Onboarding e assédio no trabalho

 – ou, uma estagiária à beira de um ataque de nervos.

Aos 21 anos, após concluída a sua licenciatura em Gestão de Recursos Humanos, a Lara Barros partiu em busca da sua primeira experiência profissional – com o intuito de conhecer a profissão que escolheu de forma empírica e de poder decidir que caminho seguir no percurso profissional e no seu Mestrado.

Achou que as grandes empresas seriam muito compartimentadas e que, por outro lado, as de pequena dimensão, estariam muito focadas na área administrativa; assim, procuraria uma empresa de média dimensão, que estivesse num patamar intermédio. Teve algumas oportunidades num curto espeço de tempo, mas acabou por optar por um estágio profissional numa organização mais perto de casa e que, à primeira vista, reunia as condições essenciais que procurava e valorizava. Integrou, portanto, a TransGar, uma empresa de logística e transportes, especializada no setor das bebidas.

O Departamento de Recursos Humanos era reduzido – dois técnicos muito jovens e dois estagiários – e toda a gente reportava à Diretora de Recursos Humanos, Rute Santos – que estava na posição há cerca de dois meses. Por descargo de consciência, a Lara ainda foi tentar recolher informações da diretora de RH através de uma pessoa conhecida, que havia trabalhado com a Rute anteriormente – mas a resposta não foi a mais animadora «é uma pessoa que tem muitos problemas pessoais, o que se reflete no trabalho e na relação com os colegas; é muito conflituosa e tem uma baixa inteligência emocional». Não obstante, a Lara optou por acreditar que um novo ambiente – e até devido à promoção – a Rute se pudesse ter transformado em alguém melhor.

A TransGar é uma empresa familiar, gerida pelo seu fundador e pela família; a filha, o genro e mais alguns familiares. A empresa paga manifestamente abaixo da média de mercado para todas as funções, usam e abusam de todos os tipos de incentivos e estágios (curriculares, extra-curriculares, profissionais), mas nunca ficam com ninguém. As ilegalidades cometidas são variadas, mas alguma sorte e certos relacionamentos com as entidades oficiais têm permitido que tenham passado impunes até hoje. O respeito pelas pessoas é quase nulo.

O Departamento de Recursos Humanos é extremamente desorganizado e os dias são passados a corre atrás do prejuízo e a gerir imprevistos. Rute Santos distribui trabalho indiscriminadamente (não considerando ou respeitando agendamentos prévios), sem definir prioridades e sem explicar como se fazem as coisas. Quando os resultados não estão alinhados com o que ela idealizou, explode de raiva, gritando impropérios no open space – daqueles de fazer corar os senhores do armazém – injuriando os jovens colaboradores à frente de quem estiver presente e ameaçando com despedimentos. O departamento apresenta índices de ansiedade muito elevados; particularmente a Lara, a pessoa mais jovem e inexperiente do departamento, que é o principal alvo da fúria de Rute.

Com um mês (ou dois) de experiência profissional, num departamento profundamente desorganizado, com níveis de ansiedade extremamente elevados, Lara passa os dias a tentar gerir os agendamentos múltiplos, a pedir documentos que precisa para fazer determinadas tarefas e aos quais não tem acesso, a pedir ajuda aos colegas para lhe explicarem os processos e procedimentos que nunca conheceu, a tentar imaginar qual será a gestão de prioridades que Rute tem na cabeça, a fugir para a casa de banho para respirar fundo e ganhar coragem para voltar para a arena de combate. Por exemplo, a TransGar resolveu fazer o «dia da empresa», onde as pessoas teriam de ir trabalhar num sábado e depois havia uma festa, ou algo do género. Lara disse a Rute que tinha as aulas da pós-graduação ao sábado – ao que Rute lhe respondeu: «o evento não é de caráter obrigatório; mas, para quem não for, naturalmente que haverá consequências».

À noite, Lara tinha dificuldade em dormir devido à ansiedade causada pelo trabalho (leia-se, pelo assédio de Rute), perdeu o apetite e acabou por perder peso (ela já era magra). Passava os dias a ansiar com a hora de saída e com o fim de semana. Já no limite da sua sanidade mental, falou com o IEFP, para saber como poderia desistir do estágio profissional; disseram-lhe que teria de escrever uma carta a explicar os motivos, enviá-la para o IEFP e para a TransGar, e ficar dez dias úteis na organização antes de poder sair. Se não ficasse esse tempo, não poderá fazer outro estágio profissional num prazo de um ano.

Lara suportou o mais que pôde, mas chegou a um momento em que viu a sua saúde mental em risco. Escreveu as cartas e não deu os dez dias úteis de pré-aviso. Depois de enviar aquela carta, explicando os motivos da denúncia do acordo de estágio, aqueles dez dias seriam um verdadeiro inferno. Arriscava-se a perder a melhor oportunidade de entrar no mercado – o estágio profissional – mas a sua saúde mental tinha de estar em primeiro lugar. Saiu e, atualmente, procura um emprego na área do recrutamento e seleção. A TransGar recebeu a carta, mas ninguém ainda lhe disse nada.

Há dias, provavelmente em resposta à situação, vi uma publicação da TransGar, no LinkedIn, em que exaltava as competências da Rute Santos. É triste assistir à exaltação do assediador e à negligência relativamente ao assediado. Mas, para a TransGar, os seus interesses estão em primeiro lugar, independentemente da justiça da situação.

Infelizmente, empresas como a TransGar, conheço muitas. Infelizmente, também conheço muitos gestores com o perfil da Rute Santos. Uma vez que as entidades competentes nada fazem, espero que, pelo menos, o mercado de trabalho – cada vez mais exigente e competitivo – possa trazer alguma justiça a situações como esta; por todas as Laras do nosso país.

Naturalmente, todos os nomes indicados neste texto são fictícios, para proteger a identidade dos seus intervenientes.

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