento). Passado um tempo, que pode ser mais ou menos longo, a vida do colaborador na organização chega a uma encruzilhada: ou começa a crescer dentro da organização (Desenvolvimento) ou procura a saída pois não se identifica com a organização (Cultura).

O tempo que decorre entre estes dois pontos e os resultados conseguidos neste período determina o ELVT do colaborador e ações concretas por parte dos Recursos humanos poderão aumentar ou diminuir este resultado, consoante o tempo o colaborador permanecer na fase de “produção de resultados”.

Este conceito, que torna mensuráveis quatro dos processos que são bases na Gestão de Recursos Humanos (Recrutamento, Acolhimento, Desenvolvimento de Colaboradores e Cultura Organizacional) fundamenta a minha convicção de que um Gestor de Recursos Humanos tem que ter, além de competências de gestão de pessoas, competências numéricas e de gestão financeira. Só com estas competências em equilíbrio iniciaremos o caminho de credibilização dos profissionais de Recursos Humanos como verdadeiros gestores de recursos que, como ativos voláteis e com vontades e necessidades únicas, são os ativos mais valiosos de qualquer organização.