Comunicação ou algo do género

Já dizia Ludwig Wittgentstein, um dos grandes filósofos do século XX: “se um leão pudesse falar ninguém o entenderia”.  O que é que significa um pensamento destes? Que tipo de implicações pode trazer à mente humana perceber o que raio teria um leão para nos transmitir?

Bom, não vou entrar aqui em algum género de tratado filosófico. Até porque este artigo está longe de ter características académicas – apesar de estarmos a falar de Wittgentstein; estará, sim, mais perto do mundo real, próximo da forma como as pessoas comunicam. Há várias correntes de pensamento no que diz respeito à linguagem: há quem acredite veementemente que as palavras criam acontecimentos; depois um outro grupo que deixa a régua e a fita métrica na gaveta, e não sabe, nem se importa, como medir as palavras; e há aquelas pessoas que levam as palavras muito a sério e tentam prever do futuro.

Mas será que as palavras são assim tão importantes? Há povos orientais que utilizam símbolos para comunicar, num estilo de linguagem que se torna imperceptível para um receptor ocidental, ao ponto de, por exemplo, poder-se estar a ofender alguém com um sorriso no rosto como se estivesse a elogiar. É por isso que, se o leão de Wittgentstein falasse, iria debitar umas palavras soltas, sem coerência ou significado lógico, simplesmente porque o leão não tem mente humana.

O poder da palavra?

Por outro lado, terá a palavra, por si mesma, um enorme poder transformador na materialização de uma realidade? O bilionário norte-americano Warren Buffet ficou rico de um momento para o outro por dizer uma só palavra? Cristiano Ronaldo tornou-se no melhor jogador de futebol do mundo apenas com palavras? Então e se falarmos de Hellen Keller, que era muda, e desenvolveu um dos mais eficazes e poderosos sistemas de comunicação?

O aspecto mais importante na vida, em qualquer língua, em comunicação, nas interacções sociais, é: sermos percebidos. O leão e eu, o leão e o leitor, não se iriam compreender; o leão é um animal; o leão é egocêntrico; e os animais, na sua maioria, são egocêntricos, apesar de, muitas vezes, serem como nós, humanos, e apresentarem alguma dose de altruísmo. Mas o leão não tem a capacidade de se projectar no futuro e pensar: “bem, daqui a cinquenta anos os meus netos podem vir a ter este problema portanto, vou ser radical na minha dieta e deixar de comer coelhos ou antílopes”. Ao leão, ao contrário das pessoas, falta-lhe ser consciente de si próprio.

Um animal, quando comunica, vai ser sempre mais egocêntrico e preocupar-se muito menos em ser percebido. Mas para nós, o caro leitor e eu, enquanto humanos que vivem para o constante aperfeiçoamento dos pilares da riqueza, da saúde, do amor e da felicidade, o foco deve ser:

“estarei a falar uma língua em que me faça entender?”

o propósito dos símbolos, as condutas de informação que estou a passar para os outros, são bem claras e entendíveis? Ser compreendido é a base da persuasão. As recompensas que daqui advêm, pela capacidade de se ser persuasivo naquilo que se diz, são imensuráveis. Atenção que nada disto tem a ver com a manipulação. Acredite o leitor que não existe mal nenhum em saber persuadir, quando o fazemos de uma forma ética, e em direcção a algo que é do melhor interesse para todos.

Vamos lá tornar ainda mais interessante esta nossa reflexão. E se eu lhe disser que a linguagem não é natural para os humanos? Calma, leia até ao fim. Repare nisto: o nível de sofisticação que nós temos à disposição no mundo actual é tão avançado que já ultrapassou a nossa capacidade inata. Indiscutível, certo? Se não concorda, fácil: é só mostrar-me alguém que fale todas as línguas do planeta. É que a aptidão que temos para criar línguas ultrapassa o poder do nosso cérebro em aprendê-las todas. Ora, posto isto,  é perfeitamente normal que não consigamos conhecer todas as palavras que existem da nossa própria língua – que atire a primeira pedra contra o monitor quem tiver a certeza absoluta de que sabe de cor e salteado todas as palavras da língua portuguesa – tal como não é natural para o interlocutor que estamos a tentar persuadir a fazer algo (um investidor para investir num negócio, um chefe para lhe dar um aumento de ordenado, convidar alguém para sair ou pedir em casamento).

Torna-se, assim, fundamental que eu fale a mesma linguagem dessa pessoa, porque ela pode não compreender a minha sintaxe,

ou a forma como ordeno as palavras, ou o tom de voz que uso. Vai provocar uma reacção no cérebro, uma espécie de desconexão, que bloqueará a mensagem e, por conseguinte, a comunicação entre duas pessoas que se exprimem na mesma língua. E então: ainda acredita que a linguagem entre os humanos é natural?  Veja: o que é inato para um humano é, por exemplo, a capacidade de andar. Um bebé  aprende a andar por ele próprio, dá naturalmente os primeiros passos. Depois há que ensinar o bebé a dizer palavras. Porque a linguagem tem de ser aprendida e ensinada. E tudo o que é aprendido, ensinado e não é natural, irá sempre provocar dificuldades, e tornar-se-á duplamente mais difícil em alturas de stress, como numa discussão, por exemplo.

O caro leitor até pode estar aos gritos e pensar que aquilo que está a transmitir faz todo o sentido para si, e se eu, na minha percepção, só estiver a receber gatafunhos, garanto-lhe que ninguém irá sair vitorioso. A não ser o leão de Wittgentstein. Questiona Sigmund Freud na genial obra “A civilização e os seus descontentamentos”, qual a origem da dor, da provação e das tribulações? Freud define três coisas: a natureza (doenças, tempestades, terramotos, furacões, coronavírus, asteróides próximos da Terra, tsunamis), algo que estará sempre fora do nosso controlo – poderemos até mitigar, mas nunca conseguiremos impedir; a desilusão do corpo humano. Vulgo, envelhecimento. Muito dos nosso problemas surgirão daí: mais esquecidos, menos enérgicos, menos pacientes; o não sabermos controlar, ou regular, as nossas famílias, os nossos amigos, as nossas comunidades, a nossa sociedade.

Ou seja: grande parte das nossas dores vem de nós mesmos e de como não nos conseguimos relacionar com os outros seres humanos. E lá vêm as discussões, as guerras, os divórcios, os maus ambientes de trabalho, as famílias disfuncionais, a violência. Tudo porque comunicamos pessimamente mal. A própria História prova isso: muitos dos conflitos da humanidade rebentaram por mal-entendidos.

O verdadeiro rugido comunicacional

A má comunicação acontece porque alguém, no caminho, não foi persuasivo o suficiente para tornar a mensagem compreensível. Muitos dos problemas de comunicação surgem porque, provavelmente, não existem qualificações suficientes para dizer o que se diz. Eu olho para o mundo e vejo gente a morrer com as melhores ideias dentro da cabeça e nunca as souberam comunicar de uma forma persuasiva e assertiva.

A todo o momento estamos sempre a comunicar alguma coisa. E a melhor comunicação é aquela que não fala. É isto mesmo, e não há qualquer tipo de equívoco ou dose de loucura na minha pessoa. Repito: a melhor comunicação é aquela que não fala. É na não-palavra que te fazes compreender. Desde a linguagem corporal, às expressões faciais. Mas a arma secreta da comunicação é a tonalidade.

Através das nossas palavras mas, sobretudo, da nossa entoação, dos gestos, dos olhares, da postura do corpo, dos silêncios, dizemos algo tanto conscientemente como inconscientemente.

Não há más ideias…Há é maus comunicadores. Um bom comunicador é aquele que consegue ser escutado e influenciar os demais. Comunicar é muito mais do que convencer alguém. Estamos constantemente a tentar convencer alguém quando queremos obter um trabalho, quando queremos formar família. Inclusivamente, quando conversamos com os nossos filhos, estamos a comunicar a nossa imagem, as nossas ideias, a nossa visão do mundo.

Viver é, no fundo, decidir. Tomar decisões. E, muitas vezes, essas decisões dependem de como nos conseguimos comunicar com as pessoas que formam parte dessas decisões. O mais importante é acreditar. Acreditar em si. E que saiba reflectir essa confiança na maneira como se vê , como age, como falam, como escuta os outros e, acima de tudo, como comunica. O verdadeiro rugido comunicacional (nunca sendo o leão de Wittgentstein) está no poder de convencer, na capacidade de refletir essa crença em si mesmo.