Acho que …
Deixem-me partilhar convosco o desconforto que sinto com a crescente tendência para a contaminação pela espuma do imediato, relativamente à análise reflexiva e aprofundada que deve sempre prevalecer em ambientes esclarecidos e diferenciados.
A pandemia COVID19 que abalou as nossas vidas nos anos 2020 e 2021 trouxe ainda mais à ribalta um enorme número de “especialistas” que, pelo simples facto de assim serem chamados, se atreveram a encher o nosso espaço mediático com opiniões contraditórias, subjectivas, intencionais, muitas vezes manipuladoras, enfim, muitas vezes poluidoras.
O conhecimento e a boa informação devem basear-se em dados e estudos cuidados e calmamente analisados, sem a pressão de ter de se achar qualquer coisa a cada pergunta que é feita, tantas vezes sem sentido construtivo.
Quase todos passaram a achar qualquer coisa, sem cuidarem de parar e perceber o que realmente significa “achar”.
O termo “achar” pode significar “encontrar” ou “descobrir”, mas pode também ser entendido como “julgar” ou “considerar”.
Se na primeira das opções, no mundo das reflexões ou das ideias (termo achar como sinónimo de encontrar ou descobrir) poderíamos ser conduzidos a buscar algo mais profundo, sólido, concreto, já na segunda opção (termo achar como sinónimo de julgar ou considerar) ficamos num mundo mais superficial, imediatista, volátil e subjectivo.
Quando encontramos ou descobrimos alguma coisa, estamos a falar de algo concreto e que conseguimos descrever bem. Quando simplesmente julgamos ou consideramos, entramos num mundo muito mais permeável e instável.
É, pois, muito importante perceber bem o que é que achamos.
Sou mais defensor de uma abordagem mais serena, pausada, sedimentada e que se afaste da espuma dos dias. Mais consistente e reflectida. Num certo sentido, mais própria de um contexto do tipo Oriental.
Deixaríamos assim de simplesmente “achar que …” para afirmarmos com certezas a força das evidências.
E, não menos importante, em particular em tempos de tantas incertezas, darmos espaço à decisão sem críticas de quem generosa e empenhadamente assume medidas sérias e baseadas na melhor evidência.
Decidir é assumir riscos, particularmente em momentos de grande desconhecimento colectivo, mas é certamente muito mais louvável e deveria merecer muito mais apoio do que aqueles que simplesmente, e sem o risco do contraditório, se permitem “achar que …”.
Também nas organizações é muito relevante o contexto e cultura global, em que todos se revejam nos valores colectivos, o que só é possível se houver alinhamento por abordagens racionais, objectivas, tangíveis.
Isto não impede que cada um possa ser criativo e faça propostas disruptivas.
Estas poderão ser de grande importância e deveriam ser promovidas por qualquer gestor esclarecido porque geradoras de discussão criadora, baseada em informação consistente, passível de contraditório sério e indutora do progresso.
Mesmo abordagens de mera intuição podem ser passíveis de uma discussão séria entre equipas que têm vontade genuína de evolução. Quem ousa apresentar visões diferentes, livres de protecções ou de dogmas apriorísticos, corre o risco de ver os seus argumentos derrotados ou não aceites pelos seus interlocutores, mas deixará sempre algum resíduo de semente se a defesa não for somente por “achar que…”.
Ter intuição, ser criativo ou disruptivo, são, se pensarmos bem, características que não colam com quem “só acha” e aproximam-se muito mais de pessoas que “descobrem”.
Veio-me a propósito à memória uma situação que vivi pessoalmente e que agora penso poder partilhar, e que se prende com um episódio na minha vivência no Grupo Amorim, riquíssima e profundamente marcante: numa reunião em que o sr. Américo Amorim faz uma pergunta concreta e a resposta começa com “Acho que…”.
Depois de poucos segundos a levantar os olhos na direcção de quem assim tinha respondido, a reacção daquele carismático empresário (para mim um verdadeiro mestre) foi “Acho que não mereces o salário que recebes…”
Objectividade, pragmatismo e realizações concretas dificilmente se coadunam somente com quem “acha que…”