Porque somos líderes imperfeitos
A saúde mental agravou-se com a pandemia. Depressão, burnout, tristeza e preocupação passaram a ser um lugar comum. Uma situação que se vem agravando com a falta de resposta,inclusive, nos locais de trabalho, tal como demonstram os estudos mais recentes,.
Segundo o estudo “Estudo Global sobre o Estado do Local de Trabalho” da Gallup, realizado em 2021, sentimentos como medo, ansiedade, frustração, raiva, tristeza e preocupação têm aumentado em todo o mundo, na sequência das pressões no trabalho. De acordo com este documento, 7 em cada 10 colaboradores sentem estar num esforço permanente, seja a nível financeiro e/ou emocional, e desmotivados. Uma situação que custa à economia mundial mais de oito trilhões de dólares.
A que se deve esta desmotivação e degradação da saúde mental? Temos de ter em conta que somos Seres programáveis. A ciência já comprovou que a programação mental começa na nossa gestação e continua. Até aos nossos sete anos de idade, altura em que as nossas ondas cerebrais estão em alfa (0 – 2 anos) e em theta (2 – 7 anos), somos mais programáveis. Por isso, a parentalidade consciente é tão importante.
Só que este artigo não é sobre parentalidade consciente. E sim sobre liderança. E porque menciono este tema? Por que aquilo que assimilamos na infância, na sequência no contexto em que crescemos, influencia os nossos comportamentos e atitudes em adultos.
Hoje, assistimos a fortes mudanças nos locais de trabalho, aceleradas pela pandemia. Situações sucessivas de assédio moral e sexual nas empresas levaram a um cansaço extremo nos colaboradores, com muitos relatos de abusos psicológicos nas redes sociais. As pessoas passaram, por isso, a dizer BASTA. Em causa está a sua dignidade.
Mudança e choques de valores
Se esta é uma realidade que se vive há décadas, porque estamos a assistir agora a mudanças efetivas? Enquanto Humanidade, assistimos a épocas de grandes mudanças civilizacionais. Neste momento, estamos a assistir ao surgimento de uma dessas mudanças. O que até então era tolerado, deixou de o ser. E isso é visível hoje. Os valores coletivos alteraram-se. O maior acesso à educação, à informação, a uma maior contacto com culturas diferentes, formas diferentes de Ser e de Estar permitiu que as últimas gerações clamassem por melhores condições de vida e ajam nesse sentido. Não é por acaso que têm surgido diversos movimentos sociais, que rapidamente se espalham um pouco por todo o mundo, incluindo no que diz respeito ao trabalho, como tem sido a Grande Demissão – Great Resignation, em inglês – que começou nos Estados Unidos no final de 2020 e tem vindo a expandir-se a outros países, incluindo em economias mais fragilizadas.
Existem três grandes motivos que levam as pessoas a pedir a demissão: falta de condições, nas quais estão os baixos salários, os ambientes no local de trabalho, degradados pela pressão psicológica em que são submetidas para cumprimento de prazo e metas, e equipas e lideranças tóxicas. Fatores que levam à degradação da saúde emocional, mental e física e, consequentemente, às relações interpessoais, seja no trabalho ou em casa.
A realidade é que não são os salários e os benefícios que fazem com que as pessoas permaneçam nos seus empregos. Além de melhores salários, que lhes proporcionem melhores condições de vida, também procuram ambientes de trabalho saudáveis e de maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Querem ser reconhecidas como PESSOAS e não como números. Querem ser tratadas com respeito, ver o seu trabalho e esforço reconhecidos, que as suas opiniões e ideias sejam ouvidas, respeitadas e reconhecidas. Querem sentir que o seu trabalho tem um propósito. Sentir-se realizadas.
É aqui que quero chegar, pois este fenómeno pode parecer estranho para as gerações mais antigas, principalmente para aqueles que assumem cargos de chefia. Afinal, aprenderam que o trabalho é sinónimo de esforço e sacrifício, que não se questiona a autoridade, e que quem tem poder é quem tem dinheiro.
Temos de ter em conta que as gerações baby boomer e X (que hoje têm entre 70 e 40 anos) foram educadas (ou programadas) para valorizar a lealdade e o compromisso com a empresa, a ascensão profissional e a estabilidade financeira, pois experienciaram diversas crises políticas, económicas e sociais. Esta procura por estabilidade e segurança faz com que sejam resistentes às mudanças e dificilmente são influenciadas. Valorizam o trabalho duro, metódico e individual. Preferem a rotina e a estabilidade. São extremamente dedicadas, possuem muita experiência e um conhecimento aprofundado. São mais rígidas e não questionam normas nem hierarquias.
Por isso é que assistimos, muitas vezes, a uma liderança autocrática, essencialmente, nestas gerações. Os seus líderes e gestores tomam decisões sem receber contribuições e esperam que os colaboradores cumpram as decisões no tempo e no ritmo estipulados, sem questionar. Claro que esta situação estende-se, também, à geração que hoje tem 40 anos, por influência das gerações anteriores e como forma de “sobrevivência” no altamente competitivo mercado de trabalho.
Tal como revela a Lei de Causa e Efeito, todas as nossas ações provocam reações. E num mundo de profundas mudanças assistimos a um choque de valores e padrões obsoletos, para dar lugar a uma nova estrutura. Neste momento de transição, temos uma sensação de caos. E está tudo bem. É normal, pois estamos a vivenciar algo novo, que nos obriga a sair da nossa zona de conforto. Sempre foi assim. É assim que evoluímos enquanto Indivíduos e Coletivo.
Temos de ter em conta que a geração Millennial (Y) já cresceu num mundo estável, sem vivência de guerras de grande escala, nem de desafios sociais, como aqueles que as gerações anteriores experimentaram. Neste contexto de maior estabilidade económica e social, ganham autoestima e recusam atividades que não vêem sentido a longo prazo. É uma geração de resultados e não de processos. Primam pelo equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e almejam qualidade de vida e estabilidade financeira.
Estes colaboradores de 30 anos trouxeram uma mudança na motivação no trabalho. Valorizam as condições de trabalho, a cultura organizacional, benefícios, relações com gestores, salários e bonificações. São eles que selecionam o trabalho. Escolhem o reconhecimento, em detrimento da estabilidade.
Equipas multigeracionais
Atualmente, as empresas são compostas por colaboradores que contemplam duas a três gerações distintas. Este choque de gerações impacta diretamente no ambiente de trabalho, processos e resultados, pelo que ter equipas multigeracionais devem estar sob escrutínio dos CEO e gestores de Recursos Humanos.
Esta mudança de mentalidade no local de trabalho traz vários desafios, que podem ser superados por líderes mais conscientes. A liderança positiva, felicidade corporativa e bem-estar pessoal são as ferramentas que as empresas têm hoje ao seu dispor. A construção de relações de confiança, ambientes de segurança psicológica, valorização, reconhecimento e motivação, em conjunto com programas de flexibilidade e autonomia permitem os colaboradores terem um maior sentimento de realização, pertença, realização e significado no desempenho de funções.
Os líderes têm um papel crucial na construção de uma cultura organizacional positiva e saudável. O mindset de liderança resulta do desenvolvimento pessoal de quem dirige empresas e equipas. Esse mindset visa criar segurança psicológica, colocar as pessoas em primeiro lugar, gerar confiança, reconhecer e valorizar a vitória dos outros, demonstrar empatia, revelar disponibilidade em ouvir o outro e reconhecer os colaboradores enquanto Seres Humanos e não meros números. Cria relações internas positivas, através do respeito e transparência, alinhamento de valores e visão de futuro.
A principal diferença entre líderes e gestores é que os líderes têm pessoas que os
seguem, enquanto os gestores têm pessoas que trabalham para eles. Um empresário
de sucesso precisa de ser ambos: um forte líder e gestor, de forma a que a sua equipa siga rumo ao sucesso.
Neste momento de mudanças tão profundas no local de trabalho, a comunicação, a colaboração e a liderança positiva são cruciais para conduzir estratégias que visam uma maior inclusão, empoderamento e diversidade. O líder passa a ser parte integrante das equipas e não alguém que está à parte e que só debita ordens e decisões. Importa a adaptabilidade para uma reinvenção interior, relacional e estrutural e a criatividade e habilidade para avançar no desconhecido com confiança.
Claro que tudo isto nem sempre é fácil de ser implementado. Principalmente quando existe resistência por parte dos gestores. Faz parte da sua programação mental. Enquanto Seres Humanos, também eles têm os seus desafios e qualidades que resultam do contexto em que nasceram e cresceram e que formaram a sua personalidade.
Enquanto líderes e gestores de gerações mais recentes devemos perceber que todos nós temos a nossa programação e que a mudança provoca desconforto. Também devemos perceber que as empresas que já trabalham a inteligência emocional dos seus líderes e colaboradores, implementam estratégias de felicidade corporativa e de bem-estar pessoal alavancaram os seus resultados e uma maior permanência dos seus quadros.
Este mundo global, sem fronteiras físicas, incluindo no recrutamento, elevou a competição para outras esferas que não apenas a dos lucros e dividendos aos acionistas. As empresas com visão de futuro estão a trabalhar a partir de dentro na construção da sua cultura organizacional e estratégia de negócio sustentável, pois perceberam que sem quadros realizados e saudáveis, os custos são demasiado elevados e os resultados menores.