Carreiras: O inimigo chamado “Ego”

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Numa altura em que tanto se discutem valores geracionais e a forma como se olha para o trabalho, para as empresas e para as carreiras, decidi escrever este artigo para partilhar a minha experiência sobre decisões de gestão de carreira, numa perspetiva de quem toma a decisão de “desistir” de uma empresa.

Vários estudos apontam para que a maioria das razões de saída estejam relacionadas com a Liderança, mas há muitas outras razões que levam profissionais bem-sucedidos a desistir da sua carreira dentro de uma empresa. É sobre razões menos “óbvias” que este artigo se debruça.

Mas afinal, quem gere a minha carreira?

Cada um de nós gere e é dono da sua própria carreira, pois somos nós que tomamos as decisões de acordo com as oportunidades que temos e criamos.

Quem gere a minha carreira, sou eu! É a minha crença e a minha visão. Mas, quantas vezes tomamos decisões por causa de outros, que nos impactam mais a nós que aos outros?

Quantas vezes nos privamos de coisas que valorizamos para dar lições aos outros?

Quantas vezes achamos que será a nossa atitude que vai fazer com que os outros aprendam? Mas, depois da decisão tomada, quantas vezes percebemos que nada mudou, a não ser a nossa vida e o facto de termos desperdiçado algo que valorizávamos?

Convido-vos a refletir comigo sobre como o nosso ego nos pode atraiçoar e nos pode levar a tomar decisões que mais tarde nos fazem sentir arrependidos, mesmo que o ego, não nos permita admitir, em pleno, este sentimento de arrependimento!

O inimigo chamado ego!

Assisti ao longo da minha carreira a várias demissões para dar uma lição a alguém. Pessoas e profissionais fantásticos, que em determinado momento, acharam que como são bons no que fazem e têm sucesso, sair da empresa onde estavam para dar uma lição a alguém, normalmente chefias, era o melhor a fazer. A intenção por trás desta decisão é muitas vezes que essas chefias sintam falta, sintam que falharam, que deviam ter valorizado mais, entre outras.

No entanto, na esmagadora maioria dos casos, após algum tempo, invade-nos aquele sentimento de arrependimento, que talvez nos tenhamos precipitado, que afinal a nova vida também não é perfeita e que do outro lado nada mudou e a lição que queríamos dar não foi aprendida. Que já está outra pessoa num lugar que era nosso e que tanto nos custou a conquistar, a chefiar uma equipa que tanto gozo nos dava liderar e tanto esforço tivemos em formar, a ganhar um salário que afinal não era nada mau. E percebemos também, que a única coisa que mudou foi a nossa vida! Por vezes para pior, pois percebemos que até gostávamos do que fazíamos e com quem fazíamos, mas decidimos sair porque não íamos à bola com aquela pessoa da liderança da empresa ou não estávamos alinhados com determinada ideia ou determinado valor da empresa onde estávamos. No fundo o que nos movia era algo como: “Eu sentia que eles tinham de aprender que se não mudassem eu ia acabar por sair da empresa”.

O meu humilde conselho é que nunca tomem decisões sobre a vossa vida por causa de outras pessoas, tomem-nas sim, por vossa causa. Se não estão felizes, mudem. Se não se sentem valorizados, mudem. Se não se identificam com a vossa chefia, com quem trabalham e com o que fazem, mudem. Mas nunca mudem por acharem que nem tudo é perfeito, ou porque há uma determinada coisa que não gostam ou porque há alguém em que não se revêm ou com quem não se identificam ou porque alguém merece uma lição!

Não desistam facilmente de algo que valorizam, nunca!

A verdade é que não há empresas perfeitas, pessoas perfeitas, equipas perfeitas ou culturas perfeitas. Tal como não há casamentos perfeitos e famílias perfeitas.

Estória sobre o ego.

Há uns anos, um amigo próximo tinha tomado a decisão de se demitir da empresa onde trabalhava. E na noite antes de entregar a carta de demissão ligou-me a contar a novidade, e eu decidi ir de imediato visitá-lo para conversarmos um pouco.

A maioria das razões que ele apontou para a tomada de decisão eu já conhecia perfeitamente, pois ao longo dos anos ele foi desabafando comigo. Havia uma ou outra novidade, nomeadamente um momento de avaliação anual que tinha ocorrido há uns dias, que tinha acentuado o sentimento de injustiça e de desmotivação e que o tinha levado a esta decisão.

Mostrou-me a carta de demissão e isso fez-me perceber que depois de tantas ameaças ele estava mesmo decidido a demitir-se.

Decidi então dar-lhe o meu ponto de vista de forma assertiva e pragmática: “Como teu amigo não te quero julgar e vou apoiar qualquer que seja a tua decisão. Mas, acho que estás a cometer um erro enorme, porque estás a ser muito egocêntrico e pouco egoísta!”.

Ele ficou surpreendido e pediu-me para explicar melhor a minha análise. Passei a explicar: “Estás a ser muito egocêntrico por achares que é o facto de saíres da empresa que vai dar uma lição às lideranças que estão acima de ti e que se vão arrepender de perder um profissional como tu e nunca mais vão arranjar ninguém à tua altura. Até pode ser verdade o facto de a empresa perder muito com a tua saída, mas não vai fechar por tu saíres e irá alguém para o teu lugar que vai dar o máximo por ser bem-sucedido e aproveitar todas as coisas boas que me dizes que tens à tua disposição”.

Depois, continuei e expliquei o porquê de achar que ele estava a ser pouco egoísta: “e para além de tudo, com a tua decisão vais perder algo que te esforçaste tanto a alcançar. A tua posição atual e a experiência e currículo que te proporcionam, ainda por cima a fazer algo que te apaixona. E a tua equipa? Estás disposto a entregá-la a outra pessoa? A equipa que tanto confia em ti e que tem evoluído sobre a tua liderança?”. Terminei a dizer-lhe: “Tens de ser mais egoísta e pensar mais em ti do que naqueles que queres que aprendam uma lição dada por ti. Atenção, é possível ser-se egoísta sem prejudicar os outros, bastando para isso, neste caso, pensares mais em ti do que nos outros. E tens de ser menos egocêntrico achando que ao saíres lhes conseguirás dar-lhe essa lição. A maior lição que podes dar a alguém é à tua equipa e a ti próprio, a lição de que nunca devemos desistir do que queremos e de quem acredita em nós, pelo menos não se os motivos não forem suficientemente fortes. O motivo de “eu sou bom e de certeza que arranjo outra coisa melhor e eles vão ver a falta que faço” pode não ser suficiente para desistir de algo que nos apaixona diariamente, não concordas?”.

Certo ou errado, foi o que eu enquanto amigo, senti que tinha de lhe dizer, de forma assertiva.

A verdade é que o meu amigo agradeceu a frontalidade, rasgou a carta à minha frente e disse-me que eu tinha colocado as coisas de uma perspetiva sobre a qual ele nunca tinha colocado o tema. Afirmou que não ia desistir facilmente de algo que tanto lhe custou a conquistar e de pessoas que tanto valoriza e que tanto o valorizam a ele. E após alguns anos, continua na mesma empresa e do que vou sabendo, mais satisfeito. Não porque as circunstâncias mudaram, mas porque a sua visão sobre os factos mudou, o que lhe permite estar mais tranquilo e de bem com a sua consciência.

Seguindo a teoria da personalidade desenvolvida por Freud, é o Superego que nos vai protegendo dos nossos instintos mais animalescos. No fundo, o Superego pretende controlar o Ego, com o objetivo de o tornar o mais próximo possível da perfeição, sendo também conhecido por “Ego ideal”. Posto isto, por vezes o nosso Ego pode pregar-nos umas partidas e através das experiências que vamos vivendo e da nossa personalidade, levar-nos a tomar decisões pouco equilibradas. Há que colocar em jogo os valores que vamos adquirindo ao longo da vida por forma a controlar o nosso ego.

Mas então isso quer dizer que devemos aceitar uma situação em que não somos totalmente felizes e ficar reféns das empresas? Não, claro que não!

Uma balança tem dois pratos!

O que vos desafio a fazer é, nestes momentos mais cinzentos, meterem sempre tudo na balança, o que gostam e o que não gostam e atribuam pesos a cada uma dessas coisas. A minha experiência diz-me que isso vos ajudará a tomar melhores decisões.

Por vezes, o que não gostamos numa empresa pouco impacta o nosso dia-a-dia, tendo que ver com algo mais lato (ex: Cultura; Visão; Missão; Propósito; Alta Liderança; etc). Será que isso é suficiente para nos fazer desistir? Desistir por exemplo de uma equipa que gosto e que gosta de mim? De um trabalho técnico que adoro? De um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional que me agrada? De um salário que é competitivo? De uma chefia que me trata com dignidade e respeito?

Quando o resultado da vossa análise vos fizer perceber que no lado positivo da balança estão as coisas que mais impacto direto têm na vossa vida, sugiro que não se precipitem e que não desistam. Lutem para contribuir para melhorar o que pode estar menos bem e nunca se esqueçam que a vida dá muitas voltas e que se cada um fizer a sua parte, no final a probabilidade de as coisas melhorarem é maior. Então dediquem-se à vossa parte e liderem pelo exemplo.

Estória sobre usar a balança!

Há uns anos, uma pessoa que à data me reportava diretamente, disse-me num momento de avaliação: “Estou desmotivado e estou a pensar em procurar novas oportunidades fora da empresa!”. Fiquei apreensivo, porque adorava a pessoa e o seu trabalho, mas honestamente era algo que já me tinha apercebido que poderia acontecer. Agradeci a frontalidade e a oportunidade de podermos, juntos, falar sobre o tema e ver o que era possível fazer para melhor a situação.

Perguntei os motivos e a pessoa explicou-me tudo o que sentia. Foi então que o desafiei para fazermos um “jogo”. Peguei numa folha A4 e fiz um risco vertical a meio da folha. Ao cimo da folha, do lado esquerdo escrevi: “O que gosto na empresa”, do lado direito escrevi: “O que não gosto na empresa”. E assim foi, começamos este “jogo” e rapidamente enchemos a folha.

Do lado esquerdo, “gosto”, estavam coisas como: A equipa; tarefas; chefia; horário de trabalho; benefícios; ambiente de trabalho; autonomia; liberdade para falar; etc.

Do lado direito, “não gosto”, estavam coisas como: O salário (que podia ser maior); a estratégia da empresa de longo prazo não ser muito clara; os colegas do departamento X não perceberem muito bem o nosso trabalho e não nos darem grande valor; etc.

Como líder, fiz isto de forma muito autêntica e natural, mas tornou-se a ferramenta perfeita para conseguir passar a mensagem que queria e que até então parecia não ser suficientemente clara e eficaz.

Com base nos resultados do “jogo” ficou claro, e a pessoa chegou sozinho à conclusão ainda durante a nossa conversa, que os fatores que mais impacto tinham diretamente na sua vida, no seu dia-a-dia, estavam do lado esquerdo (gosto). Os que estavam do lado direito eram coisas mais remotas e latas, que a pessoa não conseguia controlar e que na verdade não a impactavam diretamente, apenas o deixavam menos satisfeita ou alinhada, mas reconheceu que eram coisas que numa situação extrema, nunca a fariam procurar novas oportunidades. Quanto à questão do salário, vale ressalvar que apesar de estar do lado direito, a pessoa reconheceu que era mais uma questão de expectativas, pois nessa mesma reunião tinha acabado de lhe ser comunicado um aumento salarial.

Moral da estória, a pessoa saiu mais tranquila da reunião, pois percebeu algo que eu já lhe tinha sugerido fazer várias vezes: Ser menos influenciável por energias externas menos positivas, de pessoas que estavam menos motivadas e que ao desabafar com esta pessoa a faziam pensar na sua própria situação como não sendo a ideal. No entanto, quando confrontada com factos, mas acima de tudo arrumando as ideias num esquema visual, percebeu que tinha mais motivos para sorrir do que aquilo que pensava ter.


Conclusão
Podemos concluir que muitas decisões de saída das empresas passam por coisas que não impactam diretamente a nossa vida, apenas nos incomodam. O mesmo acontece na nossa vida pessoal, em que por vezes nos privamos de coisas porque não são perfeitas e acabamos por procurar constantemente a perfeição e vamo-nos sentindo frustrados por aquilo que ainda não temos, quando talvez seja muito mais impactante e eficaz sermos gratos por aquilo que temos.

Acredito no poder de nos focarmos no que realmente importa como forma de nos mantermos saudáveis, motivados e produtivos. São muitas as distrações, mas devemos constantemente fazer o exercício mental de pensar, “isto é ou não é fundamental para eu estar bem?”, se não for, coloquem de lado, se for, lutem por melhorar as coisas até acharem que vale a pena. Só depois disso, desistam e partam para outra!