Um relato onde escutar é mais que apenas ouvir

Uma Estória de RH sobre Escuta Ativa

Ele era um dos candidatos em um processo seletivo para a posição de Gerente de planta. Tinha uma excelente formação, presença e postura marcante. Sabe aquela pessoa que te impressiona chega chegando, bem, este era o Arthur. Falava muito bem, tinha experiência ótima, em boas empresas e boas referências. Muito simpático e alegre, parecia combinar em muito com a cultura da empresa.

Não foi difícil para todos que o entrevistaram o aprovarem, quase que instantaneamente. Arthur, no mês seguinte, começou seu processo de integração na empresa. No início, muitos elogios, rapidamente estava em contato com muitas pessoas de diferentes áreas e levantando várias possibilidades. Todos pareciam ter recebido bem o Arthur e este, parecia estar feliz na nova empresa. Recursos Humanos estavam com a sensação de missão comprida, trabalho feito com sucesso.

Na planta para qual o Arthur foi contratado existia um projeto novo, o qual a empresa esperava que Arthur fosse o responsável por conduzir. Várias áreas seriam envolvidas e o resultado iria transformar a forma daquela planta trabalhar.

Após 6 meses na empresa, o projeto começou. Arthur, até aquele momento, estava envolvido junto com outras áreas em várias reuniões de preparação, mas, ainda não havia assumido de vez suas responsabilidades como Gerente da planta. Todos estavam acreditando que seria sucesso.

Após os primeiros passos do projeto, começou a surgir um certo desconforto em relação ao Arthur. Ninguém falava a respeito, Recursos Humanos não tinha ideia do que estava acontecendo, mas, de forma velada, o desconforto foi crescendo. Um conversava com o outro, contava seu dissabor e revolta, mas, somente entre eles.

O tempo foi passado, o projeto parecia caminhar bem aos olhos da diretoria geral, finanças e RH. Até que um belo dia, um supervisor da planta, o Manuel, em conversa com a Supervisora de RH da planta, Paula, expressou algo que a fez achar estranho. Estavam conversando sobre o programa de desenvolvimento, o perfil de cada integrante, os gaps a serem trabalhados. Falando de desenvolvimento, de possibilidade de crescimento das pessoas e mudança, porém, não havia entusiasmo na fala de Manuel.

Paula ouvia falas como: é, pode ser; sem problemas, pode ser assim; tanto faz, pode decidir; fizeram Paula, que conhecia bem o Manuel, perguntar, de forma bem direta:

– O que está acontecendo com você Manuel? Está tudo bem? Estou sentindo você desanimado?

Muito sem graça e sentido como se tivesse sido pego fazendo algo errado, Manuel se desconcertou na cadeira, ficou calado por alguns segundos, olhou timidamente para Paula e desabafou:

– Você não faz ideia de como está difícil trabalhar aqui.

Paula perguntou:

– Como assim, não estou entendendo bem. Me explique melhor por favor.

E Manuel, respirando fundo, disse:

– O problema é com o Arthur.

E contou tudo que estava acontecendo. Falou que não só ele, mas todo o pessoal da planta não aguentava mais a maneira do Arthur lidar com os problemas do dia a dia. A maneira como falava com as pessoas e dava ordens, com autoritarismo, parecendo que todos eram ignorantes. Passava por cima das decisões tomadas pelos supervisores e falava diretamente ao colaborador na produção, metendo medo.

Nas reuniões, sempre tensas, só ele falava, os demais apenas consentiam sem emitir opiniões divergentes. Todo o entusiasmo, celebração, que sempre se observava nas pessoas que ali trabalhavam, diante de um projeto concluído, mesmo que pequeno, estava indo embora.

Toda aquela conversa caiu como uma bomba para Paula. Como lidar com tudo isso? Seu diretor de RH só trazia coisas boas sobre Arthur, sempre muito elogiado pela diretoria. Como poderíamos ter algo tão incoerente?

Paula agradeceu ao Manuel pela confiança e prometeu que nada seria dito, mas, que iria estar mais atenta.

Lembrou neste momento de uma frase que leu em um livro que muito a marcou “Ouvimos com nossos ouvidos, mas escutamos também com nossos olhos, coração, mente e vísceras.” Sentia que naquele momento, nada havia a ser feito a não ser escutar mais que ouvir, com todo o seu ser.

Paula começou a observar melhor as pessoas na planta. Em suas visitas à fábrica, tentava entender um pouco mais o que estava acontecendo. Mas, sempre de forma discreta, sem ser invasiva. Começou a perceber coisas que não via antes, quando acreditava que a planta, gerida pelo Arthur, estava em boas mãos. Percebeu que os auxiliares estavam mais quietos, a produção silenciosa, cabisbaixa.

Até que um dia, de expectadora, se transformou em vítima. Em uma reunião com Arthur para falarem sobre o desempenho de alguns profissionais da produção, ele não conseguiu manter a pose diante da discordância de Paula. Quando Paula expôs suas razões, ele simplesmente disse que o responsável era ele e que ela teria apenas que executar o plano. Um segundo sem reação, Paula deixou claro que a decisão sobre o destino daqueles colaboradores deveria ser compartilhada e que voltariam a falar sobre o assunto.

Naquela mesma semana, mais uma surpresa. Um colaborador da produção veio trazer seu relato a Paula. Muito parecido com a conversa que teve algumas semanas antes com o Manuel. Paula não teve dúvidas, era hora de conversar com o Diretor de RH e compartilhar  a situação.

A conversa não foi fácil, seu Diretor, inicialmente, queria nomes para entender melhor, mas, Paula se negou a dizer. Falou de sua própria experiência com Arthur e pediu ajuda para resolver o caso, que, exigia um certo cuidado. A situação já estava ficando complicada, Paula descobriu que havia pessoas que se desligaram por causa de Arthur, mas, nada disseram na entrevista de desligamento.

As notícias começavam a chegar ao RH.

A pedido do Diretor de RH, Paula oficializou a reclamação ouvida, porém, sem delação. Colocou tudo que havia observado e tomado conhecimento naquele mês e seus pontos de observação. Quando deu enviar em seu e-mail, sentiu uma pontada de insegurança. E agora? Ela estava falando de um gerente, que estava sendo muito bem avaliado por superiores. O mesmo medo de Manuel passou por seu pensamento.

Mas Paula queria acreditar que sua reputação, trabalho sério, respeito e confiança seriam levados em conta. Não há garantias em nenhuma ação que se toma em RH, somente o conhecimento prévio, o alinhamento correto e sério sobre qualquer situação.

Três meses após a conversa com seu diretor, Arthur não fazia mais parte da empresa. Quando questionado com maior profundidade sobre a planta, os resultados e a motivação da equipe, não soube trazer com clareza as informações. Se perdeu e não conseguiu disfarçar mais sua dissimulação. A empresa tentou ajudá-lo a mudar sua maneira de tratar, mas, ele não conseguia manter o que prometia e não demonstrava mudanças.

Paula foi chamada à diretoria. Um agradecimento pela coragem e seriedade com que tratou o caso, que era bem complicado e foi reconhecida por todos.

Paula saiu da reunião flutuando. Tinha certeza, naquele momento, que havia tomado a decisão certa. Quando trabalhamos em RH, não existe um manual. Cada caso é um caso e deve ser observado com atenção. Escutar atentamente as demandas, observar as pessoas, trazer o assunto à tona para discussão e pensar sempre no que é melhor para as pessoas e para a empresa, é o único caminho de sucesso.


Estória de RH com Personagens fictícios.

Livro citado na história: BENJAMIN, Alfred. A Entrevista de Ajuda. Martins Fontes. 2ªed, 1993