Transição para a reforma

A reforma não é um único evento, mas sim um processo da transição do emprego para o não emprego. Assim, pressupõe um processo de transição e adaptação, implicando várias reorganizações, idealmente, ao longo da vida e não num único momento concreto.

Na literatura científica são destacadas duas teorias que ajudam a explicar o modo como decorre a transição e adaptação à reforma. A Teoria da Crise, atende à importância que o papel ocupacional/profissional desempenha, sendo a principal instância de validação cultural e social do indivíduo. Segundo esta teoria na passagem à reforma há um abandono de um papel determinante, e só será feita de forma positiva se o indivíduo conseguir substituir as atividades significativas inerentes ao papel de trabalhador, por outras atividades igualmente significativas enquanto reformado (Fonseca, 2004). Em contraste, a Teoria da Continuidade vê a reforma como um papel intrínseco à sociedade, mas o trabalho já não é a orientação central para todos os indivíduos, sendo que a reforma constituirá uma oportunidade para o surgimento e concretização de outros papéis extra-profissionais (Fonseca, 2004).

Tendo por base os princípios da teoria da continuidade, Atchley (1989) identificou um conjunto de fases através das quais se analisa frequentemente o processo de “transição-adaptação” à reforma:

  • fase da pré-reforma, o indivíduo começa a separar-se emocionalmente do seu trabalho; a passagem a um regime profissional a tempo parcial, poderá ser um facilitador de um maior equilíbrio emocional e promotor de uma articulação com outros contextos (família, lazer, interesses extra-profissionais);
  • fase “lua-de-mel”, há uma saída total da vida profissional e é marcada por uma elevada satisfação de vida, uma espécie de “férias prolongadas”, em que o indivíduo procura viver aquilo que anteriormente fantasiou;
  • fase do desencanto, é caracterizada pela diminuição da satisfação experimentada na fase anterior, ocorrendo sentimentos de vazio e estados depressivos;
  • fase da definição de estratégias de coping, com a satisfação sentida enquanto condição de “reformado” o indivíduo deixa as fantasias que tinha e procura soluções realistas para a ocupação do tempo disponível, que tragam consigo motivos de satisfação duradoura;
  • fase da estabilidade: o indivíduo já com uma capacidade para pensar e sentir a sua vida de uma forma integrada, começa a desenvolver objetivos de vida que se constituem como estratégias adaptativas eficazes face à situação em que se encontra.

Porém, às vezes algumas pessoas não conseguem chegar a esta fase de estabilidade e passam por uma de duas situações apontadas pelo autor: fase da dependência, em que há uma passagem de estado de total autonomia para um estado de necessidade de ajuda com a gestão do quotidiano; ou a fase do retorno, em que há uma procura de uma nova ocupação profissional para preencher o tempo e assegurar a satisfação de necessidades e de motivações que a reforma não conseguiu satisfazer.

Como qualquer mudança a transição para a reforma não é um processo linear e universalmente normativo. Todavia, emerge um elemento chave para que possamos assumir, com base nas perspetivas desenvolvimentais, que a transição para reforma constitui um momento de mudança (ou também designado de crise) através do qual se pode proporcionar desenvolvimento humano: o planeamento.

Vários são os autores que demonstraram que o planeamento da reforma tem consequências positivas (e.g., Taylor & Doverspike, 2003): 1) para a saúde do indivíduo, associado a menores níveis de ansiedade e depressão; 2) em termos de atitudes mais favoráveis em relação à reforma e maior ajustamento pós-reforma; e, 3) para a satisfação económica, psicológica e social do reformado, tendo um maior impacto sobretudo no início do processo de reforma.

Será que o trabalhador tem de fazer este caminho de preparação sozinho? Qual é o papel da empresa e da área de recursos humanos?

Podem as organizações apoiar esta transição através de práticas organizacionais de preparação para a reforma? E que práticas?

A literatura científica tem procurado sistematizar sugestões, das quais destacamos de seguida algumas apenas com objetivo exemplificativo:

  • Programas de preparação e acompanhamento – Realização de palestras motivacionais e sessões de partilha, para assegurar um acompanhamento aos trabalhadores que atravessam transições e desenvolver estratégias que facilitem a adaptação à reforma; coaching focado da definição de propósito e objetivos;
  • Horário Flexível ou Reduzido – Implementação da redução de horário à medida que a reforma se aproxima para uma transição gradual e uma boa gestão do tempo.
  • Bolsa de Formadores – Criação de uma bolsa de formadores reformados para ser utilizada pelas faculdades e empresas.
  • Integração nas Academias corporativas – Passagem de conhecimentos e experiências dos reformados para os mais novos, através de formações, workshops, em regime parcial ou voluntário.
  • Participação em atividades desportivas – Constituição de um clube de antigos trabalhadores e criação de atividades desportivas, com a participação dos reformados.
  • Presença em convívios – Participação dos reformados em convívios criados pela empresa, por exemplo, excursões ou jantares de Natal.

Qualquer que seja o programa a ser definido pela empresa deve ter em consideração que a cultura organizacional e a liderança têm de acompanhar este trabalho, quebrando barreiras financeiras e psicológicas, como os receios de despedimentos. O tempo de não trabalho deve ser preparado a partir do primeiro dia de trabalho!

Texto escrito por:

Carolina Almeida, Mestre em Políticas de Desenvolvimento de Recursos Humanos

Sónia P. Gonçalves, Doutorada em Psicologia, Professora Auxiliar ISCSP-ULisboa

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