Bons exemplos para enfrentamento de grandes crises!

Todos já devem ter ouvido a frase: “toda crise traz em si oportunidades”, ou como o dito popular Chinês diz: “não existe crise, existe oportunidade”.

Em 2020 nos deparamos com uma crise de caráter global. Não atingiu apenas um setor ou um determinado território. Por isso, em um ambiente de pandemia, é importante saber se posicionar, garantindo construir uma estrutura que viabilize a sustentabilidade da empresa. Nesse contexto, empresas que adotam tal ação, tem méritos, pois visam proteger os stakeholders envolvidos.

A pandemia, por definição, atingiu toda a população mundial e já se tornou uma efeméride do século XXI, os que trabalham, os que estudam, os desassistidos, enfim, nesse ponto ela é democrática. Mas focando no que as empresas realizaram para manter a saúde, principalmente mental, dos seus funcionários, fez e faz toda a diferença separar as organizações

que se importam com as pessoas, daquelas que, tal como dito no clichê, enxergam pessoas apenas como recursos. Por isso trazemos um caso de sucesso implantado por uma empresa multinacional, atuante em 40 países e também no mercado de cosméticos brasileiro, para demostrarmos que devemos focar nos bons exemplos, mais do que em números negativos e pessimismo.

Uma empresa que se posicionou no sentido de tomar ações para garantir essa proteção, tanto da saúde dos colaboradores, quanto da saúde financeira da empresa, foi a Mary Kay. A empresa americana de atuação global, posicionou-se de forma célere na decisão de proteger toda a cadeia, colocando seus valores e cultura em prática, criando um ambiente seguro, mas com foco na sustentabilidade da sua existência.

Tornou-se habitual em administração a visão de que vivemos num mundo mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (conhecido pelo acrônimo de VUCA1), que também traz novos conceitos de fragilidade, ansiedade, não linearidade e incompreensão (um conceito mais atual de como o mundo é visto, cunhado como BANI2), que geram instabilidades emocionais significativas e consequentes doenças psíquicas. Esses fatores impactam significativamente todos os componentes de nossa roda da vida. De acordo com a OMS e Ministério da Saúde, há em paralelo à pandemia a chamada 4ª onda, que inclui o aumento de transtornos mentais e do trauma psicológico provocados diretamente pela infecção ou por seus desdobramentos secundários.

O equilíbrio entre vida pessoal e profissional precisa ser entendido e praticado pelas organizações, até porque, somos seres humanos integrais, por mais que tenhamos a expectativa de separar as duas esferas, desconectá-las 100% é utópico. Esse cenário foi entendido prontamente pela Mary Kay, quando adotou medidas para preservar a saúde física e mental dos seus colaboradores bem como da família destes. Ao mesmo tempo que trabalhava para a manutenção das operações da empresa, com todos os protocolos de saúde e segurança, ainda focava na preservação dos empregos.

Estudos realizados nos Estados Unidos pela McKinsey publicados em abril e junho de 2020 mostram que a ansiedade e depressão alcançam altos níveis, como exemplo, mostram que a grande depressão fez aumentar em 13% o número de suicídios por conta do desemprego. Ao pensarmos em uma crise de saúde global, que utilizou o recurso do lockdown, é preciso avaliar os impactos que essa medida causa na economia. No Brasil, tais medidas deixaram uma grande massas de desempregados e levaram empresas ao fechamento, principalmente entre micro e pequenas empresas. A perda do emprego afeta o lado econômico da sociedade, mas impacta também na saúde mental, levando ao aumento de quadros de ansiedade, depressão, abuso de álcool e drogas. Vemos que tal situação psicológica é consequência da incerteza sobre o futuro, do distanciamento social, considerando que somos seres gregários, e se agrava quando o grupo é reduzido para as pessoas que tiveram seu trabalho fracionado ou que o perderam.

A crise impactou de forma diferente cada organização, algumas tiveram uma maior resiliência para trabalhar a mudança e aprender com ela, outras sentiram de forma mais aguda, por serem mais rígidas ou pelo enfoque mais objetificado das pessoas, o que pode causar problemas psicológicos, manifestando-se em doenças psicossomáticas.

É possível ter o apoio das organizações, por meio de seus líderes e com o comprometimento de todos os funcionários, para passar pela crise. Queremos apresentar um caminho possível para uma empresa amenizar os impactos do COVID-19, e como as medidas adotadas foram percebidas pelos funcionários, no caso da Mary Kay.

 As grandes teorias que tratam de estratégias organizacionais, tais como Porter (2008) em The 5 competitive forces that shape strategy, ou na análise SWOT, criada pelo consultor Albert S. Humphrey na década de 60, consideram o contexto no qual a empresa está inserida como crucial para a construção de um diagnóstico estratégico. Esta premissa se mostrou verdadeira durante a pandemia. Uma empresa de cosméticos, atuante no mercado de venda direta e, portanto, 100% dependente de suas consultoras, recebeu o seu primeiro diagnóstico estratégico sobre a crise com a classificação de severo e duradouro, porém com mais dúvidas e incertezas do que conclusões.

A Mary Kay, que tem operações de produção via parceiros e comercialização de seus produtos no Brasil por meio das consultoras de beleza independentes, diante deste possível cenário, com uma crise perene, instaurou um Comitê de Crises, com a participação direta do Presidente e Diretores de todas as áreas, sob a coordenação de Recursos Humanos, dado que a crise sanitária já impactava diretamente todos os funcionários.

O comitê tinha como objetivo principal a saúde e segurança dos funcionários, vis-à-vis a manutenção e perenidade dos negócios. Inclusive, tal desígnio era debatido na sociedade como dilema, quando internamente foram considerados objetivos complementares.

  • Os valores e a cultura da organização foram colocados à prova;
  • Investimentos não planejados se mostraram obrigatórios, para a manutenção da saúde dos funcionários, ao mesmo tempo que a projeção era de redução das vendas em função da retração de mercado;
  • aluguel de laptops para todos os funcionários administrativos, empréstimo de cadeiras, melhoria da conectividade para muitos funcionários trabalharem de suas casas;
  • decisão da implantação de trabalho remoto quando esta prática ainda não existia na companhia.

Para as áreas operacionais, bem como para o escritório, protocolos de saúde e segurança foram definidos seguindo as melhores práticas e todo o conhecimento que foi criado simultaneamente à evolução da crise. Em segundo plano, porém com viés de crescimento, estavam as questões psicológicas dos funcionários e de seus familiares. O Departamento de Recursos Humanos assumiu o protagonismo colocando na agenda da empresa a discussão sobre a importância da saúde mental de todos.

Mithani, M. A. (2020), em seu artigo, Adaptation in the face of the new normal, trouxe o conceito de resiliência organizacional para grandes crises: Rejeição, Absorção, Elasticidade, Aprendizado e Rejuvenescimento.  As etapas que se seguiram, de forma quase empírica dado o ineditismo da crise, foram colocadas em prática com visão holística e colaborativa entre as áreas envolvidas. Em uma visão ex-post-facto, muitas etapas propostas por Murad A. Mithani foram vivenciadas.  O trabalho em equipe de todas as áreas foi fator crítico de sucesso. A visão do bem coletivo, com profundo respeito ao indivíduo, preponderou nas negociações e decisões.

O ambiente externo global era monitorado diariamente como fonte de informação para questões macroeconômicas e tendências relacionadas a pandemia, bem como possíveis desdobramentos sociais e políticos que pudessem impactar a operação local. Neste contexto, decisões da matriz da empresa, bem como de organizações como OMS, também serviam de fonte de direcionamento. A complexidade do ambiente global se tornou um grande desafio, com impactos na cadeia de suprimentos, aumento nos custos das matérias primas, cambio altamente volátil, prazos estendidos e escassez de suprimentos.

O ambiente externo local trouxe importantes direcionamentos, tais como as chamadas fases da pandemia, que definiam por meio de cores no estilo semáforo, as restrições e protocolos de saúde e segurança. Tais definições serviam como fonte para decisões do negócio, por exemplo uma das maiores decisões foi o início do trabalho remoto para todas as áreas administrativas e o revezamento das áreas operacionais com regras muito rígidas de proteção aos funcionários.  Internamente, a variável constante era a saúde dos funcionários. A partir desta premissa e com o foco na humanização das relações, o comitê tomou importante decisões: trabalho remoto imediato após a declaração de pandemia; manutenção dos empregos e dos salários, mesmo com a alternância constante de fases de abertura e fechamento da economia; suporte médico e psicológico 24×7 para funcionários e dependentes; definição e comunicação de rígidos protocolos de saúde e segurança; aluguel de laptops para todos os trabalhadores administrativos; empréstimo de cadeiras; reconhecimento frequente para todos funcionários operacionais; treinamentos para líderes sobre gestão à distância e administração do tempo. A manutenção da cultura e dos valores era uma constante preocupação e a atuação da área de Recursos Humanos em conjunto com os Comitês: Embaixadores da Cultura e de Engajamento, realizaram inúmeras ações incluindo o envio de kits para a residência dos colaboradores em datas comemorativas e informativos por todos os canais de comunicação. Para o público operacional que seguiram trabalhando de forma presencial em esquema de rodízio, além de todos os protocolos de saúde e segurança, a empresa pagou taxi ou Uber para todos, evitando desta forma a utilização de transporte público.

O infográfico seguinte, não exaustivo, demonstra o contexto que a empresa esteve inserida durante a pandemia, e que o sucesso para continuidade dos negócios, foi fruto de uma ampla e constante análise de variáveis internas e externas, que exigiram um aprendizado constante e reciclável.

 Como resultado de todo esse esforço, onde as lideranças tiveram papel fundamental para o controle e apoio às equipes:

Sabe-se que as doenças psicológicas ou psicossomáticas apresentaram tendência de aumento globalmente, mas o indicador interno de afastamento por estes motivos se manteve próximo a zero durante os 18 meses de pandemia já vividos.

Dessa forma, a Mary Kay passou pela crise buscando aprender com ela. As ações do Comitê de Crise mostram-se assertivas na medida em que evitaram demissões, mantiveram a saúde financeira da empresa e acolheram seus stakeholders, especialmente as consultoras independentes, que dependem do trabalho relacional. Esse trabalho, na maior parte do tempo, é feito presencialmente, mas a pandemia impedia que fosse realizado, exigindo, portanto, uma transformação.

Um indicador importante de sucesso das ações realizadas para superação dos efeitos da pandemia, foi a pesquisa de engajamento realizada em outubro de 2020 que obteve um nível de satisfação de 86%, sendo que para o pilar específico da pandemia, obteve 92% de satisfação. A pesquisa foi respondida por 98% dos colaboradores, portanto possui uma amostra estatística altamente relevante.

Podemos creditar esse sucesso à capacidade da empresa, expressa pelo seu corpo de líderes, de trabalhar de forma resiliente e célere na adoção de medidas para preservação de empregos, renda, faturamento e, principalmente, do maior ativo da empresa: as pessoas. Contando com participação ativa da área de Recursos Humanos da empresa, mostrando que a área deve ser considerada como estratégica para que a empresa consiga atravessar crises, e transformando-as em oportunidades de crescimento e aprendizado para geração de resultados positivos.Edward Thorndike, famoso por sua teoria de “tentativa e erro na aprendizagem”, teria certamente a pandemia como um grande laboratório. Incertezas, pós-verdades e a inerente evolução do conhecimento tornaram a população mundial verdadeiras cobaias. No mundo corporativo, sabemos por exemplo que atualmente o chamado modelo híbrido é uma grande alternativa para os trabalhadores que podem usufruir desta opção. Todos ganham: qualidade de vida, redução de custos, redução dos deslocamentos, gestão humanizada e a continuidade do que foi um dos prós da pandemia, o trabalho remoto. Para Gestão de Pessoas, emergem hipóteses e estudos sobre cultura, valores, manutenção do DNA das organizações mesmo de forma remota, e assim, mais um vasto campo para estudos contemporâneos!

Sobre os autores:

Dalmo Marins é profissional com mais de 20 anos em cargos de liderança, Mestre em Gestão Para

a Competitividade pela EAESP/FGV, economista, pós-graduado em Marketing e MBA em

Gestão Estratégica e Econômica de Negócios. Palestrante e fundador da LiDere com D.

Marcelo Lázaro é executivo com mais de 25 anos de experiência, atual Diretor de RH. Formado

em administração, com MBA em RH pela FGV, MBA em Gestão de Projetos pela FIA/USP e

Mestre pela EAESP-FGV.

NOTA RODAPE

1 – Sigla em inglês para Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity.

2 – Do inglês BANI significa Brittle, Anxious, Nonlinear and Incomprehensible.