Liderança é uma técnica que se aprende e se desenvolve coletivamente: é uma ferramenta de gestão
“A liderança não é definida pelo exercício do poder, mas pela capacidade de aumentar o sentido de poder entre os liderados. ” (Mary Parker Follet, 1924).
O poder, entendido por Mary Parker Follet, como um componente importante da liderança compartilhada se encaixa no conceito de representação de papeis. Poder para fazer coisas acontecerem devido à uma posição hierárquica que a pessoa exerça em uma organização, ou seja ao papel que ela representa nesta organização. Não se está falando de poder como dominação, o que é deletério para qualquer instituição. No poder de dominação sempre existem dominadores e dominados. O que se quer em uma instituição saudável são pessoas conscientes, maduras e equilibradas, e não dominadas. Esta reflexão remete para uma primeira diferenciação importante que deve ser feita entre líderes e chefes, diretores, presidentes ou qualquer outra denominação para posições hierárquicas, cujo poder vem atrelado ao cargo e ao papel que eles representam. Uma segunda diferenciação deve ser feita entre líder e gestor. Este é uma pessoa sob cuja responsabilidade são colocados recursos materiais, humanos, financeiros e organizacionais para a execução de uma tarefa visando alcançar algum resultado. Líderes podem ser diretores, presidentes e gestores, e de fato, frequentemente o são.
Independentemente das reflexões acima, a liderança pressupõe a existência de dois componentes: um individual e outro coletivo. No individual se destacam as competências de conhecimentos, habilidades e atitudes que os líderes devem ter ou se não as tiverem devem desenvolver. Estas competências irão desenhar um perfil de pessoas comprometidas com resultados; que tenham propósitos definidos nas suas vidas e para as instituições onde atuam; que pratiquem valores baseados em princípios morais, filosóficos ou espirituais. Portanto, representem modelos nos quais as pessoas da instituição possam ou queiram se referenciar. E qualquer pessoa na instituição pode desenvolver estas competências e, portanto, todos podem ser líderes.
Neste artigo se quer colocar ênfase no componente coletivo da liderança. O que se pretende aqui é mudar o modelo mental centrado no líder heroico, mitológico, transformador, carismático, condutor de pessoas, e que, por seu poder seduz, manipula e impõe sua vontade para conduzir seus subordinados. Entende-se que se uma pessoa tem esta capacidade ela conduzirá as pessoas e as instituições para fazer o que ela quer e não, necessariamente, para aquilo que as organizações necessitam. Basta refletir sobre o que os líderes carismáticos já causaram para o mundo e para as instituições ao longo da história.
Neste artigo se define liderança coletiva como um processo dinâmico em que um grupo de líderes utiliza seletivamente suas experiências e habilidades em rede.
Trata-se de uma abordagem emergente a partir da crescente complexidade das instituições atuais que são muito grandes, complexas, com muitas corporações internas dispondo de informações em quantidades nunca antes disponíveis, que necessitam de respostas rápidas e complexas para se adaptarem às necessidades do mundo atual. As organizações atuais têm que conviver com condições nunca antes experimentadas, como a digitalização e, mais recentemente, a inteligência artificial. Além disso, as organizações do século XXI são, e serão cada vez mais, administradas por pessoas, que serão treinadas em ambiente fortemente digitalizado, de home office, com vínculos empregatícios diversos e menos afeitas aos valores que balizaram a sociedade até aqui. Portanto, as organizações do século XXI necessitarão de equipes de líderes que liderem como nunca antes uma organização foi liderada, compartilhando decisões no mesmo nível hierárquico para responder às demandas institucionais da atualidade. A liderança coletiva significa cada um assumindo suas responsabilidades pelo sucesso da organização como um todo – não apenas do seu emprego ou setor de trabalho. Isso contrasta com a abordagem tradicional de liderança, focada no desenvolvimento de capacidades individuais, negligenciando a necessidade do desenvolvimento de capacidades coletivas. Está se falando de organizações agregadas em torno de culturas organizacionais sólidas que manterão seus diversos grupos de interesse focados nos seus conceitos básicos.
Os grandes motores das equipes nas organizações são seus conceitos básicos: a missão ou propósito; sua visão estratégica de futuro; seus valores; e políticas básicas. Os líderes são os guardiões e principais disseminadores destes conceitos. Quando todos, pela inércia natural existente em todas as organizações, se afastem deles caberá aos líderes fazerem a instituição voltar aos seus princípios básicos e orientadores de sua ação.
O epicentro da liderança coletiva não é só o papel da liderança formal, mas a interação dos membros de uma equipe para liderá-la pelo compartilhamento das responsabilidades de liderança. Percepções compartilhadas nas equipes em relação ao quanto de liderança coletiva existe e quanto cada um deve ou pode assumir nelas. Trata-se de um processo de influência dinâmico e interativo no qual indivíduos atuam em grupo com o objetivo de liderar uns aos outros para realizar as metas do grupo, da instituição ou de ambos. É um processo dinâmico no qual um líder definido, ou conjunto de líderes, seletivamente utiliza habilidades e experiências como uma rede, efetivamente distribuindo elementos dos papéis da liderança conforme a situação ou o problema requer. Todas as grandes instituições públicas ou privadas estão, cada vez mais, absorvendo e praticando estes conceitos como forma de sobrevivência e sustentabilidade.
Para citar apenas uma, o King’s Fund, organismo privado sem fins lucrativos existente para estudar e propor formas de melhorar o sistema de saúde inglês diz que aquele sistema necessita de liderança do mais alto nível se quiser responder satisfatoriamente às pressões assistenciais e financeiras a que está submetido. “O Fundo defende a necessidade de se avançar do conceito de líder herói para o da liderança compartilhada e distribuída por todo o Sistema. Os líderes nesta perspectiva devem engajar seus colegas e demais grupos de interesse se quiserem melhorar o cuidado aos pacientes e transformar a maneira como esse cuidado é prestado”.
Como pode-se ver, pela citação abaixo, não se está falando de nada novo, embora agora a premência da utilização destes conceitos se torna indispensável. Seguindo-se estes conceitos pode-se, facilmente, entender e praticar a liderança como Lao Tsé resume abaixo:
“É melhor quando as pessoas mal percebem que o líder existe; não tão bom quando as pessoas o obedecem e aclamam; pior quando o desprezam…. Mas de um bom líder, que fala pouco quando sua tarefa é concluída, seu objetivo alcançado, as pessoas dirão: ‘nós mesmos fizemos.” (Lao-Tsé, século VI a.C.)