Globalização Vs Localização

Há tanto para dizer apesar de tudo o que já foi dito. Há tanto para refletir apesar de todas as reflexões já realizadas. Há tanto para pensar e opinar quando certamente já tanto pensámos e opinámos.

Dou por mim a refletir inúmeras ocasiões sobre este tema, de um modo mais genérico ou de um modo mais direcionado – no meu caso em concreto no que respeita à movimentação de pessoas – e invariavelmente deparo-me com muitas incertezas nas opiniões que formo e por vezes até na mudança das mesmas. Enfim… é mesmo assim, pelo menos comigo.

Estou profissionalmente ligado ao setor automóvel há alguns anos, na verdade quase 16. Tem-me dado muitas perspetivas sobre o tema que escolhi escrever. Hoje, deparamo-nos com mais uma questão da globalização, que considero desde já totalmente irreversível (para os que gostariam que regredíssemos, lamento informar que não creio), e que se trata do enorme problema de abastecimento de semicondutores, mais vulgarmente conhecidos como microchips. O impacto, adaptação de modelos de trabalho, etc, etc, tem e vai ainda continuar a ser brutal. Assista-se por exemplo às disrupções na produção nas indústrias afetadas. Principal razão (a meu ver): concentração em meia dúzia de fornecedores localizados na Ásia e que abastecem todo o globo e inúmeras indústrias que necessitam deste componente nos produtos que fabricam e que sem os quais não é possível terminar o produto final que comercializam.

Ainda que tenha referido que acho um processo irreversível, o da globalização, não deixo também de considerar que devemos, cada um no seu papel e na sua quota parte de capacidade interventiva, de refletir e atuar de modo a acautelar tais acontecimentos

– que estamos expostos em inúmeras possibilidades – e tentar diminuir a dependência e confiança na “globalização absoluta” para acautelarmos as “nossas economias” – as dos países, das comunidades e as domésticas – todas as economias.

Não querendo alongar-me muito mais sobre o tema (até porque para tal não seria um artigo, mas talvez um livro), e não querendo também dissertar muito sobre os efeitos da pandemia (mais outro livro), quero apenas refletir muito resumidamente sobre algo que me inquietou bastante e que na verdade acabo por assistir com muita satisfação ao resultado que hoje observo.

Antes de tudo isto iniciar, assistia-se a um fervilhar de movimentações de pessoas por motivos profissionais. Tantas pessoas que escolhiam o nosso país para as suas vidas e carreiras. Tantos impatriados que elegiam o nosso país para prosseguir carreiras nas suas empresas (neste caso nas multinacionais). Essencialmente o mercado das tecnológicas movimentava-se em força e atraía muitas pessoas oriundas de muitos pontos do globo para o nosso país.

O turismo foi também sem dúvida um grande impulsionador para colocar Portugal num mapa diferente. Que bom! Entre outros fatores, foram grandes motores para uma estabilização da nossa economia e as taxas de desemprego estavam em números bastante menos desfavoráveis. Respirávamos diferente até porque vínhamos de anos bem complicados.

Entretanto… Pandemia! Tudo novo para todos à escala como aconteceu. Nunca tínhamos experienciado nada assim. Pensei quase que prontamente: E agora? Grande crise, economia “pelo esgoto”, desemprego “com fartura”, crise social e atração de talentos internos e externos novamente comprometidos!

Ainda que seja bem claro que a desgraça nos bateu a todos à porta (sim, o termo é mesmo esse), não deixo de observar que nalguns setores para nós vitais (desde já não incluo o setor do turismo, hotelaria e restauração que tão afetado foi e é, mas que estou plenamente convencido que vai recuperar com toda a pujança), continuamos a ser talvez uma referência no setor tecnológico (haja(m) algum(s)) e mantivemos a atratividade para reter alguns dos nossos talentos e atrair outros de fora. Sinto que continuamos a ter talentos a sair (obviamente), mas de algum modo sinto também que nos tornámos interessantes para que muitos permaneçam e que outros se juntem.

De modo algum é uma observância política, mas sim um sincero agradecimento a todo o esforço empresarial que face a circunstâncias adversas prosseguiram no seu caminho de excelência. Continuo a ver pessoas de excelência a fixar-se no nosso país e desenvolver os seus percursos profissionais cá dentro. Pessoas de cá e de lá (seja lá donde for).

Contínuo a ver profissionais no início de carreira, de carreira matura ou até em final de carreira a vir e a contribuir.

Talvez, e como de mim é tentar ver alguma coisa positiva no cenário mais adverso, a Pandemia neste setor tecnológico até tenha impulsionado mais do que desacelerado, pois mais que nunca assistiu-se a uma mudança total de paradigma nos modelos de trabalho que impulsionaram um dos temas que mais se falava na nossa área (o equilíbrio entre vida pessoal e profissional) que nos permite observar que algo esquecido apesar de legislado (o tal de Teletrabalho) veio, quanto a mim, sem dúvida contribuir para impulsionar ainda mais o setor tecnológico – tanta coisa que foi necessária desenvolver neste período, tantas novas necessidades criadas, tanta adaptação pessoal e profissional, tanta… capacidade de trabalhar donde quer que seja para onde quer que seja…

Alguém ainda acredita que a globalização é reversível? Eu não! Mas há que pensar bem nos benefícios (que claramente existem), mas não descurar também os riscos e desvantagens e trabalhar neles para que se minimizem e abrandar tudo o que de menos bom nos trás.