Como os RH’s dos países lusófonos lidaram com a pandemia
Vários meses passaram desde o inicio desta inédita e inesperada pandemia que nos levou a fechar em casa e a estar mais distante dos nossos colegas, amigos e familiares. A nossa rotina foi incentivada e forçada a mudar. O impacto fez-se sentir por todos os cantos do mundo. Nem todos os países foram afetados da mesma forma, e nem todos tinham as mesmas armas para lutar contra este inimigo. Um problema à escala global levanta a curiosidade para saber como o nosso “vizinho” lidou com esta situação dentro da sua organização.
Para perceber este impacto falámos com diretores de países lusófonos, sendo eles, Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. Para nos ajudar a compreender como lidaram com esta situação colocamos a seguinte pergunta:
Que desafios a sua organização enfrentou, na gestão de recursos humanos, durante a pandemia? Quais as medidas aplicadas e, como líder, que lições que retirou desta mudança?
Queríamos perceber como diversas organizações em diferentes zonas geográficas lidaram com este problema para dar aos nossos leitores uma ajuda dentro da sua própria organização, afinal em momentos como este precisamos ser mais humanos e mais próximos. Através da partilha de exemplos de sucesso podemos seguir os mesmos passos.
Portugal, Luís Antunes Diretor Recursos Humanos da PHC
A pandemia foi um desafio inesperado. A PHC Software tem uma estrutura preparada e experiência em lidar com situações de crise, mas esta tomou uma dimensão como não antes tínhamos vivido. Felizmente temos know-how interno e capacidade de reação rápida para estas situações, que nos permitiu adaptar da melhor forma. Essa experiência e preparação prévia foram determinantes na nossa capacidade em lidar com este desafio.
A nossa prioridade foi manter a atividade em funcionamento, ao mesmo tempo que garantimos a segurança das pessoas. Esta foi uma fase de reação, em que implementámos um programa de contingência que previa vários cenários, e, quando chegou o momento, passámos 96% da empresa para teletrabalho obrigatório.
Tendo assegurado o funcionamento e a segurança das pessoas, que foi uma primeira fase de contingência, começámos a preparar o controlo dos danos da crise. Para isso, definimos três prioridades: assegurar o funcionamento da empresa, não despedir ninguém por impacto da crise, ajudar os nossos parceiros e clientes. Nesta segunda fase, olhámos a crise também como uma oportunidade para fazemos melhor. Colocámos em marcha um programa de reestruturação da nossa atividade, planeamento e naturalmente, tivemos que repensar a nossa estratégia para 2020, incluindo a gestão de recursos humanos.
Embora a PHC já tivesse uma política de trabalho remoto, tivemos de a adaptar para um regime de teletrabalho em que toda a empresa estava simultaneamente a trabalhar a partir de casa. Optámos por criar novos momentos para fomentar a comunicação e manter a cultura viva. Criámos reuniões diárias obrigatórias, em que as equipas se reúnem no início do dia durante breves minutos para estarem juntas e fomentarem a coesão, assim como um momento quinzenal em que o nosso CEO fala com todos os colaboradores da PHC, de modo a colocá-los a par da atividade da empresa e responder a todas as questões que possam ter.
Também outros desafios se colocaram à gestão de pessoas na PHC Software, como a passagem de todas as formações para formato remoto, contratação e on-boarding em formato remoto, até a avaliação de desempenho à distância. Desafios enormes, que obrigaram a repensar o funcionamento e a treinar as pessoas para estes novos formatos, que, felizmente, têm funcionado da melhor forma e alguns serão mesmo para manter.
De igual forma, todos os momentos de confraternização, pensados para fomentar a coesão e criar cultura entre colaboradores, passaram também para formato digital. Desde pequenas ativações internas, até reuniões de grupo, tudo passou para digital. E tivemos desde sessões de ginástica, workshops de cozinha, até concertos à distância. A título de exemplo, um desses momentos foi a comemoração do 31º aniversário da PHC Software, em que habitualmente nos juntamos num hotel durante dois dias para desenvolver atividades de team building, refeições, estadia e momento lúdicos; este ano em formato remoto, o que obrigou a repensar todo o conceito. Acabámos por desenvolver um evento designado “Let the Music Play at Home”, transversal aos cinco países onde estamos presentes, onde tivemos um conjunto de iniciativas com a música a assumir o tema principal.
Talvez o maior desafio de todos foi o de manter viva a cultura da empresa, algo que só foi possível porque temos a cultura trabalhada de forma profissional e com a capacidade de aguentar um embate desta natureza. Mesmo assim, optámos por garantir o bem-estar psicológico, emocional e até em termos de condições físicas e materiais dos nossos trabalhadores. Para isso, a equipa de recursos humanos, juntamente com a administração, promoveu reuniões de acompanhamento individuais e em grupo onde procurámos compreender como se sentiam e de que forma a PHC os podia ajudar.
Uma das principais aprendizagens que retiro deste processo, foi o facto de que grande parte daquilo que consideraríamos impossível ou muito difícil de concretizar remotamente, afinal é possível. Hoje temos um conjunto de iniciativas e atividades que há seis meses atrás diria que não tinham viabilidade de serem concretizadas e hoje estão a acontecer de forma digital, como são os programas de formação, o team coaching, workshops, aulas de ginástica, eventos com 200 pessoas, reuniões de equipa, momentos one to one e até meditação. Penso que tudo isto nos está a colocar num better normal, onde o teletrabalho e o escritório irão coexistir de forma fortalecida, e onde a distância deixou de ser barreira, com ganhos de produtividade, menor impacto ambiental, conciliação com a vida familiar e aceleração da mudança e da decisão.
Brasil, Neto Mello Diretor de Recursos Humanos da KS Pistões
Naturalmente já enfrentamos desafios em nossa rotina como área de Recursos Humanos, porém desde Maio de 2020 temos enfrentado uma situação impar, tendo que lidar com tantas incertezas diárias e ações que não faziam parte de nossas atividades. Posso citar como principais desafios para recursos humanos:
- Garantir a segurança dos colaboradores como principal prioridade;
- Agilidade e flexibilidade para ajustar o ambiente de trabalho à nova realidade de distanciamento social e higienização;
- Agilidade e flexibilidade para ajustar a força de trabalho e preservar ao máximo o emprego;
- Garantir o atendimento dos níveis de serviço aos clientes;
- Garantir um processo ágil e efetivo de comunicação com os colaboradores e clientes;
- Entender os movimentos do governo, as medidas provisórias, portarias e buscar apoio junto ao Sindicato de nossa categoria em busca de uma ação rápida e flexível para adequarmos nossos recursos de acordo com a nova demanda.
Somos uma multinacional Alemã, uma das primeiras ações foi entender como a nossa matriz já vinha praticando seu protocolo, uma vez que a pandemia na Europa já era uma realidade.
Em condições normais nossa empresa no Brasil já trabalha com o que chamamos de Comitê de Crise, formado por representantes da alta direção e outros profissionais de áreas chave (RH, TI, Saúde e Segurança). Assim que percebemos a seriedade deste momento, logo no início nós criamos o que chamamos de Comitê Covid-19, aproveitando a expertise do nosso Comitê de Crise. Nos dois primeiros meses nos reuníamos 2 vezes por semana, pois as mudanças aconteciam muito rapidamente e precisávamos tomar decisões importantes para garantirmos a realização de todas as ações planejadas.
Além das ações praticas iniciais, desenvolvemos um protocolo de segurança e higienização respeitando todas as recomendações dos órgãos nacionais e internacionais de saúde. Em paralelo aguardávamos ansiosamente pelas medidas do governo para que pudéssemos entender de que forma poderíamos amenizar os impactos trazidos pela redução imediata dos volumes de venda/produção. Assim que saíram as medidas do governo através de duas medidas provisórias MP 927 e MP 936, rapidamente procuramos pelo sindicato dos trabalhadores e juntos conseguimos chegar a um acordo para que de alguma forma conseguíssemos adequar nossos recursos humanos a uma nova realidade de baixo volume de produção e à necessidade de esvaziarmos rapidamente a fábrica, garantindo a segurança de todos e a sobrevivência do negocio.
Seguem algumas ações práticas tomadas neste período:
- Identificação dos grupos de risco e afastamento imediato;
- Concedidas férias para a maior parte dos colaboradores;
- Prática do home-office para funções administrativas;
- Aplicação da suspensão de contrato e redução de jornada de trabalho previstas na MP 936;
- Aplicação do banco de horas para áreas produtivas previsto na MP 927;
- Criação dos protocolos de saúde, segurança e higienização, seguindo as regras de distanciamento social, utilização de máscaras, adaptação das salas de reuniões, intensificação da higienização de toda a fábrica, ônibus e restaurante, aquisição de túneis de desinfecção, entre muitas outras ações;
- Utilização de ferramentas de TI para reuniões e treinamentos virtuais;
- Revisão em nossa política de viagens nacionais e internacionais e outro procedimentos internos para proteção de nossos colaboradores.
Apesar de estarmos passando por um momento bastante conturbado e de muitas incertezas, há muito o que se aprender e aproveitarmos para adequar nossos processos para este chamado novo normal.
Os processos que devem ganhar prioridade na agenda de recursos humanos são aqueles destinados a manter as lideranças próximas de suas equipes, entendendo suas necessidades, gerando confiança e bem-estar no ambiente de trabalho e compromisso com o desenvolvimento e crescimento profissional. Adicionalmente vejo também que nossa agenda deverá ser orientada a rever permanentemente processos de trabalho e de tomada de decisão para que sejam cada vez mais ágeis. Pensar “fora da caixa” e “agilidade” seguramente deverá fazer parte da agenda do gestor de RH pós pandemia. Aprendemos que isso é necessário e faz muito bem para o negócio. Este será sem dúvida um legado da pandemia.
Como líder, mais uma vez fica evidente para mim o quanto precisamos estar preparados psicologicamente (principalmente) para conseguirmos manter-nos equilibrados e conscientes. Não importa o tamanho da dificuldade, ela está lá, não há tempo para ficar lamentando e esperando que algo melhor aconteça, nós lideres precisamos nos manter lúcidos e confiantes de que tudo vai dar certo, é o que se espera de um verdadeiro líder.
Afinal tudo passa e depois dessa com certeza sairemos ainda mais fortes!
Angola, Joana Couto Diretor de Pessoas e Comunicação da Refriango
O ano de 2020 é provavelmente o ano mais desafiante na minha carreira profissional, um vez que estamos a gerir o desenvolvimento das nossas pessoas num contexto muito incerto. Desde Março, que a equipa de Gestão de Recursos Humanos tem sido colocada à prova diariamente no que à gestão de recursos humanos diz respeito, uma vez que a continuidade do negócio tem que ser garantida, mas num contexto repleto de restrições e de uma preocupação acrescida relativas à segurança e saúde dos nossos colaboradores e respectivas famílias. Muitas medidas foram tomadas para responder eficazmente à pandemia que afectou o mundo inteiro, mas aquela que destaco pela sua relevância foi a de assegurar condições de alojamento no complexo industrial para mais de 500 colaboradores, garantindo, assim a continuidade do negócio de forma eficiente e com a qualidade que nos é reconhecida. No sentido de garantirmos o envolvimento e o compromisso de todos os colaboradores afastados de suas famílias foi desenvolvido um conjunto de acções e dinâmicas, para que os mesmos se sentissem em casa, com a Família Refriango. Por outro lado, fomos igualmente confrontados com o contexto de gerir equipas à distância, na medida em que algumas das funções estavam a ser desempenhadas em regime de home-office. Para além da partilha de boas práticas de gestão de equipas à distância, tivemos que assegurar que todos os colaboradores nestas condições tivessem todas as ferramentas necessárias para que garantissem uma boa performance, tal como algo tão simples como um acesso à Internet. Neste contexto tão desafiante, as aprendizagens foram muitas, mas o que saliento como aspectos mais positivos foram a gestão de equipas multidisciplinares e de grande dimensão em prol de um objectivo comum, bem como a dinamização de acções de motivação e de sentimento de pertença com acesso a poucos recursos. Este período que todos estamos a viver está repleto de dificuldades, mas acredito que todos desenvolvemos a resiliência e a capacidade de adaptação para que possamos superar da melhor forma este contexto tão difícil.
Moçambique, Leovigildo Juliasse Gestor de Recursos Humanos da Sasol
Alguns dos desafios que enfrentamos: 1. Mudança do regime de horários de trabalho de turnos normais par turnos rotacionais, o que levou a um aumento de custos com pagamentos de subsídios de turnos; 2. Gerir pessoas não presentes no local de trabalho como habitual (teletrabalho), uma mudança radical que requer novas perspectivas na gestão de pessoas; 3. O medo do vírus afectou os níveis de produtividade porque trabalhadores passaram a gastar algum tempo considerável preocupados com o que advém depois (o amanhã).
Medidas aplicadas como lider: 1. Reforçamos as medidas preventivas contra a pandemia; 2. Redirecionamos a liderança a preocupar se com os resultados e não com a presença física do trabalhador no local de trabalho; 3. Activamos o programa de assistência e bem-estar do trabalhador, disponibilizando até consultas médicas gratuitas online.
Lições retiradas: 1. Nunca estamos adequadamente preparados para tudo; 2. Os nossos planos de contingência devem ser periodicamente revistos e ajustados à novas realidades, 3. Por vezes o medo nos mata mais que a própria pandemia.
Cabo Verde, Danila Ferreira HR Strategic Business Support Director da Equatorial Coca-Cola Bottling Company
Ao longo dos últimos 6 meses, o mundo foi assolado com aquela que se prevê ser uma das maiores crises pandémicas da história da humanidade. Chegou de forma fugaz e, ao que tudo indica, sem sinais de abrandamento.
O 1º passo que o grupo a que pertencemos fez, foi criar um Protocolo de Prevenção ao Covid-19 e definir um conjunto de cenários prováveis, bem como os procedimentos a adotar em cada uma das situações. Fizemos a adaptação do referido protocolo à nossa realidade local e avançamos com a sua imediata implementação.
Criamos um Comité de Crise, constituído pelos representantes das áreas de Recursos Humanos, Segurança e Ambiente, com forte apoio da Gestão do Topo. Esse Comité teve como principais responsabilidades a supervisão, monitorização e reporte dos impactos da Covid-19 em Cabo Verde, no nosso negócio e nos nossos colaboradores, acompanhando todas as medidas tomadas pelo Governo e pelas Autoridades Sanitárias, de forma a procedermos em conformidade com as mesmas.
Veja o artigo completo da Danila Ferreira aqui.
Certamente todos tivemos de nos adaptar. Passados vários meses desde que o Covid-19 surgiu ainda estamos a aprender a viver com ele, foi grande o impacto. Mas também serviu para acelerar a mudança. Afinal as crises representam excelentes oportunidades de crescimento. Espero que todos tenhamos crescido a nível pessoal, como equipa e como organização.