Multipotenciais, analfabetos e as profissões do futuro – a história da Inês, mas não só.

«O analfabeto do século XXI não será aquele que não sabe ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender.» Esta frase do autor norte americano Alvin Toffler nunca foi tão verdade como hoje. E, cada ano que passa, esta tendência parece crescer exponencialmente.

Entretanto, a minha amiga Inês parece estar perfeitamente alheia a este facto. Nascida numa família de classe média baixa, licenciada em filosofia, cedo percebeu que, ou ia correr o país (Norte, sul e ilhas), durante décadas, a dar aulas nas escolas secundárias, ou teria de ousar fazer algo completamente diferente.

Terminado o curso, sem grande experiência profissional – excetuando os trabalhos temporários como repositora numa grande superfície para ajudar a pagar as despesas com a universidade – encontrou o seu primeiro emprego a tempo integral num contact center, com folgas rotativas, a ganhar pouco mais do que o ordenado mínimo nacional, através de uma empresa de trabalho temporário. Entretanto, uma efetiva capacidade de ler o negócio e as pessoas, aliada a uma aparente inclinação natural para o sucesso, rapidamente a levaram a atingir o cargo de supervisora, bem como a efetividade na empresa.

Uma oportunidade na organização multinacional onde trabalhava, levou-a a coliderar a abertura do novo contact center da organização em Espanha. Depois de dois anos em Madrid, um novo desafio internacional, que lhe valeram mais dois anos em Dublin. Após quatro anos fora de Portugal, regressa a case e é rapidamente promovida a diretora de uma das maiores e mais importantes unidades da organização. Contava apenas 31 anos de idade.

Entretanto, aquando da sua passagem por Madrid, completou uma pós-graduação em gestão; depois, chegada a Portugal, concluiu um mestrado executivo em marketing digital – área pela qual se apaixonou, acabando por ir praticando as competências adquiridas em contexto organizacional, na unidade que geria.

Volvidos pouco mais de três anos, uma grande empresa multinacional do setor industrial realojou a sua unidade de serviços partilhados, originalmente na Alemanha, em Portugal. Inês foi abordada por uma empresa de Executive Search e, apesar de ser a profissional mais jovem da shortlist de candidatos, acabou por ser a pessoa escolhida para liderar as operações da organização em Portugal.

Apercebeu-se, entretanto, que o que lhe fazia verdadeiramente brilhar os olhos era o marketing. Apresentou a carta de demissão e propôs-se ir trabalhar na agência que prestava serviços de marketing e comunicação na sua organização, com um vencimento muito inferior ao que auferia enquanto diretora do shared service center.

Volvidos menos de dois anos na agência, montou a sua própria agência de comunicação e marketing. Após cinco anos de um percurso ascendente, particularmente durante o ano de 2020, é uma profissional realizada ao leme de uma empresa de sucesso. Está, neste momento, a lançar uma academia de desenvolvimento de competências de liderança e comunicação.

Ao longo dos anos, tem vindo a ministrar formação profissional e executiva, particularmente nas áreas da comunicação, do branding e do marketing digital. Paralelamente – desde a adolescência que se dedica à gravura e à pintura – já realizou mais de uma dezena e meia de exposições de pintura.

A pergunta que se impõe é a seguinte: como é que uma licenciada em filosofia, que não queria ser professora, com tudo para correr mal, tem tantas histórias de sucesso? Resposta: a Inês é uma multipotencial. Mas, afinal, o que é isso?

Um multipotencial é alguém que tem, simultaneamente, vários interesses e várias paixões.

É alguém que se apaixona por coisas distintas, que procura saber mais e que investe em tornar-se melhor nessas áreas. Alguém com coragem para correr atrás dos seus sonhos, sem medo de dar um salto de fé no abismo, sem rede ou sequer paraquedas.

Um multipotencial é alguém extremamente curioso, inconformado, ousado, adaptável, corajoso e extremamente autoeficaz. É alguém que aprende e que evoluiu muito rápido, que tem uma grande agilidade intelectual e uma clara visão da realidade. É, quase sempre, um verdadeiro líder. No entanto, é normalmente ético, justo e gosta de ajudar quem o rodeia. Os seus interesses podem verificar-se em várias áreas profissionais e/ou artísticas. Nas entrevistas dos processos de recrutamento e seleção de candidatos, destacam-se dos demais; parece que têm um brilho especial que os rodeia.

As pessoas que têm este perfil muitas vezes abraçam desafios distintos ao longo do tempo, construindo várias carreiras profissionais, muitas vezes perfeitamente distintas, quase sempre com bastante sucesso. As suas capacidades e competências não se medem pelos anos de experiência nas várias áreas ou atividades, mas antes na intensidade com que as vivem e no investimento que fazem para evoluir.

Mas o leitor pode estar a pensar que falamos de um generalista, mas não é esse o caso. De todo. Um generalista é alguém que domina vários temas de forma superficial, não sendo especialista em nenhuma área em particular. Um multipotencial especializa-se em várias áreas muitas vezes em simultâneo, atingindo habitualmente níveis de excelência em algumas dessas áreas.

O futuro é volátil e cada vez mais imprevisível. No futuro, as profissões terão, progressivamente, um prazo de validade cada vez mais curto; o que levará a que as pessoas tenham de adaptar-se à nova realidade, aos novos desafios, às novas profissões, às novas tecnologias, às novas tarefas, aos novos atores do mercado (humanos e máquinas). Esta é uma realidade que pode ser altamente stressante para a generalidade das pessoas. Mas não para os multipotenciais; pois eles gostam desta dinâmica e adaptam-se com extrema facilidade, encontrando caminhos alternativos e apaixonantes.

Conhece algum multipotencial? Sim? Então, partilhe este texto como ele. Tal como a Inês, essa pessoa poderá estar perfeitamente alheada deste facto, até que alguém lho mostre.

Nota: os nomes e os factos foram alterados e/ou adaptados para proteger a identidade dos intervenientes.