E quando a Liderança Destrói?

A maioria da literatura existente sobre liderança tem-se focado quase exclusivamente no estudo das práticas e dos estilos de liderança considerados exemplares e, por isso, promotores da motivação, bem-estar, comprometimento e produtividade dos liderados. Um líder, por definição, deveria ser alguém com um conjunto de características e comportamentos distintivos, capaz de “influenciar outras pessoas a entender e concordar sobre o que precisa de ser feito e como fazê-lo, e o processo de facilitar esforços individuais e coletivos para atingir objetivos partilhados” (Yukl, 2013, p. 23).

Vários exemplos, desde os mais antigos aos mais recentes, são ilustrativos de líderes que conseguem efetivamente que os seus liderados, de forma empenhada e comprometida, se organizem em torno de um objetivo comum e tudo façam para garantir o sucesso de uma organização, de um departamento ou de uma equipa. Nos últimos anos, porém, começou a emergir o interesse em explorar os potenciais aspetos negativos e destrutivos dos comportamentos dos líderes, conduzindo à definição de liderança destrutiva como ‘‘um processo em que durante um longo período de tempo as atividades, experiências e/ou relacionamentos de um indivíduo ou membros de um grupo são repetidamente influenciados pelo seu supervisor de uma forma que é percebida como hostil e/ou obstrutiva’’ (Schyns & Schilling, 2013, p. 141).

Esta trata-se de uma definição teórica, mas se tentarmos recordarmo-nos de algumas partilhas que já nos foram feitas por familiares ou amigos, se relembrarmos alguns dos nossos anteriores chefes ou se descrevermos de forma honesta os nossos atuais superiores hierárquicos, provavelmente, muitos de nós incluiríamos nestas descrições a humilhação pública; agir como se os colaboradores não existissem, decidindo ignorar de forma consciente os seus interesses, dúvidas ou pedidos de ajuda; tomar para si o crédito do trabalho dos seus colaboradores; comportamentos rudes (gritos, ameaças, intimidações); mentiras ou quebras de promessas.

Mais concretamente, se atentarmos à História, estes traços podem ser observados em diversas personalidades que chegaram ao poder de grandes nações, como os Estados Unidos da América, Alemanha ou Cuba. Se pensarmos em Donald Trump, Hitler ou Fidel Castro, conseguimos identificar um conjunto de comportamentos que violaram sistematicamente o interesse legítimo dos países que representavam, e que produziram consequências nefastas no bem-estar económico e social da população.

Porém, às características-chave dos líderes destrutivos (e.g., carisma, poder personalizado, narcisismo ou ideologia de ódio) juntam-se dois elementos que contribuem para a composição do triângulo tóxico e que, por sua vez, ajudam a explicar a chegada destas personalidades ao poder: os seguidores suscetíveis e os ambientes condutores.

Olhando para o exemplo de Cuba, a chegada de Fidel Castro deu-se num período marcado por uma elevada instabilidade política, e pelo mau funcionamento das instituições políticas e jurídicas, o que levou a que a ideologia de Castro fosse apoiada por dois grupos de seguidores, nomeadamente, os que partilhavam a sua visão do mundo (i.e., os conspiradores) e os que, por seu turno, pertenciam a uma classe social mais baixa e não viam as suas necessidades alcançadas com os líderes anteriores (i.e., os conformistas). Porém, após Castro assumir o poder, o que se verificou foi um clima de insegurança e instabilidade que originou resultados danosos, que ainda hoje marcam a população cubana (Padilla et al., 2007). Deste modo, apesar de se tratar, de acordo com os dados existentes, de um fenómeno com reduzida expressão nas organizações (e.g. Aryee et al., 2007; Aryee et al.2008), a liderança destrutiva começou a ser explorada de forma muito evidente nos últimos anos devido aos seus efeitos nefastos nos colaboradores e nas organizações como um todo.

De entre estas consequências negativas, podemos destacar o impacto em atitudes relacionadas com o trabalho, nomeadamente menor satisfação laboral e comprometimento organizacional e saída voluntária da organização (ou pelo menos, a intenção de o fazer, iniciando a procura ativa de alternativas); comportamentos de resistência (ou seja, recusa na realização das tarefas solicitadas pelos superiores hierárquicos); comportamentos desviantes (comportamentos que violam explicitamente as normas da organização); reduzido desempenho; impacto negativo no bem-estar psicológico e familiar.

Importa referir que os comportamentos de um líder destrutivo têm um impacto muito mais devastador e duradouro nos seus liderados quando comparados com os comportamentos inspiradores e positivos de outros líderes.

Para explicar este fenómeno podemos recorrer aos estudos na área da Psicologia Social (por exemplo, Rozin & Royzman 2001), que sugerem que os seres humanos são influenciados pelo enviesamento da negatividade, que faz com que concedamos maior importância/relevância e sejamos mais afetados por eventos negativos (por exemplo, comportamentos destrutivos dos líderes) do que por eventos positivos que possam ocorrer nas nossas vidas em geral e, em particular, nas organizações.

Adicionalmente, é também relevante recordarmos a norma da reciprocidade (Gouldner, 1960) para melhor compreendermos as relações entre colaboradores e organizações e, mais especificamente, os comportamentos dos liderados quando estão perante um líder destrutivo. Ou seja, a norma da reciprocidade estabelece que se existir determinado comportamento favorável (ou desfavorável) de uma parte (i.e., a organização), a outra parte (i.e., o colaborador) sentir-se-á na obrigação de retribuir esse tratamento favorável (ou desfavorável), manifestando comportamentos que favoreçam (ou prejudiquem) a organização. Note-se que quando estão perante um líder destrutivo, os liderados sentem que a organização está a mostrar pouca preocupação relativamente aos seus interesses e bem-estar, ao permitir que um indivíduo com aquelas características assuma um cargo de liderança (tornando-se, assim, representante da própria organização) e, consequentemente, tendem a reciprocar este tratamento desfavorável e ausência de preocupação, através, por exemplo, das atitudes e comportamentos negativos acima descritos.

Tendo em conta o exposto, o que podem as organizações fazer para tentar prevenir ou minimizar o efeito deletério da liderança destrutiva? Primeiro, não partir do princípio de que as suas organizações não têm líderes destrutivos. A maioria das organizações tem efetivamente supervisores que se comportam de forma destrutiva em relação aos seus subordinados. Muitos líderes destrutivos apenas revelam o seu “dark side” na presença de indivíduos de estatuto inferior, nos quais não lhe reconhecem poder nem autoridade e que não veem como ameaça, mostrando comportamentos opostos (submissão, concordância absoluta) perante indivíduos de estatuto superior. Daí a importância de as organizações criarem mecanismos efetivos para ouvirem a opinião dos seus colaboradores (sem intermediários, principalmente quando estes intermediários são os superiores hierárquicos diretos, existindo uma grande probabilidade de contaminação da informação, principalmente em casos de liderança destrutiva).

As organizações devem também estar atentas/questionar quando um/a colaborador/a ou uma equipa começa a ter comportamentos ou atitudes que não se coadunam com os demonstrados até então. A explicação mais fácil será culpabilizar este/a colaborador/a ou equipa por esta mudança de comportamento, mas é importante tentar perceber o que está a causar esta mudança comportamental (mais uma vez, procurando encontrar respostas junto dos próprios colaboradores e não junto do supervisor direto). Se esta alteração coincidir com uma mudança na chefia, esta poderá constituir um importante sinal de alerta que importa não ignorar, mas, pelo contrário, explorar.

Quando se inicia o processo de seleção para preenchimento de um cargo de liderança, é crucial ter em consideração não apenas as competências técnicas e o eventual alinhamento com a estratégia da organização, mas principalmente as competências de liderança que essa pessoa apresenta (se não tem competências de liderança ou potencial de desenvolvimento, nunca poderá ser, pelo menos para já, a escolha acertada). Para além disso, as organizações devem desenvolver uma cultura de tolerância zero para comportamentos destrutivos por parte de qualquer elemento da organização, devendo ser transmitidas de forma muito clara as consequências de comportamentos abusivos (com particular exigência para pessoas que exercem cargos de liderança).

Finalmente, as organizações devem investir no desenvolvimento de competências de liderança dos seus líderes. Detendo-nos nas características culturais de Portugal, onde impera uma elevada distância hierárquica, alguns indivíduos que exercem cargos de liderança desempenham o seu papel de forma autoritária, rude, com recurso ao controlo excessivo, muitas vezes com a “boa” intenção de assegurar um bom desempenho da sua equipa, uma vez que efetivamente desconhecem uma forma alternativa de agir, mais positiva e respeitadora dos direitos e dignidade humanos.

As organizações, enquanto estruturas sociais, cuja sustentabilidade (que não se pode reduzir apenas à sobrevivência financeira) depende do esforço coletivo dos seus elementos, devem, cada vez mais, assumir a responsabilidade de cuidar das suas pessoas, preocupando-se verdadeiramente com o seu bem-estar (através de ações efetivas e não apenas de slogans apelativos, mas ocos de significado) e respeitando-as na sua individualidade, mas sob um olhar gestáltico.