A vida. e a (in)consistência. nas relações. nas empresas. nos líderes

sou, eu e a Lara – e a relação que nos une – feitas de consistência. consistência não significa linearidade. às vezes, mesmo sendo consistentes, podemos ser, pontualmente, desatentos. distraídos. ser consistente implica estarmos disponíveis à mudança. mas, a consistência vai-se fazendo de sinais. que nos vamos dando. uma à outra. é assim, não é, Lara?

a Lara desafiou-me. a falar sobre consistência e mudança. e eu, claro, aceitei. que se há coisa que sou viciada é de desafios que me estimulem. de verdade. ora bem, é altura de me perder por pensamentos. como tanto gosto.

não sei bem por onde começar…ou,
não sei se concordam comigo, mas a inconsistência (seja nas nossas relações, nas empresas, em quem nos governa, etc.) é uma das dimensões mais difíceis de integrar. dentro de nós. o mesmo acontece no âmbito da saúde mental. não há nada mais “enlouquecedor” (desculpem-me o uso desta palavra) do que nos relacionarmos, de modo continuado, com pessoas que serão uma espécie de “anjo e demónio”, num só. sem nunca sabermos quem habita perto de nós. o anjo. ou o demónio.
e sabem por que razão é tão “enlouquecedor”?

porque estamos, constantemente, a processar informação. a antecipar reações e comportamentos. de quem connosco se encontra. somos animais atentos. e reativos ao que nos envolve. e, diante de pessoas, permanentemente, inconsistentes, ficamos “enjaulados” entre o pânico e a idealização. ora achamos que somos injustos por não amarmos e respeitarmos aquela pessoa (que tem momentos em que é boa” para nós) ora nos atemorizamos quando essa mesma pessoa se parece com um “monstro”. e, diante da incongruência, estamos, como instinto de sobrevivência mental, sempre a calcular. a medir potenciais “estragos”. a questionar se estamos “doidos” por temermos. ou se somos “merecedores” da atenção, pontual e intensa. de quem tememos.

agora lembrem-se, numa outra escala, dalguns relacionamentos (não tão extremados, claro). mas que, seguramente, serão inconsistentes. talvez alguns de nós já tenha gostado de alguém. que nos tenha feito sentir o melhor. e o pior. em simultâneo. porque, quando está perto, nos faz sentir o melhor. e, quando não está, soa a ausência. a descuido… lembro-me da música da Maro, “oxalá” que, a certa altura, canta: “fecho os olhos, morro de medo. já faz um tempo que te conheço. vai acabar, mais tarde ou mais cedo. vais-me trocar, não é um segredo. mas então porque não vou embora já?”. e continuamos com a “porta aberta” a essa pessoa. inconsistente. incongruente.

sabem porquê? porque é difícil. lidar com a inconsistência. porque o nosso cérebro (como “processador”) fica “baralhado”. e desconfia do que ele próprio calcula e sente. porque a inconsistência, de modo permanente, adoece(-nos). deixa-nos triste, dia após dia. e, se continuarmos com a “porta aberta” a essa pessoa, baterá, à nossa porta, o desamor. por nós mesmos.

e não é só nas relações que a inconsistência pode fazer adoecer. também nas empresas. nos governos. tenho saudades de rever, na política, líderes (sei que haverá, mas). carismáticos. um líder, seja no âmbito político, ou na dimensão empresarial, só o é se for congruente. consistente. se considerar a pessoa como o valor mais elevado da sua ação. um líder que for um líder não pode apregoar um discurso motivacional, no balancete da empresa e nas reuniões de equipa e, no momento seguinte, descuidar-se de quem gere e não considerar a sua equipa. um líder que for líder não diz uma coisa (como nas famílias. é igual)… e faz outra. um líder que for um líder não pode querer parecer ser um “anjo” quando, todos os dias, todos os dias, nos demonstra uma liderança confusa. tóxica. que nos adoece. que nos humilha. um líder que for um líder tem de conhecer a sua equipa. tem de conhecer “os cantos à casa”. um líder que for um líder tem de saber que a sabedoria reside nos conhecimentos. na empatia. na humildade de quem sabe que só pode ser maior se em relação.

a consistência…na vida. nas relações. no amor. nas empresas. na política. etc., ajuda-nos a querermos ser melhores. ajuda-nos, e privilegia, a possibilidade de mudança. porque nos permite crescer. a consistência permite que tenhamos, também, relações em que o amor é o valor mais elevado. em que caminhamos, lado a lado. e nos acrescentamos. todos os dias. a consistência permite que as empresas floresçam. não sei como não se entende isto. juro que não sei.
enquanto seres humanos, não perdemos, nunca, de vista, os líderes que, pelas suas ações, respeitamos. acreditem que o nosso cérebro não perde tempo a medir estragos diante de uma liderança justa. empática e humilde. não perde tempo a calcular se está em perigo (de ser despedido, negligenciado, despromovido, etc.). não perde tempo diante…

diante uma liderança justa; diante uma relação paritária e na qual duas pessoas se acrescentem, uma à outra; diante um governo que nos represente, em termos de liderança; etc., etc… diante, diante, diante…uma liderança consistente e equitativa, passamos a estar mais disponíveis para viver. em liberdade. e a querermos ser melhores. por nós. e por quem, com respeito, nos faz sentir, sempre, que trabalha para sermos mais. e nós, trabalharemos, para sermos mais. para quem é mais para nós. neste carrossel humano que nunca para. se sentirmos justiça. e congruência. no amor. nas relações. nas empresas. na vida.

olá Lara. queria perguntar-te de que é feita uma liderança consistente. ajudas-me? cheguei. para te escutar. passo-te as palavras. as tuas.

Tenho para mim que a consistência é uma condição fundamental para o bom funcionamento das relações interpessoais. Sou suspeita, é certo, mas aprendi-o com a Carolina (como aprendo tantas outras coisas). Com a consistência da amizade que nos une. Que funciona como alavanca para a compreensão. Promove a empatia. A confiança (sempre a confiança, não é verdade?).

A importância de nos comportarmos consistentemente com as nossas próprias ações, afirmações, compromissos, crenças e características autoatribuídas é há muito reconhecida. O Princípio de Consistência de Cialdini – um psicólogo norte-americano que investiga sobre a psicologia da persuasão -, atesta que: “depois de fazermos uma escolha ou assumirmos uma posição, enfrentaremos pressões pessoais e interpessoais para nos comportarmos de maneira consistente com esse compromisso. Essas pressões levar-nos-ão a respondermos de uma forma que justifique nossa decisão anterior”. E isto é tão verdade para os nossos relacionamentos pessoais quanto é para os nossos relacionamentos profissionais. Contudo, pouco se tem investigado e discutido sobre o papel da consistência no contexto organizacional e particularmente na liderança.

Sabemos, por experiência própria, que ao tratarmos os trabalhadores com respeito de forma consistente temos mais capacidade de gerar confiança. Veja-se, a título de exemplo, o caso do Comendador Rui Nabeiro. Sabemos, também, que o atual cenário macroeconómico contribui para que os comportamentos dos líderes sejam constantemente monitorizados e interpretados pelos liderados, principalmente em momentos de elevada incerteza e instabilidade nas organizações (como foi o caso da incerteza causada pela pandemia COVID-19). Logo, quando o líder exibe comportamentos novos, ambíguos e/ou confusos por comparação às expectativas comportamentais dos trabalhadores, estes envolvem-se num processo de atribuição de significado para tentar explicar essas variações e reduzir a incerteza. Este mecanismo é fundamental para a compreensão dos processos organizacionais, porque envolve transformar as circunstâncias numa situação que é abertamente compreendida e que serve como um catalisador para a ação.

Mas, que tipo de ações são estas que podem ser tão graves para as organizações quando têm à sua frente líderes inconsistentes?

Ora vejamos. A falta de um padrão comportamental consistente nos líderes está altamente relacionada com 1) o aumento da incerteza organizacional, 2) as perceções (negativas) dos trabalhadores sobre a ética do líder e da organização e 3) o sentimento (negativo) de autoeficácia dos trabalhadores.

Não será difícil de imaginar que, perante líderes inconsistentes, as organizações tenham uma maior probabilidade de integrar climas tóxicos, que promovem comportamentos negativos entre colegas (e.g., tentativas de corroer o trabalho dos colegas, por via do encobrimento de informação relevante), ou mesmo perante a organização (e.g., menos compromisso afetivo com a organização ou maiores níveis de absentismo). A adicionar, a inconsistência pode levar, também, a problemas de autoconfiança e autoestima nos trabalhadores, o que contribui para a diminuição da sua satisfação e performance no trabalho.

É certo que não somos robôs e que uma certa quantidade de variabilidade comportamental é importante e de se esperar. Mas, quando um trabalhador faz o que sente ser um bom trabalho num dia, sendo este bem recebido pelo líder, e no dia seguinte realiza um trabalho de qualidade semelhante, mas é altamente desvalorizado pelo líder, estamos perante uma receita desastrosa para incerteza e ansiedade. No fundo, o que os trabalhadores realmente valorizam é saber que, ao fim do dia de trabalho, podem confiar na pessoa que os lidera. Caso contrário, passam maior parte do seu tempo de trabalho a tentar compreender o que o líder pensa e a “retirar sentido” das suas atitudes e comportamentos.

E, agora, Carolina? O que acontece quando trabalhamos com alguém de quem gostamos muito, mas passamos tanto tempo a tentar retirar sentido das suas atitudes e comportamentos que leva a que a relação perca a sua “magia” e naturalidade?”

Lara, acho que, sem ter lido a tua pergunta, acabei por escrever e respondê-la. não achas?

Artigo escrito por:

Ana Carolina Pereira – Psicóloga Clínica e da Saúde. Doutorada em Psicologia Clínica (Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação).

Lara Pico – Assistente Convidada e Doutoranda em Gestão na Nova School of Business and Economics