Quero o melhor para a minha área!

João era o chefe da área de Investigação & Desenvolvimento da fábrica e necessitava de contratar uma nova secretária. A anterior tinha-se reformado. Assim, dirigiu-se à área de RH e pediu para lhe encontrarem pessoas disponíveis para o lugar de Secretária, mas fez questão de mencionar: “Quero o melhor para a minha área!”.

A Teresa, responsável da área de Recrutamento e Seleção, fez uma pesquisa utilizando as melhores ferramentas para procurar uma Secretária que correspondesse aos anseios do João: uma profissional de topo, com formação na área de Secretariado e com média elevada, com experiência profissional maior que 5 anos, responsável, discreta, com experiência em Word, Excel e PowerPoint (valorizando o conhecimento de outras ferramentas semelhantes), com conhecimento do mercado onde se encontravam inseridos, com disponibilidade para viajar e com licença de condução (porque, por vezes, teria de viajar a acompanhar as deslocações do João), enfim, todos os requisitos que o João havia enunciado.

Além disso, procurou uma pessoa que trabalhasse bem em equipa, dado que era uma competência chave para aquela área, dinâmica, empreendedora e com capacidades de escrita e verbal.

Conseguiu obter uma “short list” de 3 candidatas ao lugar que reuniam características semelhantes ao pedido do João, tendo a Teresa solicitado testes a uma consultora externa com vista a obter um parecer que pudesse sustentar a melhor escolha.

As 3 candidatas ao lugar tinham características que se encontravam no perfil pedido pelo João, embora fossem algo diferentes entre si:

A Manuela tinha acabado o curso de Secretariado há cerca de 10 anos atrás, com classificação de Bom, tinha tido uma experiência de 6 anos em Secretariado, apoiando o Diretor de Produção numa fábrica de componentes para automóveis, com disponibilidade imediata (tinha sido dispensada há relativamente pouco tempo atrás, dadas as quebras no mercado). Tinha experiência em todas as tarefas administrativas que o lugar de Secretária exige, nomeadamente na gestão de agendas, na utilização das ferramentas informáticas para apoio à Direção (desde o Word, Excel e PowerPoint ao sistema de gestão documental) e encontrava-se à procura de um lugar que pudesse preencher todas as competências da formação que tinha tido.

A Carminho, mais madura, também tinha tirado o curso de Secretariado, com classificação de Suficiente, tinha feito toda a sua carreira numa única empresa da área farmacêutica, tinha uma carta de recomendação da sua anterior empresa onde era descrito o quanto era respeitada por todos os colegas pela sua eficiência e rapidez na resolução de problemas, estava muito à vontade com todos os sistemas informáticos de apoio ao lugar de Secretária. Tinha saído para ser mãe a tempo inteiro e agora que os seus filhos já estavam mais crescidos, ambicionava prosseguir a sua carreira.

Por fim, a Ester era uma candidata com um currículo recente, tinha concluído o curso de Secretariado há cerca de 6 anos, com classificação final igual à Carminho, estava num processo de saída de uma empresa em falência, onde era Secretária do Diretor Comercial. Ao longo da sua carreira tinha passado por vários postos de trabalho (de Assistente e de Escriturária, nas áreas comercial e de compras) e tinha um conhecimento de várias ferramentas informáticas, entre as quais as requeridas pelo perfil.

A consultora externa deu um parecer positivo a todas, tendo a Teresa ordenado as candidatas face à matriz de requisitos e às características das candidatas, ficando em primeiro lugar a Manuela, seguida da Ester e, por último, a Carminho.

Quando apresentou a “short list” ao João, ele parecia ter mudado de ideias: já não queria o melhor? Não pretendia que a Manuela ficasse em 1º lugar, uma vez que tinha a melhor nota final e uma experiência relevante na área?

O João, percebendo que a sua ideia inicial poderia ter “orientado” a elaboração da lista, esclareceu:

“Sim, quero o melhor para mim, mas face às funções que são para executar, a função de Secretária na área de I&D é importante, mas o que é determinante é que os engenheiros, os matemáticos e os outros cientistas, que estão nesta área, sejam os melhores.

Para a função de Secretária é necessário que seja desempenhada por uma pessoa assertiva, empenhada, com boa capacidade de relacionamento com a equipa, com bons conhecimentos de informática e dos processos administrativos da organização, que possa ser uma facilitadora para toda a equipa de modo que todos encontrem nela um apoio.

Não quero que seja uma visionária, porque senão vai-me revolucionar a equipa e criar alguma instabilidade entre eles …

Não tem de ser necessariamente a melhor nota final … Porque não a Carminho em primeiro?

Ela ambiciona regressar ao mercado de trabalho e recuperar a sua carreira de Secretariado, estará motivada bastante para apoiar uma equipa e a sua integração será relativamente fácil, dado que está habituada a lidar com jovens que nos desafiam todos os dias, ou seja, o “treino” que teve com os filhos (soltou uma risada). Quero entrevistar a Carminho para validar este raciocínio ok?”.

Quando os processos de recrutamento são desencadeados, sem sombra de dúvidas, queremos os melhores na nossa organização e valorizamos todas as competências que detetamos nos candidatos, na sua formação académica e no seu percurso profissional.

Mas, nem sempre conseguimos descortinar quais as verdadeiras motivações que estão nos candidatos e se esta é a melhor opção ou aquela para ordenar os candidatos. Nem sempre as melhores notas na carreira académica correspondem às melhores competências para a vida profissional …

Fazemos, sempre, um esforço para os ordenar e, dessa forma, suportar e facilitar o processo de decisão quando se trata de uma admissão, mas podemos falhar. E como conseguimos perceber se um determinado candidato é melhor que outro? Não conseguimos 100% de certeza, não estamos a comprar uma máquina, estamos a contratar uma pessoa, e por mais racionalidade que tentemos colocar no processo, algo (exógeno ou endógeno à organização) pode fazer essa pessoa mudar e deixar de ser o melhor ou passar a ser o melhor.

Por isso, os testes comportamentais têm vindo a ser desenvolvidos e diversificados, de forma a tentar obter um maior grau de certeza, juntando aos cognitivos, para ajudar a definir uma zona do raciocínio e comportamento humano onde os candidatos se situam. Mas, nada é seguro, porque todos nós mudamos, todos os dias e, muitas vezes, só damos conta dessas mudanças quando “olhamos para trás”, para quem éramos no passado, que convicções tínhamos, que ideias e ambições nos norteavam e comparamos isso tudo com o que somos hoje.

E, ainda bem que mudamos, porque isso é crescer!