Sofrer para Sorrir – Sobre o Propósito, as Escolhas e a Mudança

O meu propósito com este artigo, é apenas questionar, provocar reflexões e partilhar a minha perspetiva de vida quanto a temas vários que me são deveras queridos, com uma pitada psicológica em contexto de revolução pandémica.

Felicidade é um tema comum nos dias que correm, mas o que significa mesmo? Será estar alegre todos os dias da nossa vida? É sentirmo-nos incrivelmente energizados e produtivos junto dos demais? Será conciliar todos os papéis de vida de forma exímia e sem falhas a apontar? Será um estado nirvana apenas reservado a quem se dedica uma vida qual monge budista?

E Felicidade Corporativa? Será aquele sentimento de dever cumprido depois de um dia de trabalho? E termos uma boa relação com todos os colegas e abraçar o espírito de equipa? Será entregar sucessivamente uma parte do que somos para alcançar os resultados ambicionados? Serão croissants quentinhos no início da manhã, uma aula de surf a meio da tarde e aquela happy hour no final do dia?

Será que esta diferenciação entre ambas as conceções faz sentido? Parto deste ponto, pois considero que não. Se há aprendizagem que tenha sentido ao longo do meu percurso de vida pessoal e profissional, é que ambas estão intimamente ligadas, e que o trabalho numa dimensão terá que ser acompanhado ou equilibrado pela outra. Isto é, para poder haver uma relação de verdadeira reciprocidade na dimensão pessoal e profissional, parte do que somos e fazemos, tem que ser coerente com aquilo que nos é pedido, inserido num contexto facilitador do desenvolvimento.

Frases como: “onde não puderes amar não te demores”, “põe quanto és no mínimo que fazes” e “sentir tudo de todas as maneiras” foram-me pautando a visão do que era e fazia. Frases ditas pelos meus como: “faz tudo bem e à volta disso não faças mais nada”, “não deixes para amanhã o que podes fazer hoje” e “demora o mesmo tempo bem feito que mal feito” também. Certamente que, da mesma forma que estas frases foram formando as minhas ações ao longo do meu desenvolvimento, a outros tantos aconteceu o mesmo por esse mundo fora, com outras referências do género.

A forma como somos educados e as experiências que somamos têm extrema influência na forma como lidamos com novos estímulos e contextos. Sendo que, a maioria das situações com que nos deparamos na vida são novidade e muitas delas voláteis e imprevisíveis. E isto é a vida a acontecer.

A maneira que aprendemos a lidar com elas anteriormente, pode não ser a mais adequada para a nova situação que surge. E aqui, é importante conhecermo-nos, aprofundarmos continuamente quem somos, de onde viemos, onde estamos e para onde queremos ir. Só assim estaremos mais conscientes para lidar com os outros ou com o contexto de vida pessoal ou profissional que nos é apresentado. Reparar que não disse capacitados, pois isso é um trabalho interior que nunca acaba.

A felicidade per si poderá ter assim um engodo que nos deixa inebriados de fazermos esta busca interior e de apenas colocar o ónus de responsabilidade no contexto externo, como se não dependesse de nós maioritariamente. Por exemplo, “quando é que o mundo volta ao normal”, tem sido a pergunta mais repetida ultimamente. E aceitar esta incerteza como parte do caminho para um “novo normal”, que já chegou e está em vias de “normalizar-se”?

Não nos permitirmos a sentir o bom e o mau na sua magnitude, não nos abrirmos e não sermos honestos connosco próprios e com os outros, fecha-nos à humilde condição de aceitar a vulnerabilidade que nos é intrínseca enquanto seres humanos, e que nos torna mais capazes de lidar com a vida em geral. E como uma das pessoas que mais admiro na área de Coaching e Liderança refere muitas vezes – a Cristina Madeira – isto é “dançar com a vida”.

Tenho aprendido que a Felicidade é tomar o tempo e o espaço que for preciso para aprender a saber sofrer, para sorrir de dentro para fora, para saber respeitar os meus timings e empatizar com os do outro, para identificar onde estão os meus limites, para lutar pelo que acredito, para saber largar e quando é hora de avançar.

E isto requer querer o risco de sair brutalmente da nossa zona de conforto, estar disponível para nos abrirmos a nós ao mundo e remexer por dentro, ir ao fundo de crenças antes inabaláveis e conceções rígidas, sentir aquela dor e um incómodo profundo que nos permite ir em busca de uma nova forma de ser e fazer, sem nunca nos despersonalizar da nossa essência.

As organizações por onde tenho passado, têm-me dado o privilégio de poder desenvolver este trabalho em mim e observar o comportamento do outro aquando os desafios do dia-a-dia. Observar e até intervir na medida em que poder despertar o melhor na consciência do outro, é para mim, a melhor parte de lidar com pessoas.

Saber ouvir para escutar, estar lá física e emocionalmente, completo e consciente, disponível para abraçar o caos, aceitar a falha e aprender com o erro, amparar as quedas e reconhecer vitórias. Reinventarmo-nos as vezes que forem precisas, se não corremos o risco de ficar longe uns dos outros e pior, cada vez mais afastados de nós próprios.

E não há sentimento mais oposto à felicidade que este, a distância emocional. Somos seres sociais, precisamos de estar conectados uns com os outros de certa forma, mas isto só é possível na sua plenitude, se tivermos consciência de nós mesmos, e este contacto interior, pode ter tanto de doloroso como de prazeroso.

Fazer o que se quer e o que se gosta é importante na medida em que nos garante uma certa liberdade de expressão e sentido de propósito e existência, mas o espírito de sacrifício e tolerância ao erro na dose certa, tornam-nos mais completos, mais humildes e capazes no treino da resiliência.

Nunca agora foi tão colocada à prova a nossa capacidade de adaptação face à velocidade e imprevisibilidade com que as mudanças acontecem, por isso trabalharmos o nosso propósito, munirmo-nos das pessoas e ferramentas necessárias nessa jornada e mantermos a robustez física e mental, é fulcral.

Neste caminho, trabalhando estas questões internas que dependem de nós próprios para os contextos e situações que nos colocam à prova, procurar mentores ou pessoas “que puxem por nós” e nos ajudem ao longo do mesmo, é vital na conquista da nossa transformação.

Tenho tido a “sorte” de ter ótimos mentores em áreas de referência para mim: um apaixonado por Transformação do Negócio – Pedro Valido (Diretor Transformação Cloud, Data e DX Western Europe na Fujitsu) e a Cristina Nogueira da Fonseca (Happyologist, Professora e Chairwoman Corporate Happiness Board) pioneira nas áreas da Felicidade corporativa – entre outras “boas pessoas” que nos vão marcando pela positiva e com as quais aprendo continuamente a ser melhor como pessoa e enquanto profissional.

Assim, irmos em busca de uma organização que tenha uma missão/propósito, valores alinhados com os nossos e que potenciem um contexto de desenvolvimento do nosso melhor lado, será uma relação de maior probabilidade de sucesso para ambas as partes.

Numa primeira abordagem, podemos tentar saber mais sobre a cultura de uma organização através da comunicação que faz em termos de recruitment marketing e employer branding, qual a sua proposta de valor enquanto empregador/EVP, vendo ferramentas de rating de empresas se aplicável (ex: Glassdoor), contactando via Linkedin p.e. atuais colaboradores da empresa que lá estejam há algum tempo, entre outras vias que tais.

Numa segunda fase, nas entrevistas de recrutamento p.e. tentar conhecer ao máximo o local e condições de trabalho, políticas de acolhimento e integração, formação e gestão de carreira, solicitando exemplos de casos de sucesso sempre que possível, saber qual o âmbito das suas funções/responsabilidades e grau de autonomia associado, que ferramentas e recursos dispõem para fazer o seu trabalho e qual o timing e expetativa no seu alcance, que tipo de benefícios e compensações variáveis dispõem, entre outros.

O tipo de comunicação e ações em que uma empresa investe na atração de candidatos, tem que ser coerente com a comunicação e personificação interna dos seus valores, que por sua vez está ligada com o investimento no desenvolvimento e estratégia aplicada às suas pessoas. Aqui sim, existindo um match claro entre os valores, propósito e objetivos de ambos associado a um contexto organizacional potenciador do meu desenvolvimento enquanto pessoa e profissional, as empresas proporcionam a chamada felicidade corporativa, um contexto sólido e saudável para poder estar e ser.

“Quem sou”, “Onde estou” e “Para onde vou”, sempre foram questões relevantes no meu desenvolvimento e quando alguma está menos clara, sei que tenho de investir na clarificação dessa busca interna. Saber qual o meu core e valores, pois são eles a “lanterna” que guiam as minhas ações, saber onde me encontro e qual o meu grau de compromisso e envolvimento nesse ponto, para onde me movo e o que preciso para lá chegar, tem sido o meu método. Cabe a cada um encontrar o que melhor lhe serve e adaptá-lo sempre que necessário.

A consciência de nós próprios e dos outros e do que se passa à nossa volta, permite-nos estar mais atentos às nossas próprias necessidades e logo mais disponíveis para atender às necessidades e desejos do outro. Importante definir os limites e atender à lei da reciprocidade. E esta foi outra das grandes aprendizagens que tenho vindo a fazer através da observação nas organizações, mediando expetativas e consequentes frustrações no caminho.

Outro ponto que pode ajudar nesta descoberta, é procurar feedback, uma vez que a forma como nos vemos, é diferente da forma como os outros nos percebem. Os nossos pares na vida pessoal, os amigos p.e., e na vida profissional, os colegas e chefias, têm um papel relevante neste sentido.

Na clarificação do propósito, começar pelo “porquê”. Tal como o meu querido Simon Sinek refere e bem, tudo o que fazemos na vida tem um porquê associado. Colocando-nos esta questão de tempos a tempos, ajuda-nos a esclarecer muitas das nossas ações, atitudes e motivações.

Ter líderes capacitados de inteligência emocional q.b. para levarem a mudança necessária em frente nas organizações, é fundamental para que as equipas se possam inspirar e tomar ações coerentes de acordo ao que observam e vivem à sua volta.

Trabalhar a inteligência relacional e comunicar com as pessoas, ajustando aos diferentes quadrantes de comunicação consoante o interlocutor, também se revela essencial para estar próximo das reais necessidades do negócio.

Identificar aqui qual o gap de competências a trabalhar nos colaboradores, será uma boa base para o reskilling que esta nova revolução digital veio trazer como necessidade nas hierarquias, para que as empresas se possam reposicionar como competitivas e adequadas às exigências do novo mercado e cliente.

Acredito veementemente que só é possível atender verdadeiramente às necessidades do cliente externo, se houver esta vontade e alinhamento interno. Especialmente em negócios de serviços, como é o caso da hotelaria e restauração – onde tenho trabalhado nos últimos anos – e onde a entrega é direta, de pessoas para pessoas.

Estamos a viver uma nova revolução industrial, em que mais que nunca colocar as pessoas conectadas umas com as outras nunca foi tão desafiante e necessário. Se já o era presencialmente, depois de uma pandemia em que o nosso sentido de sobrevivência, sentimentos de solidão, incerteza e volatilidade emergem diariamente, coloca-se a necessidade de sabermos “sofrer” enquanto indivíduos e sociedade e munirmo-nos das pessoas e ferramentas certas, para conseguirmos depois obter mais e melhores momentos de felicidade e até acompanhar a transformação cultural de uma empresa de forma coesa e realista, criando as pontes de confiança imprescindíveis ao processo.

Mais humanidade e conexões mais vulneráveis e autênticas uns com os outros, poderão ajudar-nos, quer na vida profissional quer pessoal, a passar esta fase de mudança, cientes das nossas forças, princípios e fraquezas e trabalhando sobre elas.

É urgente acordar para as próprias necessidades que não são tão diferentes assim das do outro. Trabalhamos em primeira instância para viver, fazermos o que gostamos é um prazer sem dúvida, sendo que nem todos chegarão a este “estado iluminado” por diversas razões internas ou externas, que tal proporcionarmos uma experiência o mais agradável possível uns aos outros? Porque provocar o pior no outro é fácil e um lugar comum, ter um impacto positivo genuíno parece ser um privilégio, mas se cada um fizer o seu trabalho, interior e exterior, acredito que ficaremos todos mais bem posicionados para a conquista da felicidade.

E aí a mudança organizacional e a felicidade corporativa terão mais hipótese de deixarem de ser grandes temas teóricos, pendurados nos Departamentos de RH e passíveis de altos investimentos financeiros, quando na realidade o verdadeiro investimento parte de cada um de nós.

Quanto a mim, tentando que seja leve (nunca é) escolho o caminho sinuoso, escolho a visão inesperada e a mudança sustentada. Escolho os momentos entre o sofrer e o sorrir, todo esse caminho intermédio de crescimento e autodescoberta, essa página em branco que dá esperança na história que ainda está por escrever. Sofrer para sorrir não é uma condição, é uma escolha.