A “culpa” não morre solteira…

Sempre ouvi e continuo a ouvir falar sobre o tema produtividade, ou falta dela. Agora, com a nova modalidade do teletrabalho, julgo que esta questão aflorou ainda mais, gerando muita controvérsia, e até em alguns casos muita resistência, em confiar nos colaboradores e na modalidade de teletrabalho (ou trabalho a partir de casa).

Tirando todas as outras situações que envolvem este tema, vou focar-me naquilo que tenho legitimidade para falar, dada a minha experiência profissional de 25 anos no meio corporativo na direção de recursos humanos de empresas nacionais e multinacionais, bem como a minha atividade atual desde há 5 anos como Executive Coach, empreendedora e fundadora do meu próprio negócio.

Há coisas que não mudam, ou demoram demasiado tempo a mudar…

Esta modalidade do teletrabalho tem gerado alguma controvérsia acerca da produtividade dos colaboradores à distância.

A questão que se põe é: será que há diferença quanto à produtividade dos colaboradores, quando apenas muda o local onde se trabalha? Ou será que a produtividade depende de vários fatores que poderão não estar devidamente assegurados, do ponto de vista do desenvolvimento de competências e atitudes do colaborador, ou da aposta do empregador em treinar e dotar os seus colaboradores de habilidades para gerarem resultados para a empresa?  Entenda-se por colaboradores, também os Líderes.

Será que o problema é do local de trabalho ou da forma como se faz o trabalho?

Será que ambos não têm responsabilidade no sucesso ou insucesso desta modalidade de trabalho?       

Começo por destacar a importância da comunicação entre empregador e colaborador, no que diz respeito aos objetivos; estes deverão ser muito bem definidos e comunicados aos colaboradores. O “onde estamos e para onde vamos”, bem como o “quando teremos de lá chegar” são fundamentais para um relacionamento de sucesso entre empregador e empregado.

Para que o “casamento” continue saudável e produtivo, outros fatores terão de ser considerados, tal como a capacidade de as pessoas focarem no que verdadeiramente interessa, em vez de andarem distraídas com redes sociais e interrupções constantes dos colegas e da chefia com reuniões que ocupam muito tempo e não resolvem nada.

Há que alinhar os objetivos: onde a empresa quer chegar, o que quer alcançar num determinado período de tempo e como vai alcançar, quem vai fazer, e de que maneira vai fazer. Sem isto, andam todos à toa: a empresa, os departamentos e os colaboradores. Perdem tempo com aquilo que não acrescenta valor, nem contribui para os resultados.

Os objetivos têm que ser coerentes e consistentes com as ações realizadas. A disciplina no cumprimento de prazos, assumir compromissos, evitar trabalhar sobre pressão, planificar, a tomada de decisão proativa e não reativa, ponderada e não impulsiva, e evitar deixar tudo para a última da hora, contribuem para que as coisas cheguem a bom porto.

As pessoas chegam diariamente ao seu local de trabalho e não têm o seu dia, semana, mês, trimestre ou ano planeado. Na maioria das vezes fazem o seu trabalho de acordo com as circunstâncias do dia, andam em resposta e a apagar fogos, em vez de se concentrarem nas tarefas verdadeiramente importantes.

Existem muitas empresas onde os “KPI’s” (indicadores de performance) que permanecem  em voga é o “achometro”, o chefe acha que o colaborador é produtivo, ou a “bitola do agradador” é a quantidade de graxa por minuto que se consegue dar ao chefe com atitudes e comportamentos que ele gosta e aprecia; ou então,  outro clássico, que é o “tempo de permanência no escritório” , quando o colaborador sai tarde, é sinal que foi muito produtivo durante o dia de trabalho. Esta última, muitas vezes, nada tem a ver com a produtividade, mas sim com uma vida familiar insuportável, em que todos os motivos são válidos para não voltar para casa.

A falta de organização é um flagelo, desde a organização física passando pela digital e acabando na organização do conhecimento; o caos instala-se na mente, no PC e termina no conhecimento. Está tudo desarrumado, parece que passou um furacão.

Tem de existir arrumação a bem da produtividade; o que acontece quando esta não existe, e como consequência é o desrespeito pelos horários (de trabalho e pessoais) e o incumprimento dos prazos com os clientes.

A aplicação do ditado “não faças hoje, o que (não) podes fazer amanhã é uma constante.

Quando acaba o dia, vem aquela sensação de stress e cansaço, mas o resultado ficou aquém e não se produziu nada de jeito.

Raramente se estabelecem tarefas para cada objetivo. Saber gerir prioridades de acordo com os objetivos traçados, ter um plano de ação devidamente elaborado, saber delegar e não largar tarefas, o autoconhecimento para estabelecer limites, bloquear distrações, ter uma agenda produtiva, e acima de tudo ter uma atitude positiva e produtiva, é algo em que temos muito para aprender.

Para a dança ser harmoniosa, há que aprender a dançar; a excelência só se alcança com treino, seja através de formação, seja através de Coaching, seja através de programas de desenvolvimento pessoal. Muito há a fazer para que a relação dê certo e o teletrabalho possa ser um sucesso, quiçá um dia possa ser considerado um “fringe benefit”.

A “culpa” não morre solteira, a responsabilidade é de ambos: do empregado que deve preocupar-se por se desenvolver pessoal e profissionalmente e do empregador que tem o dever de treinar os seus colaboradores, para que possam fazer mais e melhor; afinal, os seus resultados dependem da performance dos colaboradores. Não há performance sem treino!

Uma relação laboral é uma dança em que o par tem de se mexer de forma harmoniosa e em sintonia, caso contrário, perdem tempo a pisarem-se mutuamente não produzindo coisa nenhuma.

É mais fácil resistir do que adaptar, e por isso ouço muitas vezes dizerem: “isso do teletrabalho não funciona…”

Sempre ouvi as pessoas a queixarem-se com a falta de tempo, e empresas a lamentarem-se com a falta de produtividade dos colaboradores, mas este desafio colmata-se com objetivos bem definidos, prioridades bem geridas, planificação de tarefas diárias, foco no que importa, liderança eficaz e disciplina para fazer o que deve ser feito.