TAKE 8 – A insondável arte da entrevista
A Benedita entrou no carro, depois de mais um dia na “Terra do Nunca”, ligou o motor e saiu do estacionamento da empresa, precisava de chegar a casa e esticar-se no sofá, tinha uma dor de cabeça e outra nos pés e, o pior é que ambas competiam por um primeiro lugar, na escala de “doí-me tudo até a alma”.
No dia que celebrou os quarenta anos, fez uma promessa a si mesma: livrar-se de “pessoas idiotas e sapatos apertados” porque ambos lhe provocavam enxaquecas terríveis, eram uma espécie de “desmancha-prazeres” da sua atitude positiva. Não tinha conseguido ainda concretizar o plano!
O trânsito fazia adivinhar uns bons momentos passados numa fila sem pressa de avançar, e deixou-se divagar nos seus pensamentos. O seu cérebro, qual máquina do tempo dominadora e imprevisível, transportou-a de novo para a empresa, para sala de reuniões. Recordou de forma muito vivida, a sua entrevista com o Santiago Brazão – tinha sido apoteótica e reveladora e, acima de tudo infrutífera – o candidato já tinha sido “indiciado” para uma função que já lhe pertencia, e restava aceitar o inevitável – a entrevista funcionou como uma espécie de “speed dating pro”, que se o fosse na realidade, excluiria o Santiago da corrida “quem é o tal do perfil ideal”!
– Como está Dra. Bibi? Permita-me o petit nom, mas soa-me tão simpático e elegante – este passo introdutório da mise en scéne do candidato Santiago, valeu um esgar expressivo da Diretora de Recursos Humanos, que adivinhava a vontade de o fazer desaparecer por uma qualquer arte de magia.
– Como está Santiago? Bem-vindo…faça o favor de sentar, iremos então dar inicio à nossa entrevista. – Formal, cordial e breve era como soava o tom da Benedita, enquanto indicava a cadeira onde o Santiago deveria sentar-se e pousava a sua pasta, que continha o curriculum de meia página do candidato e a sua grelha para tomar notas da entrevista (esforço retórico mas zeloso).
O Santiago Pavão, desculpem Brazão (o famoso acto falhado, em latim lapsus linguae, é um ato que difere do seu significado, o qual a intenção consciente do sujeito desejaria expressar) sentou-se em frente à “Deusa do petit nom” e cruzou a perna, levantando levemente a calça vincada, deixando à mostra as meias pretas com um belíssimo monograma (que subtilíssima elegância!) igual ao do anel que usava no dedo mindinho e, que adivinhava uma família tradicional, provavelmente com raízes no Afonso Henriques…no mínimo!
– Pois bem Santiago, o seu curriculum é extremamente sintético, o que é sempre muito apreciado, mas propunha que me falasse sobre si, o seu percurso académico, o seu percurso profissional, irei colocando questões ao longo da nossa conversa, de modo a que possamos criar um contexto interativo e fluido, se não se importa irei tomando algumas notas também. – A Benedita mantinha a opção inicial “formal, cordial e breve” um valor seguro!
– Sabe que considero o curriculum um documento impessoal e pouco interessante, por isso não faço grande investimento nele, mas permita-se então navegar pelos aspetos que me pediu, o meu ensino primário e secundário foi feito no Colégio St. Gabriel de Paris, porque a mamã viveu sempre junto aos Champs Elysees… era editora de moda…fascinante a cultura Parisiense…o “bon chic bon genre” – o Santiago parecia estar num relacionamento consigo próprio, ou estaria só auto centrado num percurso de longa duração?
– Não se importa de avançar Santiago, consciente do tempo…
– Despois regressámos a Portugal, porque o papá estava adoentado e, passámos a viver no Solar da avó Sancha Brazão, ingressei na Faculdade de Belas Artes, talvez influenciado pela mamã…não digo que não, infelizmente devido ao falecimento do papá, tive de assumir os negócios da família e a arte ficou na alma…enfim – Santiago continuava enamorado de si…
– Desculpe interromper Santiago, tem então experiencia em Gestão, que tipo de negócios gere e que competências destacaria como mais fortes neste contexto de gestor? – Benedita continuava a apostar no valor seguro!
– O negócio de família é imobiliário – compra e venda de herdades… até ao momento já vendi cinco, o que demonstra o meu dinamismo e capacidade de influenciar cada comprador de forma decisiva!
– Enquanto Gestor, como analisa os seus resultados a rentabilidade dos seus negócios? – Benedita tentava aprofundar o tema…
– Repare até a data a minha experiencia é focada em venda e não na compra, as somas que recebo são para as minhas despesas mensais, aprecio as coisas boas da vida e por coincidência essas são sempre muito caras.
– Compreendo Santiago, e permita-me que lhe pergunte porque considerou assumir a função de Assessor do CEO nesta empresa?
– Sabe, nunca se deve virar as costas a um bom desafio e este é excelente, nasci para assessorar, tenho competências que me permitem afirmar, que tornarei o CEO uma personalidade importante em Portugal, da imagem ao estilo tudo será considerado, para o tornar uma estrela! – O ar de Santiago era agora convicto qual Napoleão Bonaparte na Batalha das Nações.
– Santiago é este mesmo o percurso profissional que pretende? E que valor acrescentado pode trazer a esta empresa? – Benedita tentava destituir a motivação de Santiago…
– Permita-me que reafirme a minha imensa motivação e vontade de assumir este cargo, até porque já não tenho mais herdades de família para vender e, nessa circunstância abre-se um espaço para uma nova carreira, note que eu proponho-me a mudar a imagem do nosso CEO e essa é a grande mais-valia – um CEO renovado é importantíssimo para o propósito e a reputação da empresa. – Remate final de Santiago e fim de jogo para a Benedita!
Uma buzina entrou pelos ouvidos da Bendita em tom estridente- o semáforo tinha ficado verde e nem tinha dado conta, estava numa espécie de regressão hipnótica, acelerou e antes de entrar na garagem, viu um flyer, que lhe tinham colocado no portão de entrada “a inutilidade de todo o sofrimento” naquele momento pareceu-lhe revelador!